Certidões extrajudiciais gratuitas -Breve Análise

 CERTIDÕES EXTRAJUDICIAIS GRATUITAS. BREVE ANÁLISE CRÍTICA

A expedição de certidões gratuitas para a Defensoria Pública Estadual, garantia para a defesa do interesse dos necessitados, representa ônus para notários e registradores. Na medida em que nada é verdadeiramente gratuito, é feita, a seguir, uma análise crítica desta situação. 

Recentemente publicou-se no Diário da Justiça Eletrônico do Estado de São Paulo importante Decisão do Corregedor Geral da Justiça que determinou: “em caráter geral e normativo, a todas as serventias extrajudiciais do Estado de Paulo, que, diante das requisições feitas pela Defensoria do Estado, emitam as respectivas certidões gratuitamente, independentemente do pagamento de emolumentos(DJE 26.02.2015-SE / DICOGE 5.1 – Processo nº2014/107523 – Parecer 27-2015)

Na definição precisa do artigo 2º da Lei Complementar nº 988/06 do Estado de São Paulo Estadual a Defensoria Pública tem por finalidade a tutela jurídica integral e gratuita, individual e coletiva, judicial e extrajudicial, dos necessitados, assim considerados na forma da lei.

Mais ainda, ao fixar as atribuições da Defensoria Pública, no artigo 5º,  inciso VI, consta que à ela, Defensoria Pública Estadual, incumbe a promoção da conciliação e mediação extrajudicial e, conforme consta do artigo 162 (inc. IV e IX), dentre as prerrogativas outorgadas aos membros da Defensoria Pública do Estado  estão previstas a requisição de certidões e a atuação em juízo ou fora dele com isenção de emolumentos, taxas e custas quando no exercício de suas funções.

O parecer do Juiz Auxiliar da Corregedoria, integralmente aprovado pelo Corregedor Geral da Justiça, tem como inteligência fundamental a compatibilização entre o dispositivo acima referido e o cumprimento da Lei de Custas vigente no Estado. Nesta construção intelectual privilegiou-se, em última análise, a busca da justiça social, em detrimento da lógica econômica.

Evidente que ninguém se agrada com a ideia de realizar trabalho sem remuneração. Verdadeiramente nada é gratuito, pois sempre existirá ônus que de alguma maneira deverá ser suportado por quem pratica o ato sem cobrar por ele.

No caso da expedição de certidões gratuitas o titular da delegação deverá extrair dos valores recebidos dos outros usuários, o custo para a expedição das certidões gratuitas. Ressalve-se que tais custos não são desprezíveis, pois envolvem dispêndio de tempo e dedicação de mão de obra qualificada,  uso de sistemas e equipamentos especializados, além de materiais de segurança e ainda, paralelamente a tudo isso, a realização de um rígido controle administrativo do pedido, tramitação, expedição e entrega do documento.

A certidão de um ato notarial ou registral é muito mais do que simples cópia de um instrumento produzido ou registrado no cartório. Por tal motivo, somado ao fato de que ao preço dos emolumentos devidos, somam-se custas, contribuições e outros anexos (ISS municipal, inclusive), as certidões não podem custam barato para o usuário.

Exatamente por ter um custo relativamente alto é que se mostra necessário, em algumas situações, temperar o rigor da lógica econômica que movimenta todas as peças da vida em sociedade. De fato, pode haver justiça e coerência em situações especiais que venham a exigir de notários e registradores a realização de trabalho gratuito, quando sua atuação for necessária à promoção de um valor fundamental.

Entretanto é necessário considerar como absolutamente verdadeiro o que os economistas, muito acertadamente e com fina ironia, afirmam categoricamente: não existe almoço grátis!

É fato que, para alguém poder matar sua fome sem ter produzido seu alimento, outro precisou, com sua força de trabalho, garantir aquela refeição.

O fato econômico acima referido pode ser considerado como uma Lei Natural de obediência necessária. O desprezo a tal preceito, fatal e inexoravelmente, acarreta um desequilíbrio na organização social. O alcance e consequência resultantes do abandono deste princípio dependerão da intensidade com que se pratica tal desobediência.

A gratuidade, que pelo aspecto econômico deve ser considerada como uma aberração, no universo jurídico, entretanto, em muitas situações, mostra-se uma necessidade.

A redução das desigualdades e a promoção da Justiça Social por todos os meios possíveis à organização estatal, inquestionavelmente são defensáveis objetivos e, portanto, na busca por tais realizações, algum sacrifício deve ser realizado.

Neste passo afirma-se como justa a ocorrência de trabalho sem proveito ou remuneração por alguns em benefício de outros, que sem esforço ou mérito qualquer, haverão de usufruir do resultado do trabalho realizado por terceiros. 

Em contexto diferente tal afirmação seria considerada absurda e imoral, entretanto, quando se busca de a promoção de um valor superior (a redução das desigualdades sociais), ela torna-se compreensível.

Embora a ocorrência de trabalho sem remuneração para quem o realiza, em casos especiais, seja compreensível, inegavelmente isso representa um desequilíbrio e uma situação potencialmente perigosa.

As lições da história são muitas neste sentido. Em um passado recente, o Serviço de Registro Civil das Pessoas Naturais foi protagonista de tal situação.

Quando se editou Lei Federal que determinou a gratuidade universal para a prática dos registros de nascimento e óbito, o exercício da delegação tornou-se praticamente inviável, prepostos foram demitidos, titulares afastaram-se de seus cartórios (por aposentadoria precoce ou pura renúncia da delegação), a qualidade da prestação do serviço decaiu drasticamente. Uma situação de crise generalizou-se.

Somente após muito trabalho, esforço, dedicação e criatividade (dos registradores e seus colegas de outras especialidades, bem como das corregedorias estaduais e agentes políticos em geral) superou-se a crise instaurada, resultando na situação atual em que os Cartórios de Registro Civil representam, muito provavelmente, a especialidade mais admirada e respeitada pelo público em geral.

Feitas todas as ressalvas acima, segue, afinal, uma análise crítica da determinação.

A gratuidade de certidões a serem expedidas aos representantes da Defensoria Pública Estadual, na forma decidida pelo Corregedor Geral da Justiça deverá ser obedecida. Não existe escolha possível. Cumpra-se a determinação de quem tem legitimamente o poder para fazer tal de determinação, ou abandone-se a delegação recebida do Estado.

Cumprir e obedecer, entretanto, não significa concordar e defender o acerto da determinação.

O correto, no entender do autor, seria ter buscado junto ao chefe do Poder Executivo Estadual a edição de norma que tornasse viável a aplicação da gratuidade para quem precisa de tal benefício, sem onerar injustamente aqueles que deverão realizar o trabalho sem remuneração (os notários e registradores paulistas).

Esta solução não seria difícil ou complexa.

A Lei Estadual nº 11331/2002, que regula no Estado de São Paulo a cobrança  dos emolumentos e custas pelos notários e registradores, dispõe em seu artigo 19, inciso “I”, alínea “b”, que do preço total do valor pago pelos usuários, o percentual de 17,763160% (dezessete inteiros, setecentos e sessenta e três mil, cento e sessenta centésimos de milésimos percentuais) é receita do Estado em decorrência do processamento da arrecadação e respectiva fiscalização.

Para compensar o cartório que pratica atos gratuitos de interesse da Defensoria Pública Estadual, bastaria determinar em regulamento que o valor integral dos emolumentos devidos pela expedição de certidões gratuitas (ou pelo menos uma fração dele, suficiente para cobrir o custo material e intelectual da realização de tal trabalho) seja compensado com a dedução nos valores que o notário ou registrador arrecada nos demais atos praticados, pagos integralmente pelos interessados, e que obrigatoriamente são repassados ao Tesouro do Estado.

Ressalve-se, que no caso específico do Reg. Civil das Pessoas Naturais a disposição é inexistente. No entanto, o ressarcimento pela gratuidade de certidões expedidas está devidamente regulamentado e ele já acontece regularmente através do Ressarcimento através do Fundo de Ressarcimento instituído por Lei Estadual.

Conclui-se, portanto, conforme indicado acima, que soluções existem para garantir os direitos dos necessitados sem penalizar demasiadamente os notários e registradores paulistas e ainda, mais importante, sem ignorar um princípio fundamental da realidade econômica: nada é verdadeiramente gratuito.

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  1. Tarcisio Alves Ponceano Nunes disse:

    Estranho Marco Antonio: Há dias você publicou um texto dizendo que os Registradores de Imóveis devem parar de pensar somente nos emolumentos para aceitar o registro de partilhas conjuntas; agora fala que eles devem ser ressarcidos pelas certidões gratuitas… contraditório não? Ou somente os notários devem ser ressarcidos, e os registradores não? Definitivamente, não consigo entender a sua lógica.

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