O namoro sem objetivo de casamento

 Carlos Alberto conheceu Talita através de um site de relacionamentos. Em seu perfil já havia narrado um pouco de sua história e, consequentemente, de suas futuras expectativas: “Já tenho filhos de outra relação e quando da separação de minha ex, abri mão de uma  porção considerável do patrimônio que construí ao longo daqueles anos de casamento… Agora, quero continuar morando sozinho, não pretendo ter mais filhos e quero continuar trabalhando muito, pra conquistar algumas coisas que ainda almejo. Sendo assim, o que procuro é alguém para namorar, viajar comigo, cada um na sua mas juntos nas aventuras…”

O foco de sua narrativa sinalizava claramente o tipo de relação pretendida para a sua vida de ora em diante.

Coincidentemente, para Talita, esse era o perfil de relacionamento almejado para o seu momento de vida. Ela também era protagonista de uma relação anterior desfeita há pouco tempo, dissolvida principalmente por controvérsias de origem patrimonial, deixando tristes os filhos resultantes da união e a necessidade de dissolução de uma empresa constituída por ela e o companheiro.

Portanto, tanto Carlos Alberto quanto Talita tinham experiências anteriores que lhes trouxeram amadurecimento pessoal e a intenção de um novo modelo de relação, que fosse estabelecida simplesmente pelo afeto e pelo prazer da companhia do outro, sem intenção de futuro casamento ou de filhos comuns, embora com constância e continuidade, e que pudesse estar, via de regra, desvinculada diretamente da esfera patrimonial.

O número de casais afirmando que sua relação não passa de um namoro não é pequeno. Em que pesem alguns entendimentos de que o contrato de namoro poderia ser considerado ineficaz, ou, ainda, de que, embora válido, teria pouca utilidade prática, parece-nos que as reais aspirações de duas pessoas que pretendem estabelecer uma relação diferenciada devem e podem ser levadas em consideração, também do ponto de vista formal.

Em texto lúdico e com muito bom humor – “Contrato de Namoro em Cartório”, o colega José Hildor Leal trata desse assunto, trazendo à pauta com muita propriedade que a matéria é defendida por uns e repudiada por outros, em constante discussão, como tantos outros temas dos quais tratamos.

O namoro constitui uma relação afetiva onde duas pessoas ficam unidas pelo desejo de estarem juntas, e embora comprometidas entre si, reciprocamente, até em relação a questões de fidelidade, não estabelecem um “ vínculo matrimonial perante a lei civil ou religiosa”. Tradicionalmente, poderia corresponder à fase do relacionamento que antecede o noivado e o casamento, pois há um compartilhamento de experiências e troca de intimidades que servirão de base para a definição quanto a um compromisso mais sério, ou não.

Atualmente, assim como verificamos uma pluralidade de formas de constituição familiar, também temos uma diversidade de situações e formatos de relações afetivas.

Por tais motivos, quando entre os namorados não há intenção de constituição de família, embora exista uma relação contínua, pública e duradoura, entendemos viável a declaração, firmada por eles, sob as penas da lei, de que mantêm laços afetivos, podendo viajar e pernoitar juntos, inexistindo, porém, qualquer intenção de constituição de família e/ou união estável, cada um custeando as despesas para sua própria mantença, inexistindo qualquer dependência econômica entre eles.

Sabemos que, no contexto atual, talvez uma relação nesses termos poderia ser interpretada como união estável em eventual discussão judicial.  Por tal motivo, mostra-se oportuno, também, que os namorados declarem, no mesmo instrumento, que descartam de sua relação a configuração de união estável, e, na eventualidade de qualquer alegação em contrário, que pretenda tal equiparação, já afirmam, desde aquele momento, para todos e quaisquer efeitos de direito, que o regime patrimonial aplicável à sua relação deverá ser similar ao da separação total de bens, com a consequente incomunicabilidade de todos os bens que integram o patrimônio de um e de outro.

Encerramos nossa breve exposição reproduzindo parte do parecer emitido em recente  julgamento de recurso de apelação cível, nº 196007-2, da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, tendo como Relator  o desembargador José Fernandes de Lemos, recurso esse que, embora tenha por mérito o reconhecimento de uniões estáveis paralelas, vem ao encontro do entendimento de que o sistema jurídico não pode controlar e enquadrar rigidamente a conduta de pessoas que pretendam estabelecer determinado tipo de relação:  “ Em uma democracia pluralista, o sistema jurídico-positivo deve acolher as multifárias manifestações familiares cultivadas no meio social, abstendo-se de, pela defesa de um conceito restritivo de família, pretender controlar a conduta dos indivíduos no campo afetivo” (grifo nosso).

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  1. J. Hildor disse:

    A lembrança do Flávio ao texto que escrevi, há tempos, e agora trazendo mais subsídios para a discussão do tema, inclusive com recente decisão judicial junto ao TJ/PE, reforça a ideia do quanto é importantes estarmos atentos ao que ocorre na sociedade, com novas figuras jurídicas que se estabelecem no cotidiano, em constante evolução de costumes.

  2. flavio disse:

    Caro Hildor, essa é nossa missão: além de aconselhar, adequar a vontade dos interessados ao permissivo legal, estudar e pesquisar e propor discussões como essas, que aos poucos vão clareando a situação jurídica ou a proteção jurídica aplicável em cada caso que se nos apresenta.

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