Artigo – Inovações em Minas Gerais na Usucapião Extrajudicial

  em Notarial

Em 22 de junho de 2020 foi publicado no Diário do Judiciário Eletrônico o Provimento Conjunto nº 93/2020, que institui o Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, que regulamenta os procedimentos e complementa os atos legislativos e normativos referentes aos serviços notariais e de registro do Estado de Minas Gerais. O novo Provimento entrou em vigor no dia 30 de junho de 2020 e revogou o Provimento nº 260/2013, Código de Normas do Extrajudicial de Minas Gerais, que já tinha passado por diversas atualizações desde a sua publicação.

Com o novo Provimento, Minas Gerais avançou em diversos temas, mas neste artigo trataremos especificamente da usucapião extrajudicial, cujo novo regramento em Minas considerou as necessidades já observadas desde a criação do procedimento pelo art. 216-A[1], da Lei nº 6.015/73, com redação dada pelo art. 1.071 da Lei nº 13.105/2015, que também contém o novo CPC. Passamos a tratar, por tópicos, de todas as inovações que, pela sua relevância, têm interesse nacional.

I- USUCAPIÃO DE LOTE VAGO OU ÁREA SEM EDIFICAÇÃO

A primeira inovação refere-se ao esclarecimento sobre como provar a posse de lote vago. Realmente é uma questão complexa, pois, no lote vago, não há contas de água, luz e, por vezes, sequer IPTU, posto que alguns Municípios não tributam áreas irregulares. Assim, foi esclarecido, no art 1.157, § 1º do Provimento Conjunto nº 93/2020, que, tratando-se de usucapião de lote vago ou em área sem edificação, a comprovação da posse dependerá da apresentação de ao menos duas testemunhas que atestem os atos efetivos de posse pelo tempo necessário à usucapião.

Logo, não sendo possível a apresentação de documentos que demonstrem a posse, foi admitida sua comprovação por no mínimo duas testemunhas. Essas testemunhas, no entanto, devem ser capazes de “atestar”, ou seja, provar, evidenciar o tempo de posse do requerente. Para tanto, elas devem ter efetivo conhecimento da posse por tê-la presenciado ao longo dos anos. No testemunho, o tabelião deverá indagar a elas sobre o período de tempo relativamente ao qual podem atestar a posse, bem como sobre todos os fatos que possam dar firmeza à prova produzida via ata notarial. Alguns dos fatos relevantes que deverão ser indagados às testemunhas são: se o possuidor cercou o imóvel, se tem outros cuidados com ele, se o mantém limpo, se o visita regularmente, se toma as medidas para evitar invasões, além daquelas perguntas expressamente previstas no Provimento nº 65/CNJ.

O ideal é que as testemunhas sejam confinantes do imóvel usucapiendo, pois possuem conhecimento privilegiado a respeito da posse com animus domini, do modo de sua aquisição, do seu tempo etc, enfim, de todos os aspectos que importam para o reconhecimento da usucapião extrajudicial.

II- DA DISPENSA DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÕES NEGATIVAS DOS DISTRIBUIDORES DE AÇÕES EM NOME DOS TITULARES DO DOMÍNIO QUANDO SUA OBTENÇÃO FOR IMPOSSÍVEL

Estabelece o § 2º, do art. 1.157, do Provimento Conjunto nº 93/2020 que será dispensada a apresentação de Certidões Negativa dos Distribuidores de ações em nome dos titulares do domínio quando a obtenção for impossível pelo desconhecimento dos dados de qualificação pessoal (RG, CPF e filiação), sendo suficiente a impressão do resultado da pesquisa online apenas com o nome.

Essa inovação é importantíssima, posto que o Provimento nº 65/CNJ exige, em seu art. 4º, IV, a apresentação de certidões negativas dos distribuidores da Justiça Estadual e da Justiça Federal do local da situação do imóvel usucapiendo expedidas nos últimos trinta dias, demonstrando a inexistência de ações que caracterizem oposição à posse do imóvel, em nome das seguintes pessoas: a) do requerente e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver; b) do proprietário do imóvel usucapiendo e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver; c) de todos os demais possuidores e respectivos cônjuges ou companheiros, se houver, em caso de sucessão de posse, que é somada à do requerente para completar o período aquisitivo da usucapião.

O problema é que, se no registro de imóveis não há dados relativos à qualificação pessoal do titular do domínio, como número do CPF ou da identidade, não é possível a obtenção dessas certidões. Ressalte-se que a inexistência da qualificação completa dos titulares de direitos reais nos registros, averbações, transcrições e matrículas configura, infelizmente, fato comum em diversas Serventias por todo o Estado de Minas Gerais, muitas vezes porque, à época da prática do ato, não eram exigidos.

Assim, o Código de Minas esclareceu que, para demonstrar a inexistência de processos judiciais envolvendo o titular do imóvel, basta apresentar a impressão do resultado da pesquisa feita no sítio eletrônico do Tribunal com o nome da pessoa.

III- DA NECESSIDADE DE PONTOS GEORREFERENCIADOS NA PLANTA DO IMÓVEL

Nos termos do § 3º, do art 1.157, do Provimento Conjunto nº 93/2020, a planta de imóvel sem origem registrária deve conter, no mínimo, três pontos georreferenciados para possibilitar a fixação territorial e o controle seguro da especialidade objetiva, ressalvados os casos de imóveis que já estejam submetidos a exigência de descrição georreferenciada.

Desta forma, o engenheiro ou arquiteto, ao elaborar a planta, de imóvel urbano ou rural, que será apresentada ao Registro de Imóveis junto com a ata notarial e com os demais documentos, deverá observar a necessidade do mínimo de três pontos georreferencidos, na hipótese de o imóvel não ter origem registrária, ou seja, não ter transcrição (registro) ou de não ter sido ainda aberta matrícula individualizada para ele.

A exigência não existirá na hipótese de já haver descrição georreferenciada no registro de imóveis. Trata-se de novidade extremamente importante, pois proporciona maior segurança às descrições dos imóveis matriculados sem aumentar demasiadamente o custo dos trabalhos técnicos, como ocorreria em se exigindo o georreferenciamento de todos os vértices da propriedade.

IV- DA NOTIFICAÇÃO DO CONFINANTE FALECIDO

O Código de Minas Gerais trouxe excelente novidade no que se refere ao confinante no procedimento extrajudicial da usucapião: na hipótese de aquele que era o titular de direito real do imóvel confinante ter falecido, é suficiente a anuência do inventariante ou de qualquer dos herdeiros (§ 2º do art. 1.158).

O reconhecimento de que, para dar prosseguimento à usucapião extrajudicial, basta a anuência do inventariante ou de qualquer um dos herdeiros do imóvel confinante facilitará e tornará viável a usucapião em diversos casos, sem prejuízo à segurança jurídica. Isso porque, diversas vezes, era muito difícil ou mesmo impossível localizar todos os herdeiros do falecido, na hipótese de inexistir inventariante nomeado, pois, infelizmente, a realidade é que, no Brasil, em muitos casos sequer é feito o inventário. A partir de 30 de junho de 2020, bastará, portanto, que o tabelião tente obter, na ata notarial, quanto ao imóvel confinante, a manifestação do inventariante ou de um dos herdeiros.

Se não for possível colher a anuência na ata notarial, ela poderá ser apresentada posteriormente ao Registro de Imóveis, por declaração por documento público ou com firma reconhecida, ou, se isso não for possível, sendo provada a tentativa sem resultado de localização do falecido proprietário do imóvel confinante ou de seus herdeiros, coloca-se à disposição do requerente da usucapião a notificação por edital pelo Registrador de Imóveis.

V- DA UTILIZAÇÃO DE ALGUMAS REGRAS DA RETIFICAÇÃO DE ÁREA PARA A NOTIFICAÇÃO DO CONFRONTANTE NA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL

Conforme art. 1.158, § 1º, para a notificação do confrontante será observado, no que couber, o disposto nos arts. 897, 898, 902 e 905 do Provimento. Os referidos artigos tratam da retificação de área no Registro de Imóveis. Foram aplicadas à usucapião extrajudicial algumas disposições previstas para a retificação de área, que passamos a examinar.

A primeira definição da retificação de área que se aplica à usucapião é a de “confrontante”: são confrontantes os proprietários ou os ocupantes dos imóveis contíguos, conforme art. 897, do Código de Normas. Assim, tanto o proprietário registral quanto o ocupante de fato poderão ser notificados, a depender da situação registral do imóvel.  Na hipótese de imóvel devidamente matriculado ou transcrito, o proprietário registral deverá ser notificado; entretanto, quando o imóvel não estiver regular junto ao CRI, o próprio possuidor do imóvel confrontante poderá assinar os documentos para fins de usucapião, bastando que seja feita a comprovação documental da posse, a instruir a respectiva ata notarial.

O art. 898 vem esclarecer algumas situações específicas de representação para fins de recebimento da notificação: 1 – o condomínio geral será representado por qualquer dos condôminos; 2 – o condomínio edilício será representado pelo síndico ou pela comissão de representantes; 3 – sendo os proprietários ou os ocupantes dos imóveis contíguos casados entre si e incidindo sobre o imóvel comunhão ou composse, bastará a manifestação de anuência ou a notificação de um dos cônjuges; 4 – a União, o Estado, o Município, suas autarquias e fundações poderão ser notificadas por intermédio de sua Advocacia-Geral ou Procuradoria que tiver atribuição para receber citação em ação judicial; 5 – sendo o proprietário falecido bastará a manifestação de anuência ou notificação do inventariante.

No item V do art. 898 faltou constar de forma expressa a possibilidade de notificação de qualquer herdeiro do proprietário do imóvel confinante, como foi autorizado no art. 1.158, § 2º. Para a usucapião extrajudicial já está, pois, autorizada a manifestação de qualquer herdeiro do titular do imóvel confinante. Assim, entende-se que, na retificação de área, quando o proprietário tabular for falecido, deve-se exigir a manifestação do inventariante, não sendo possível a assinatura de qualquer dos herdeiros, como se permite na usucapião extrajudicial.

 

Outra inovação decorrente da aplicação das regras da retificação de área à usucapião extrajudicial foi o reconhecimento de que a existência de ônus real ou gravame na matrícula do imóvel confinante não impedirá a outorga da anuência exclusivamente pelo seu confrontante (art. 898, parágrafo único). Essa alteração, com certeza, veio trazer um alívio para os requerentes da usucapião extrajudicial, pois existe uma grande dificuldade e morosidade quando o imóvel confinante esta alienado fiduciariamente a instituição financeira (credora fiduciária), que antes da mudança do código teria que assinar a planta, reconhecer a firma do signatário (gerente) e apresentar a procuração com poderes para anuir em nome do “banco”.

Em que endereço deverá ser feita a notificação do confrontante? O Código de Normas esclarece: a notificação poderá ser cumprida no endereço do confrontante constante do Ofício de Registro de Imóveis, no próprio imóvel contíguo ou naquele fornecido pelo requerente (art. 902).

Após a notificação, serão anexados ao procedimento de retificação os comprovantes de notificação pelo correio ou pelo oficial de registro de títulos e documentos e cópias das publicações dos editais; e, caso promovida a notificação pelo oficial de registro de imóveis, será anexada, também, a nota de ciência emitida pelo destinatário (art. 905).

VI – DA NOTIFICAÇÃO NO CASO DE ALIENAÇÃO DE ÁREA DA MATRÍCULA SOB A FORMA DE PARTES IDEAIS

Quando se tratar de usucapião em parcelamento irregular do solo, e tendo a área da matrícula sido alienada sob a forma de partes ideais, deverão anuir ou serem notificados todos os co-proprietários, ou os co-proprietários ocupantes dos lotes confrontantes, do imóvel usucapiendo, quando identificados na ata notarial. Logo, na ata notarial, deverão ser identificados todos os co-proprietários que figuram na matrícula, e, sendo possível, também os ocupantes dos lotes confrontantes com o imóvel usucapiendo.

Assim, para facilitar a realização do procedimento da usucapião em tal situação, o Código de Normas permite que, ao invés de se exigir a anuência de todos os coproprietários da matrícula em que estiver inserida a área usucapienda, bastará a anuência dos confrontantes, coproprietários ou não, desde que devidamente identificados na ata notarial. Quando se trata de área extensa em que houve várias alienações de partes ideais, tal providência certamente é muito bem recebida por todos os envolvidos na usucapião extrajudicial e, ressalte-se, não traz qualquer prejuízo para a segurança jurídica.

VII – DA NOTIFICAÇÃO SIMPLIFICADA

A notificação no procedimento de usucapião extrajudicial poderá ser realizada de forma simplificada, acompanhada do requerimento inicial, desde que a serventia possua solução que proporcione a visualização de todo o processo de usucapião, sem ônus para o interessado, por meio do site do próprio cartório, do site da Central Eletrônica de Registro de Imóveis ou outra ferramenta disponível (art. 1.158).

A Central Eletrônica de Registro de Imóveis é cada vez mais importante para os registradores e também para os tabeliães, para os advogados e para os usuários dos serviços. Sua utilidade e a economia que proporciona são induvidosas. A notificação simplificada, acompanhada apenas do requerimento inicial, viabilizará maior eficiência no procedimento extrajudicial da usucapião.

Dada a importância da Central do Registro de Imóveis, bem como das centrais das demais especialidades, espera-se que o CNJ revise o entendimento exarado no Provimento nº 107/2020, em que veda a cobrança de quaisquer valores pelas Centrais das entidades associativas dos Notários e Registradores, pois a criação e manutenção de tais centrais gera um (elevado) custo para tais entidades, fazendo-se necessária a cobrança de valores capazes de cobrir os já citados custos. Tais custos são significativamente inferiores aos custos que a parte experimenta, exemplificativamente, para se dirigir ao cartório, principalmente em grandes centros.

VIII –  DA PUBLICAÇÃO DOS EDITAIS NA CENTRAL ELETRÔNICA DE REGISTRO DE IMÓVEIS

Os editais do procedimento de reconhecimento extrajudicial de usucapião poderão ser divulgados apenas por meio de Central Eletrônica de Registro de Imóveis, que manterá arquivo e registro de todos os editais ali disponibilizados. A utilização da Central para publicação de editais já havia sido autorizada antes do novo Provimento e tornou mais econômica a publicação. No novo Código, foi esclarecido que será considerada como data da publicação o primeiro dia útil subsequente ao da disponibilização da informação no meio eletrônico, e os prazos passarão a contar a partir do primeiro dia útil seguinte ao considerado como data da publicação. (§ 1º, do art. 1.159) Tratando-se de imóvel que não tenha origem registrária, ou tenha origem não encontrada, essa circunstância deverá constar do edital de notificação dos terceiros interessados.

IX- DA NOTIFICAÇÃO DOS ADVOGADOS, DA CONTAGEM DE PRAZOS E DO CANCELAMENTO DA PRENOTAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO DA USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL

Também no que se refere à notificação dos advogados houve inovações. Foi esclarecido que todas as notificações destinadas ao requerente serão efetivadas na pessoa do seu advogado ou do defensor público, por e-mail, com prazo para cumprimento de no mínimo 15 dias corridos, conforme art. 1.160. O prazo eventualmente concedido para a apresentação de documentação complementar ou providências é contado a partir do primeiro dia útil após o envio do e-mail (§ 1º, do art. 1.160).

Se não forem cumpridas as exigências formuladas e se não forem apresentadas justificativas do não cumprimento no prazo, o oficial deverá notificar, por e-mail, o advogado ou o defensor público, assim como o usucapiente, fixando prazo preclusivo de 15 dias, com advertência de encerramento por desídia e cancelamento da prenotação, estando novo pedido sujeito a recolhimento de emolumentos de processamento e prenotação (§ 2º, do art. 1.160). Portanto, foi concedida ao advogado uma nova chance para a manifestação antes do cancelamento da prenotação.

De qualquer forma, o melhor é que o advogado sempre se manifeste no prazo concedido, que será de no mínimo 15 dias corridos, e que justifique a impossibilidade de cumprir as exigências no prazo, se essa for a realidade. Sabemos que muitas vezes a documentação exigida depende de atuação de outros órgãos, como o Município, por isso basta justificar e solicitar a concessão de maior prazo que a prenotação não será cancelada por desídia.

Foi ainda esclarecido no Código de Normas que o requerimento cancelado pode ser renovado, submetendo-se a nova qualificação, mas podendo ser aproveitados, conforme o caso, os documentos e os atos regularmente praticados anteriormente, caso não haja prejuízo para terceiros. Vale lembrar, o prazo de validade das certidões expedidas pelo registro de imóveis (30 dias) e pelo registro civil das pessoas naturais, salvo óbito, (90 dias).

X- DOS PRAZOS PARA O REGISTRADOR

O prazo para análise do requerimento inicial, petições, e demais documentos será de 15 dias e as demais diligências a cargo do registrador deverão ser encaminhadas no prazo de 15 dias (art. 1.160, §§ 4º e 5º).

XI – DA IMPUGNAÇÃO DO PEDIDO DE RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA USUCAPIÃO

Se em face do pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião for apresentada impugnação por qualquer dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, por ente público ou por terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis tentará promover a conciliação ou a mediação entre as partes interessadas. Foi, no entanto, dispensada a tentativa de conciliação ou mediação se a impugnação for feita por ente público com base em matéria que envolva direito indisponível, caso em que os autos serão remetidos ao juiz de direito com jurisdição em Registros Públicos ou, onde não houver vara especializada, ao juízo cível. (Parágrafo único do art. 1.161)

XII – DA DISPENSA DO INSTRUMENTO DE QUITAÇÃO SE APRESENTADA CERTIDÃO DE INEXISTÊNCIA DE AÇÃO JUDICIAL SOBRE POSSE OU PROPRIEDADE

Importante novidade está prevista no art. 1.162 do Provimento Conjunto nº 93/CGJ-MG. Foi estabelecido que equivale à prova de quitação a que se refere o caput do art. 13 do Provimento nº 65/CNJ[2] a certidão emitida pelos distribuidores da Justiça Estadual e da Justiça Federal do local da situação do imóvel usucapiendo e do domicílio do requerente, se diverso, após 5 (cinco) anos do vencimento da última prestação ajustada no título, que explicite a inexistência de ação judicial que verse sobre a posse ou a propriedade do imóvel contra o adquirente ou seus cessionários.

Portanto, mesmo que não seja apresentada a prova da quitação, se apresentado o justo título ou instrumento que demonstre a existência de relação jurídica com o titular registral[3], acompanhado de certidão judicial emitida após 5 (cinco) anos do vencimento da última prestação que explicite a inexistência de ação judicial que verse sobre a posse ou a propriedade do imóvel contra o adquirente ou seus cessionários. Essa certidão deverá ser tanto dos distribuidores da Justiça Estadual quanto da Justiça Federal do local da situação do imóvel usucapiendo e do domicílio do requerente, se diverso.

XIII – DA DIFERENÇA DE DESCRIÇÕES / MEMORIAIS

O artigo 1.163, § 1º do Provimento Conjunto nº 93/CGJ-MG dispõe que caso haja diferença entre o memorial georreferenciado apresentado pelo requerente da usucapião ao Registro de Imóveis e aquele que foi objeto de certificação pelo INCRA, a diferença será relevada pelo Oficial se o responsável técnico emitir declaração informando 1) que a diferença decorre de diferentes técnicas de medição e 2) que ambos os memoriais se referem ao mesmo imóvel. A descrição que prevalecerá será aquela certificada pelo INCRA, pois foi sobre esta que a autarquia federal verificou não haver sobreposição com outras poligonais.

Trata-se de importante autorização ao Oficial, pois tal situação é comum na prática e muitos Oficiais acabavam recusando o memorial apresentado pela parte para não serem posteriormente penalizados civil ou administrativamente.

XIV – HIPÓTESES DE DESNECESSIDADE DE ABERTURA DE NOVA MATRÍCULA

O Provimento Conjunto nº 93/CGJ-MG em seu artigo 1.163, parágrafo 2º dispõe que na hipótese de o imóvel usucapido estar matriculado e o pedido se referir à totalidade do bem, o registro da usucapião será feito na própria matrícula se não houver alteração da descrição perimetral nela consignada. No entanto, o parágrafo 3º do mesmo dispositivo ressalva que mesmo havendo diferença de área entre o memorial apresentado e a matrícula ou transcrição de origem, será possível averbar tal circunstância na matrícula de origem e registrar a usucapião. No caso de imóvel transcrito, entendem os autores que se averba a diferença de área na transcrição e, para o registro da usucapião, será aberta nova matrícula.

XV – USUCAPIÃO DE UNIDADE AUTÔNOMA

A usucapião de unidade autônoma em condomínio edilício ainda não instituído ou sem a devida averbação de construção é possível. Neste caso, abre-se matrícula para a fração ideal, com menção à unidade respectiva e à submissão ao regime jurídico de condomínio edilício, conforme previsto no artigo 1.163, parágrafo 4º do Provimento Conjunto nº 93/CGJ-MG.

XVI – USUCAPIÃO E “HABITE-SE”

O caput do artigo 1.164 do Provimento Conjunto nº 93/CGJ-MG prevê que se houver construção no imóvel usucapiendo, eventual abertura de matrícula independerá de apresentação de “habite-se” expedido pela Municipalidade. Nesse caso, é possível abrir matrícula apenas para o terreno e, em seguida, averbar a notícia da existência da construção, independentemente de aprovação Municipal. Tal notícia, ressalte-se, não se confunde com a averbação de construção, que ocorre quando emitida pela Municipalidade a certidão de baixa de construção e habite-se, dispensada a CND nas hipóteses legais.

Os parágrafos do referido artigo tratam de averbação de “construção residencial urbana unifamiliar de um só pavimento finalizada há mais de 5 (cinco) anos em área ocupada predominantemente por população de baixa renda”, prevendo duas situações distintas: 1) apresentado o “habite-se” (dispensado pelo artigo 247-A da Lei 6015/73), a matrícula será aberta já com a descrição do terreno e da construção, sem necessidade de apresentação de certidão previdenciária ou declaração de dispensa; 2) havendo construção não regularizada, a matrícula será aberta com a descrição apenas do terreno, seguida de averbação de notícia de construção, a ser realizada de ofício, fato que não obstará a escrituração e o registro de atos posteriores na matrícula.

XVII – DO PROCEDIMENTO DE DÚVIDA

O novo Código de Normas-MG manteve em seu artigo 1.165 a possibilidade de haver, em qualquer caso, o procedimento de dúvida previsto nos artigos 150 a 161, procedimento que poderá ser suscitado pelo interessado quando este não concordar ou não conseguir cumprir as exigências formuladas pelo Registrador de Imóveis.

Nunca é demasiado lembrar que o requerimento para a suscitação da dúvida deverá ser escrito e fundamentado pelo interessado, independentemente de ser advogado. No caso da usucapião extrajudicial, o ideal é que o próprio advogado, indispensável ao procedimento, elabore o requerimento da suscitação de dúvida, bem como a impugnação diretamente em juízo.

Lembramos, ainda, que os Oficiais deverão juntar ao procedimento de suscitação de dúvida as notas devolutivas por eles expedidas, onde foram informadas as razões e os fundamentos legais para a recusa do registro da usucapião extrajudicial.

XVIII – DA USUCAPIÃO PLÚRIMA URBANA

Uma das maiores inovações de todo o Novo Código de Normas seja a usucapião plúrima urbana no art. 1.166, que pode ser formulada por qualquer legitimado para requerer a REURB. O art. 14 da Lei 13.465/2017 apresenta os referidos legitimados: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, diretamente ou por meio de entidades da administração pública indireta; os seus beneficiários, individual ou coletivamente, diretamente ou por meio de cooperativas habitacionais, associações de moradores, fundações, organizações sociais, organizações da sociedade civil de interesse público ou outras associações civis que tenham por finalidade atividades nas áreas de desenvolvimento urbano ou regularização fundiária urbana; os proprietários de imóveis ou de terrenos, loteadores ou incorporadores; a Defensoria Pública, em nome dos beneficiários hipossuficientes e o Ministério Público. Como a lei autoriza um rol bem amplo de legitimados, incluindo os beneficiários da REURB, que seriam os possuidores da área, a usucapião plúrima urbana passa a ser uma alternativa muito relevante e útil.

O Código de Minas Gerais estabelece em seu artigo 1.166, § 1º, que o requerimento será instruído com: 1- ata notarial única, independentemente do número de imóveis, atestando, de um modo geral, o tempo, a origem e natureza da posse dos ocupantes, com descrição das construções e benfeitorias realizadas, entre outras circunstâncias das ocupações, consideradas úteis e necessárias pelo tabelião de notas competente; 2- planta e memorial descritivo georreferenciado do imóvel usucapiendo e das unidades autônomas dele resultantes, juntamente com o documento de responsabilidade técnica do profissional que os elaborou; 3- demais documentos enumerados nos incisos III, IV, VI, e VII, art. 4º, do Provimento n 65/CNJ[4], no que couber, apresentados de forma individualizada, por beneficiário; 4- listagem que contenha a identificação dos ocupantes e sua manifestação de anuência com a usucapião na forma pleiteada, bem como indicação das unidades de cada um, com referência na planta.

Os itens 1 e 2 acima representam uma grande economia para os requerentes da usucapião, pois permitem diluir o custo da ata notarial, dos trabalhos técnicos e do processamento da usucapião no Registro de Imóveis por todos os requerentes.

Entretanto, tal facilitação não pode dar-se em detrimento da segurança jurídica. Assim, no que diz respeito à ata notarial única, questiona-se: como serão atestados o tempo, a origem e a natureza da posse dos ocupantes, a descrição das construções e benfeitorias, tudo, na mesma ata? Acreditamos que, para que seja factível a elaboração da ata, o fato jurígeno deva ser comum, como na hipótese de uma mesma pessoa que alienou frações ideais a outras, não havendo muitas cessões ao longo do tempo. Isso porque, se a situação de cada um dos requerentes for muito diferente da dos demais, a ata não fornecerá às partes a segurança jurídica necessária e, faticamente, pode até mesmo se tornar inviável.

Ainda sobre o regramento no Novo Código de Normas de Minas Gerais sobre a usucapião plúrima, há exigência de que as áreas individualmente possuídas devam observar os requisitos urbanísticos previstos na legislação municipal, tais como tamanho de lote e testada para via pública, salvo se tratar da usucapião constitucional[5] (§ 2º, do art. 1.166). Também há exceção aos requisitos urbanísticos na hipótese de o órgão municipal competente, de forma prévia ou incidental, declarar a flexibilização de parâmetros urbanísticos (§ 3º).

Na usucapião plúrima, o procedimento foi simplificado, tendo sido autorizado que as notificações destinadas aos entes públicos, aos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou dos imóveis confinantes, bem como a publicação de edital sejam realizadas em ato único, abrangendo todos os imóveis objeto do procedimento. A impugnação ou indeferimento parcial do pedido não afetará os demais requerentes, de modo que o procedimento terá seguimento em relação aos ocupantes que não sofreram impugnação ou cujo pedido não foi indeferido (art. 1.166, § 4º e 5º).

As matrículas na usucapião plúrima urbana serão abertas de forma individualizada para cada uma das unidades autônomas, em conformidade com os memoriais descritivos apresentados, sendo feito o registro do reconhecimento da aquisição por usucapião em nome do beneficiário. (art. 1.116, § 6º)

Louvável a criação do procedimento, que permitirá, por exemplo, que os vizinhos se agrupem para solicitar a usucapião extrajudicial. Uma ideia é fazer a usucapião por quarteirão, de modo que os requerentes possam dividir os custos tanto da ata notarial quanto do processamento no registro de imóveis.

XIX – CONCLUSÃO

O Novo Código de Normas de Minas Gerais, previsto no Provimento Conjunto nº 93/CGJ-MG, trouxe inovações importantes para o procedimento da usucapião extrajudicial, com a finalidade de torná-lo mais simples, eficaz e menos oneroso.

As novas regras permitiram a comprovação da posse em lote vago por meio de, no mínimo, duas testemunhas, dispensaram a apresentação de Certidões Negativa dos Distribuidores de ações em nome dos titulares do domínio quando a obtenção for impossível pelo desconhecimento dos dados de qualificação pessoal, e também possibilitaram a anuência pelo inventariante ou qualquer herdeiro do confinante falecido.

Além disso, algumas regras previstas para o procedimento da retificação de área passaram a ser aplicadas à usucapião extrajudicial, como explicado acima.

Há também novidades quanto à notificação das partes e dos seus advogados, bem como quanto à publicação de editais somente por meio da Central Eletrônica de Registro de Imóveis. Foi ainda autorizada a dispensa do instrumento de quitação se apresentada certidão de inexistência de ação judicial sobre posse ou propriedade do referido imóvel, conforme dissertado no item XII.

O Provimento Conjunto nº 93/CGJ-MG ainda regulou situações que envolvem diferenças entre o memorial georreferenciado apresentado pelo requerente e a descrição contida na certificação pelo INCRA, permitiu a dispensa de abertura de matrícula em determinados casos, tratou de forma mais completa da baixa de construção e do “habite-se” e, por fim, incluiu a possibilidade de realização da usucapião plúrima urbana.

As inovações trazidas pelo Novo Código de Normas de Minas Gerais são de grande relevância para o tema da usucapião extrajudicial, uma vez que permitem a solução de diversas questões enfrentadas na prática pelas partes, Advogados, Tabeliães e Registradores. Com isso, será significativo o aumento da eficiência do procedimento e da maior abrangência da usucapião pela via extrajudicial, além de desafogar o Poder Judiciário.

Ana Clara Amaral Arantes Boczar[i]

Carlos Rogério de Oliveira Londe[ii]

Daniela Bolivar Moreira Chagas[iii]

Letícia Franco Maculan Assumpção[iv]

 

 

 

[1] Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com: I – ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias;

 

[2] O mencionado artigo tem o seguinte teor: Art. 13. Considera-se outorgado o consentimento mencionado no caput do art. 10 deste provimento, dispensada a notificação, quando for apresentado pelo requerente justo título ou instrumento que demonstre a existência de relação jurídica com o titular registral, acompanhado de prova da quitação das obrigações e de certidão do distribuidor cível expedida até trinta dias antes do requerimento que demonstre a inexistência de ação judicial contra o requerente ou contra seus cessionários envolvendo o imóvel usucapiendo.

[3] Exemplos dos justos títulos estão no § 1º do art. 13 do Provimento nº 65/CNJ: I – compromisso ou recibo de compra e venda; II – cessão de direitos e promessa de cessão; III – pré-contrato; IV – proposta de compra; V – reserva de lote ou outro instrumento no qual conste a manifestação de vontade das partes, contendo a indicação da fração ideal, do lote ou unidade, o preço, o modo de pagamento e a promessa de contratar; VI – procuração pública com poderes de alienação para si ou para outrem, especificando o imóvel; VII – escritura de cessão de direitos hereditários, especificando o imóvel; VIII – documentos judiciais de partilha, arrematação ou adjudicação.

 

[4] Os mencionados incisos são os seguintes: III – justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a cadeia possessória e o tempo de posse; IV – certidões negativas dos distribuidores da Justiça Estadual e da Justiça Federal do local da situação do imóvel usucapiendo expedidas nos últimos trinta dias, demonstrando a inexistência de ações que caracterizem oposição à posse do imóvel, em nome das seguintes pessoas: a) do requerente e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver; b) do proprietário do imóvel usucapiendo e respectivo cônjuge ou companheiro, se houver; c) de todos os demais possuidores e respectivos cônjuges ou companheiros, se houver, em caso de sucessão de posse, que é somada à do requerente para completar o período aquisitivo da usucapião; VI – instrumento de mandato, público ou particular, com poderes especiais e com firma reconhecida, por semelhança ou autenticidade, outorgado ao advogado pelo requerente e por seu cônjuge ou companheiro; VII – declaração do requerente, do seu cônjuge ou companheiro que outorgue ao defensor público a capacidade postulatória da usucapião;

 

[5]   Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

[i] Graduada em Direito na Faculdade Milton Campos, pós-graduada em Direito Privado pela Universidade Cândido Mendes, pós-graduada em Direito Notarial e Registral  pela parceria do INDIC – Instituto Nacional de Direito e Cultura com o CEDIN – Centro de Direito e Negócios. Coautora do livro “Usucapião Extrajudicial, questões notariais e tributárias”, coautora do livro “Registro Civil das Pessoas Naturais, Temas Aprofundados”, da editora JusPodivm. Mestranda em direito privado pela Universidade FUMEC. Advogada, é membro da Comissão da OAB de Direito Notarial e Registral de 2020 e atua na área cível nas esferas judicial e extrajudicial.

[ii] Mestrando em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa, Mestre em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos (FDMC – 2016), Especialista em Direito Tributário pela FDMC (2008) e em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva (2009), Bacharel em Direito formado pela FDMC (2007) e Bacharel em Química pela UNICAMP (1999). Registrador de Imóveis da Comarca de Senador Firmino – MG, ex-Tabelião de Protesto de Títulos e outros Documentos de Dívida nas Comarcas de Itamarandiba e Bueno Brandão (MG), Professor e co-coordenador da Pós Graduação em Direito Notarial e Registral do CEDIN.

[iii] Assessora na Vara de Registros Públicos em Belo Horizonte-MG, Mestranda em Direito Privado pela Universidade FUMEC, Especialista em Direito Registral e Notarial pela Faculdade de Direito Milton Campos e em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva. Bacharel em Direito. Professora e palestrante em Direito Registral e Notarial. Coautora de Livros e Artigos de Direito Notarial e Registral. Foi Vice-Presidente da Comissão de Direito Notarial e Registral e Membro da Comissão de Direito Imobiliário ambas da OAB/MG.

[iv] Graduada em Direito pela UFMG, pós-graduada, mestre e doutoranda em Direito. Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. Professora e co-coordenadora da Pós-Graduação em Direito Notarial e Registral do CEDIN – Centro de Direito e Negócios. Vice- Presidente do Colégio Registral de Minas Gerais e Diretora do Recivil, do CNB/MG e do INDIC – Instituto Nacional de Direito e Cultura.

Últimos posts

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *