Incapacidade Civil X Capacidade Civil

Esta semana dei uma entrevista á rádio regional sobre o dia Internacional da Síndrome de Down. Convidaram-me por ser mãe de um rapaz de quase 15 anos que é Down, e também por ser conselheira de uma Associação de Amigos e Familiares de Pessoas Especiais – Afago.

Então, comecei a pensar a respeito da função notarial e registral em meio a realidade que esses indivíduos enfrentam, quanto as leis de inclusão e demais leis que ora beneficiam, ora omitem algum de seus direitos.

No dia 21 de março foi comemorado o Dia Internacional da Síndrome de Down  em diversos países, vez que esta data passou a fazer parte do calendário oficial de 193 países membros das Nações Unidas – ONU. Sendo escolhido o dia (21), pela Associação internacional Down Syndrome International, em alusão aos três cromossomos no par de número 21 (21/3) que as pessoas com síndrome de Down possuem.

Apesar da confirmação e desmistificação que atribui à Síndrome de Down, haja vista que há muitos anos a mesma já não é considerada uma doença, mas uma ocorrência genética natural, presente na humanidade. As suas características e/ou efeitos variam enormemente de pessoa para pessoa, comprometendo o desenvolvimento intelectual do indivíduo, que através de amigos ou familiares, profissionais multidisciplinares, têm-se rompido muitas barreiras em todo o planeta, e atualmente convivemos com pessoas com Síndrome de Down que moram sozinhas, trabalham, elegem candidatos pois, votam, casam-se, vão à universidade e graduam-se.

Então, relembrei-me de quando lavrei uma escritura de um divorcio extrajudicial, onde uma das partes era uma mulher com síndrome de down, em pleno gozo de suas faculdades mentais, alfabetizada e muito questionadora. Chamou-me atenção. Na época, a situação jurídica era nova, e na minha inexperiência, para minha segurança como notaria, solicitei ao seu advogado um laudo médico que a atestasse como pessoa capaz, entendendo que a qualquer momento poderia ser questionado a veracidade daquele instrumento de vontade e/ou tornar-lo nulo.

Ainda que, o primeiro artigo do Código Civil brasileiro atribua a todas as pessoas a capacidade, de direitos e deveres na ordem civil, e com isso, declaramos que no direito brasileiro inexiste incapacidade de direito, porque ao nascer, toda pessoa torna-se capaz de adquirir direitos ou gozar destes direitos, já que todo ente dotado de personalidade, ou seja, pessoa, tem capacidade.

Então, retornado ao artigo 4º do Código Civil que distingue como relativamente incapaz: I – os maiores de 16 e menores de 18 anos; II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; e IV – os pródigos.

Valho-me do questionamento seguinte: Se a capacidade é regra plena, e incapacidade cessa quando inexistem ou desaparecem as causas que a determinaram. O indivíduo maior de 18 anos é capaz, pois presume-se que o mesmo tenha atingido um desenvolvimento intelectual, econômico, ainda que seja portador da síndrome de down, desde que tenha pleno discernimento de suas faculdades mentais, ainda que intelectualmente lento. Este não precisaria provar sua capacidade, pois esta dependeria de interdição. Todavia em alguns casos, nós Tabeliões, ao notarmos ausência de discernimento ou incapacidade mental para lavratura dos atos, negamos.

E se ao nascer, com a vida, o indivíduo torna-se apto a adquirir direitos e deveres na ordem civil, recebendo a chamada personalidade jurídica, teremos como Notários que salvaguardar esses direitos, observando apenas alguns casos, que devido a um estado precário de saúde ou deficiência nítida em seu desenvolvimento, como acima relato, são considerados incapazes para realizar por conta própria os atos da vida civil, recebendo do ordenamento jurídico proteção, a fim de evitar danos a seu patrimônio etc., bem como a sua dignidade da pessoa humana.

Nesta classe do ao artigo 4º,  Ins. III,  do Código Civil, em que se enquadram os surdos-mudos, excepcionais, também estão alojados os indivíduos com Síndrome de Down, que sujeitos a tutela e curatela, podem ser assistidos em seus atos da vida jurídica, e quando condicionados entre os relativamente incapazes, seus negócios e atos jurídicos praticados sem a presença ou aquiescência do representante legal são  passíveis de anulação. O que somente os atos praticados por tais incapazes interditados, tornam-se nulos.

Ao meu entender, a capacidade civil determinada pela legislação às pessoas denominadas “excepcionais” que trata o referido artigo, nos seus direitos humanos e nos de personalidade jurídica, não é satisfatória, tendo em vista que desrespeita sua autodeterminação, ao considerar a presunção estabelecida que este seja relativamente incapaz de gerenciar seus bens, todavia não é incapaz para tomar decisões como votar, casar-se ou ter filhos. Daí, a incapacidade por deficiência, abrange as barreiras sociais, tanto quanto a visão médica do indivíduo considerado “deficiente”, variando entre a qualificação de seu comprometimento intelectual ou desenvolvimento mental para atos na vida civil.

Este tema deveria ser abordado com maior clareza entre os legisladores e juristas brasileiros, a fim de que a inclusão social das pessoas com necessidades especiais fossem identificadas de forma mais condizentes a atualidade,  desmaterializando o preconceito. Pois a maior diferença da incapacidade do individuo em exercer atos na vida civil, está no fato de que, os incapazes absolutamente não podem atuar diretamente, devendo ser representados, já os relativamente incapazes, podem exercer atos na vida civil, desde que com assistência, pois correm o risco destes serem anulados. 

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