A Publicidade Dos Documentos Digitais

 

 
Documento deriva do verbo doceo, que significa saber, anunciar. A nosso ver, a definição mais perfeita de documento nos é dada por Carnelutti, para quem documento é “uma coisa representativa que seja capaz de representar um feito”.

Obviamente, existem centenas de definições para documento, todas válidas, porém abstraindo-se seus conteúdos, sempre nos deparamos com o ponto fundamental, ou seja, algo que é capaz de nos provar um fato.

A grande maioria das definições de documento, faz menção a algo material, como “todo título, ou peça escrita, ou gráfica, que exprime ou representa alguma coisa que tenha valor jurídico…” Isso se deve à própria origem da questão da prova no direito, que no passado caracterizava-se fundamentalmente por algo palpável ou visível.

Vejamos o conceito da traditio que significa a transferência pela coisa ao alcance da mão, e mesmo a “manufirmatio” quando ainda não se assinavam os documentos, após a leitura pelo notário as partes passavam a mão pelo pergaminho em sinal de sua aceitação.

Ao correr do tempo, surge uma clara dicotomia entre prova material e prova oral, essa decorrente do testemunho pessoal e aquela gravada, marcada ou inscrita em algo material, ou no mínimo palpável.

A sociedade informática vive com computadores que traduzem “uma seqüência de bits capaz de representar um feito”.

Quando Jaron Lanier, ao reproduzir em ambiente computacional uma simulação perfeita de um objeto, permitindo inclusive que o usuário através de uma luva magnética manipulasse este objeto, resolveu chamar isso de “realidade virtual”. Na sua genialidade e empolgação criou um adjetivo para definir o que resulta de um programa de computador.

Realidade virtual, é uma antítese jocosa que se disseminou rapidamente, expressão que serve como uma luva para distinguir-se o que é produzido por computador. Ou seja, com a informática “criamos” dois mundos, o real e o virtual. Aquele, já conhecido, esse ainda sendo desbravado.

Esta singela definição arrastou consigo a idéia de que documento eletrônico é algo imaterial, e por suposto prova oral também não é, e por conseguinte, essa pseudo “virtualidade” faz com que muitos tenham restrições ao documento produzido por computador, como se o mesmo pertencesse ao um universo paralelo, “virtualmente” virtual.

Nesta ilusão, sedentos políticos e juristas provocam uma sanha legislativa sobre o documento eletrônico, como se o mesmo, por mais irônico que possa parecer, não fosse um documento em sua acepção legal.

No Brasil, foi editada a Medida Provisória (MP 2.200-2) para “outorgar valor ao documento eletrônico e assinatura digital”.

Ninguém jamais viu um físico definir informação digital como algo imaterial. Aliás, se assim o fosse, não teríamos problemas para armazená-la, nem problemas de tráfego para transmiti-la, pelo simples motivo que não ocupariam espaço.

Com esta breve introdução, queremos subtrair quaisquer tentativas de desclassificar informação digital do conceito jurídico de documento. Aliás, diga-se também, como prova real.

E, como conseqüência óbvia, sendo informação digital um documento, independente desta forma digital, será, segundo nossa legislação, documento, com a mesma força probante que tem o documento cartáceo.

Não foram assim, estaríamos navegando no absurdo: estariam invalidadas nossas eleições, declarações de imposto de renda, transações bancárias, etc.

A Medida Provisória, portanto, nada agrega ao conceito doutrinário ou às possibilidades legais, e plenas, de utilização do documento digital.

 

ASSINATURA DIGITAL

 

Seguindo a mesma linha de raciocínio, temos o conceito de assinatura como uma marca pessoal de seu autor, definição singela e clássica, encontrada em todos os dicionários, sejam jurídicos ou não. Alguns, inclusive dando exemplos de assinaturas “não manuscritas” como selos, sinetes ou chancelas, estas por sua vez, mecânicas e devidamente reconhecidas por tabelião.

A assinatura digital tem como característica ser um segredo guardado por seu autor, que substitui a habilidade em rabiscar no papel algo, de forma que seja muito difícil copiá-la, e que é legível por um programa de computador.

A lei brasileira, como todas as demais, não define assinatura de próprio punho. Assinatura é um conceito cultural e social. A nós, conhecedores da tecnologia de assinatura digital, não resta dúvida sobre a possibilidade de sua adoção por notários e registradores, abrigada que está pela legislação atual. É, portanto, a sobre este conceito que enfrentamos a questão.

Encerramos aqui maiores digressões com referência ao tema, pois à margem do aqui tratado, subsiste legislação nacional “outorgando” validade a documento eletrônico e assinatura digital.

 

DOS MEIOS DE VALIDADE E EFICÁCIA

 

Observando-se sob outro ângulo, vislumbramos a criação de milhares de documentos eletrônicos sendo produzidos diariamente, que entretanto, gravitam a órbita da incerteza quanto a data de sua consecução e autoria.

Temos, basicamente, dois tipos de documentos eletrônicos sendo produzidos: aqueles oriundos e específicos dos programas de computador, que não podem ser lidos pelo homem sem a ajuda de um computador, e aqueles que foram copiados digitalmente e subsistem como cópia de um original em outro suporte.

Uma das maiores distinções entre documentos em papel e digitais é que no primeiro subsiste sempre a assinatura ao fim do mesmo, ou seja, a chamada subscrição. A mesma cultura ainda não vige no documento eletrônico, missão a ser implementada pelos notários para sintonizar e autenticar o documento eletrônico dentro do ambiente legal.

Por outro lado, além da atribuição exclusiva prevista na Lei 8.935/94, a própria natureza do documento digital e a obscuridade do suporte, não permitiriam aceita-lo sem assinatura reconhecida por tabelião de notas, quando evidentemente seja desejada a validade e efeito perante terceiros ou a prova com presunção de autenticidade.

Assinaturas digitais não são únicas, como as manuscritas, que deixam traços possíveis de serem rastreados por perícia grafotécnica, porém geram código verificador único que permitem sua perícia técnica.

O processo de reconhecimento e vinculação de assinatura digital à pessoa é muito mais complexo do que os cartões usados na assinatura manuscrita. Como algo novo, depende de sólida tecnologia e a formalidade jurídica para prevenir futuras demandas.

Atualmente, os Registros de Títulos e Documentos aceitam para registro, documentos sem reconhecimento de firma, o que, pensamos, é temerário e pode atuar para gerar demandas judiciais, abalando a credibilidade do sistema registral.

Com o documento digital, o problema se agrava. Receber para registrar um documento digital, com assinatura feita sem a participação do notário, e portanto sem a presunção de autenticidade, dará possibilidade ao ingresso na publicidade registral de grande volume de documentos falsos, pela facilidade em produzir assinaturas digitais. Quem desejar testar este perigo, pode acessar www.pgp.com e solicitar assinaturas no nome de Edson Arantes do Nascimento ou Ayrton Senna, ou Getúlio Vargas, para citar apenas 3 notórias personalidades de nossa terra.

Portanto, nossa proposta é que os oficiais de registro de títulos e documentos, somente registrem documentos eletrônicos que tenham assinatura digital obtida com apoio, identificação e vinculação da pessoa à chave pública perante notário.

Agindo dessa forma, estaremos, notários e registradores, atestando a autoria e dando legitimidade, autenticidade e publicidade ao documento digital.

Ao registrarem documentos eletrônicos, os oficiais de registro de título e documentos deverão se certificar, em caso de originais, se foram assinados por seu autor com estas atribuições.

E, no registro de c&oaoacute;pias digitais de originais em papel, se houve a autenticação das cópias digitais por um notário.

Em contrapartida, os notários, na captação destes serviços, promoveriam a segurança jurídica decorrente do registro em Títulos e Documentos.

É preciso que notários e registradores unam-se em benefício da segurança jurídica do documento eletrônico; faz-se mister nos mantermos soberbos na produção, autenticação e guarda de documentos, agregando as atribuições de cada profissão com a missão de prevenir a lide e incrementar o uso da informática jurídica no país.

*Angelo Volpi Neto

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