Da sucessão de empregadores nas serventias.

 Da sucessão de empregadores nas serventias extrajudiciais: a responsabilidade trabalhista dos notários e registradores

 

Por Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro *

 

1. Considerações introdutórias: o regime jurídico dos notários, registradores e seus prepostos

Com o advento da Constituição da República, em 05 de outubro de 1988, as funções notariais e de registro foram guindadas, nos termos do art. 236, à condição de serviços públicos a serem prestados em caráter privado, por delegação direta do Poder Público, mediante seleção por concurso público de provas e títulos. Sob enfoque propedêutico, convém esclarecer que uma coisa é a natureza do serviço (que é pública); outra, é o caráter de seu exercício (que é privado). Enfim, a Bíblia Política reconheceu que os serviços de notas e de registro são substancialmente públicos, já que os submeteu ao regime de delegação pública, mas, frise-se, o seu exercício passou a ser desempenhado sob a forma privada, ou seja, os titulares das serventias são agentes públicos, na condição de particulares em colaboração com o Poder Público.

Sendo a atuação de notários e registradores desempenhada em caráter privado, garantida independência funcional, tem-se, pois, que a administração e o gerenciamento das serventias extrajudiciais competem exclusivamente a esses, conforme, a propósito, estatuem os arts. 21 e 28 da Lei nº 8.935/1994. Cabe dizer, é direito exclusivo do titular da delegação reger e gerenciar o seu pessoal.

Considerando a relevância dos serviços públicos prestados, este gerenciamento da unidade de serviço é essencial para que o mister seja desempenhado com a qualidade e eficiência exigidas. Ora, o exercício da atividade nas notarias e nos registros públicos é de tal complexidade que a prestação desse serviço público somente se viabiliza com a contratação de prepostos pelos notários e registradores. Como gestores da serventia, os titulares possuem inúmeras obrigações e deveres que os impedem de atender pessoalmente todos os usuários que eventualmente compareçam em sua unidade. Daí a necessidade de seleção de prepostos, que atuam como longa manus do notário ou registrador, e sob sua responsabilidade.  

Há de considerar que a contratação de prepostos pelo titular da delegação – nos moldes em que autorizada pelo art. 20 da Lei nº 8.935/1994 –, não implica em subdelegação. É dizer, a delegação jamais pode ser subdelegada. O que se permite aos notários e registradores é a transferência aos seus prepostos, sob sua supervisão e responsabilidade diretas, de um atributo da delegação, a fé pública. A delegação, em si, é personalíssima e intransferível (nem inter vivos, nem causa mortis), extinguindo-se exclusivamente nas hipóteses previstas no art. 39 da Lei nº 8.935/1994.

Com efeito, os prepostos podem ser auxiliares ou escreventes e, devido ao exercício da delegação dar-se, por exigência constitucional, em caráter privado, estes devem ser contratados de acordo com a legislação do trabalho, jungidos às regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). 1

Convém alertar ainda que, muito embora a Lei nº 8.935/1994, que submeteu o pessoal das serventias extrajudiciais às regras da legislação do trabalho, tenha regulado essa situação algum tempo após a vigência da Constituição Federal de 1988, parece fundamental concluir que, dada à sua eficácia plena e aplicação imediata, o caput do art. 236 da Lei Fundamental impõe a incidência do regramento celetista para os prepostos das serventias extrajudiciais desde a entrada em vigor da Magna Carta, em 05 de outubro de 1988, e não apenas com a égide da Lei nº 8.935/1994 (Lei dos Notários e Registradores). Afinal, a norma insculpida no indigitado dispositivo constitucional recebeu do constituinte originário normatividade suficiente à sua incidência imediata e independe de providência normativa ulterior para a sua aplicação.

Exatamente nesse sentido, está solidificado o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho: “A jurisprudência majoritária desta Corte superior é de que os empregados de cartório estão sujeitos ao regime jurídico da CLT, ainda que contratados em período anterior à vigência da Lei nº 8.935/94. A partir da vigência da Constituição Federal de 1988, ficou implicitamente determinado, em seu artigo 236, que os trabalhadores contratados pelos cartórios extrajudiciais, para fins de prestação de serviços, encontram-se sujeitos ao regime jurídico da CLT, pois mantêm vínculo profissional diretamente com o tabelião, e não com o Estado. Esse preceito constitucional, por ser de eficácia plena e, portanto, autoaplicável, dispensa regulamentação por lei ordinária. 2

Enfim, a contratação funcional nos serviços extrajudiciais, a partir de 05 de outubro de 1988, passou a se submeter à forma privada, exigindo a celebração de contrato precário nos termos da legislação social. A CLT, recepcionada pela nova ordem constitucional, passou a reger e vincular todas as novas contratações das serventias extrajudiciais. Como já mencionado alhures, o ajuste de pessoal representa importante ferramenta do gerenciamento administrativo das notarias e dos registros públicos, encontrando-se os prepostos ao nuto do titular da delegação, obedecidos todos os direitos e deveres subjacentes à relação jurídica empregador-empregado.

 

2. A quem compete decidir sobre as questões trabalhistas das serventias extrajudiciais?

Os efeitos jurídicos decorrentes do enquadramento à legislação trabalhista da relação titular-prepostos são inúmeros na órbita do direito material, e, na mesma toada, em termos processuais, eventuais litígios envolvendo os direitos e deveres dos titulares da delegação e de seus prepostos, no que toca esta relação jurídica em que se encontram incutidos, são de competência ratione materiae da Justiça do Trabalho, nos termos da Constituição Federal (art. 114, I).

Nessa ordem de ideias, dada a natureza da relação jurídica empregador-empregado, o poder fiscalizatório e correcional a cargo do Poder Judiciário Estadual é limitado nesta seara, não sendo lícito às Corregedorias da Justiça se imiscuir ou decidir sobre as questões trabalhistas envolvendo os delegatários e seus prepostos. A área de fiscalização e correição concentra-se no serviço notarial e de registro em si mesmo considerado, ou seja, em sua estruturação e na forma em que são prestados.

Sobre o tema ora enfocado, a função correcional deve pautar-se na análise e controle da qualidade e eficiência do serviço prestado, podendo referir-se, por exemplo, à exigência de que o titular da delegação contrate quantidade suficiente de prepostos para que o serviço possa ser prestado aos usuários da melhor forma possível. Nesse aspecto, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, no Capítulo XIII, em seu item 20.1., preveem que, observadas as peculiaridades locais, ao Juiz Corregedor Permanente caberá a verificação dos padrões necessários ao atendimento da adequada e eficiente prestação do serviço público notarial ou de registro, dentre esses, a quantidade mínima de prepostos na unidade de serviço.

Diga-se, ainda, que no que se refere à atuação de interinos – especialmente nomeados para responder, precariamente, pelo expediente durante a vacância de determinada unidade de serviço –, há inabalável poder-dever do Judiciário Estadual de investigar se estão sendo cumpridos os direitos e as obrigações trabalhistas na forma da legislação em vigor, sob pena de quebra da relação de confiança existente entre o Poder Público e aquele que foi designado. Imbuída desse espírito a Normativa Paulista, ao tratar das regras do pessoal das serventias extrajudiciais, estabelece em seu item 13, do Capítulo XXI: “Aos responsáveis pelo serviço vago é defeso contratar novos prepostos, aumentar salários, contratar novas locações de bens móveis ou imóveis, de equipamentos, ou de serviços que possam onerar a renda da unidade de modo continuado sem a prévia autorização do Corregedor Permanente. Os investimentos que possam comprometer a renda da unidade no futuro deverão ser objeto de projeto a ser aprovado pelo Corregedor Permanente. As decisões relativas a este item serão imediatamente encaminhadas à Corregedoria Geral da Justiça. As contratações meramente repositórias, que não impliquem oneração da Unidade, e os reajustes salariais dos prepostos, realizados em virtude de Convenções Coletivas das Categorias, não se sujeitam à prévia aprovação do MM. Corregedor Permanente que, no entanto, deverá ser informado pelo interino”.

A propósito do tema, recentemente, houve pronunciamento da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo – ao ser averiguada conduta de interina relativa às questões trabalhistas de prepostos da serventia pela qual respondia precariamente –, conforme se observa do parecer da lavra do juiz assessor Gabriel Pires de Campos Sormani, in verbis: “(…) Eventual entendimento diverso da Interina, quiçá pautado em decisões de outros tribunais, deveria no mínimo ter sido levado antes ao conhecimento do Juiz Corregedor Permanente, consultando sobre a possibilidade. Nessa linha, analogicamente, as Normas de Pessoal do Extrajudicial da Corregedoria Geral da Justiça, estabelecem, em suma, que a contratação que implique elevação da folha de pagamentos salariais ou a elevação de salários dos prepostos, deve ser solicitada ao Juiz Corregedor Permanente. No mesmo sentido, o § 4º do art. 3º da Resolução n.º 80 do CNJ. Não se vislumbra dolo da Oficiala Interina. E é certo que os valores não ficaram para ela. Não se questiona, também, que obrigações trabalhistas configurem despesas e que, uma vez lançadas como tal na contabilidade, deixam, formalmente, de configurar excedente de receita. Entretanto, no caso dos autos, se está a tratar de despesas que não precisariam ter sido feitas, de obrigações trabalhistas que não precisariam ter sido geradas. Valores que, independentemente da rubrica contábil nas quais foram lançados, não precisariam ter sido despendidos. Assim, ainda que não seja o caso de se determinar que a Oficiala Interina devolva os valores (pela falta de dolo, porque ela não ficou com eles e porque, afinal, foram lançados contabilmente como despesas), entendo que é o caso de se apurar a questão da quebra da confiança”. 3

A toda evidência, o poder censório-disciplinar das Corregedorias da Justiça remanesce quanto à fiscalização do cumprimento de direitos e deveres por parte dos delegados titulares das notarias e dos registros públicos, no campo da responsabilidade administrativa. Mas, note-se que tal esfera não se confunde com a responsabilidade trabalhista dos responsáveis pelas serventias extrajudiciais.

 

3. A ausência de personalidade jurídica dos cartórios como vetor de interpretação da responsabilidade trabalhista de notários e registradores

Tema intrincado e que tem encontrado terreno fértil para grandes debates acerca dos serviços notariais e de registro cuida-se da responsabilidade nos notários e registradores perante os prepostos no tempo.

É de clareza solar que, diante da continuidade dos serviços públicos, de tempos em tempos, ocorre alternância de notários e registradores à frente das serventias extrajudiciais. Assim, sempre que ocorrer a vacância da titularidade da delegação, após oferecimento em concurso público de investidura originária, assumirá o serviço o candidato concursado, encontrando no cartório empregados em pleno exercício de suas funções, protraindo-se a relação jurídica no tempo. Ocorre que o substituído, não raro, deixa para trás dívidas de natureza salarial de sua responsabilidade. Ou ainda, mesmo que tenha cumprido suas obrigações trabalhistas na condição de empregador, ao desincumbir-se da delegação que lhe foi atribuída, deixa de regularizar a situação jurídico-contratual daqueles que foram seus prepostos durante o exercício daquela delegação que cessou.

Instaurada a problemática é fundamental estabelecer um “fio de prumo” para remediar a sucessão trabalhista nas serventias extrajudiciais.

Em breve notícia histórica, sabe-se que, no passado, em terrae brasilis, como relata Paulo Roberto de Carvalho Rêgo em trabalho específico sobre o tema: “as serventias eram consideradas bens, equiparadas aos imóveis, inclusive passíveis de herança, e adquiridos por doação ou compra, inclusive em praça – figura jurídica que designa o leilão de bens imóveis –, razão pela qual a serventia respondia pelos danos e obrigações gerados pelos titulares”. 4 Posteriormente, elas deixaram de compor o patrimônio dos notários e registradores, os quais passaram a exercer cargos públicos, na qualidade de empregados do Estado, a título vitalício. Com isso, a serventia passou a designar, apenas, o local físico, a repartição pública, onde exerciam, esses profissionais, suas funções. Deixaram, assim, de ser bem, perdendo seu conteúdo econômico e ficando extra commercium. Finalmente, sob a égide da Constituição Federal de 1988, os serviços notariais e de registro passaram a ser delegados por meio de concurso público a pessoas físicas, e, exercidos em caráter privado por essas. Guardadas as devidas diferenças de regime jurídico, hoje a titularidade da delegação de um tabelionato ou ofício de registro é outorgada exatamente como, por exemplo, a titularidade de um Juízo de Direito, uma Vara, que não pertence ao seu momentâneo titular, mas, sim, ao Estado.5

Por isso, a serventia extrajudicial (o “cartório”) e a função exercida pelo titular da delegação, não são uma entidade. Não detém personalidade jurídica própria, autônoma. O que existe para o direito é o notário e o registrador, pessoa física que presta serviço público a ele delegado. As unidades de serviço extrajudicial, portanto, são meras divisões administrativas nas quais os notários e registradores exercem o seu mister, em razão da delegação estatal.

Do mesmo modo, as serventias extrajudiciais não se enquadram como pessoas jurídicas de direito público interno, nem tampouco são pessoas jurídicas de direito privado (arts. 13 a 17 do Código Civil). Ademais, não há qualquer anteparo jurídico que permita, assim como ocorre com outras entidades não personificadas – como o condomínio, espólio, etc. – atuação excepcional e pontualmente deferida pela lei. Nessa linha de pensamento, a jurisprudência é pacífica: “O cartório e a função titulada não são pessoas físicas ou jurídicas; não são entes jurídicos no ordenamento brasileiro, não podendo e nem devendo figurar no polo ativo ou passivo processual.  Em realidade não têm personalidade jurídica e nem são entes patrimoniais capazes de contrair direitos e obrigações”. 6

Da falta de personalidade jurídica das serventias extrajudiciais decorre importante conclusão: os cartórios não podem interagir em direitos e obrigações e, automaticamente, não podem ser demandados em juízo, por evidente ilegitimidade de parte, estando esta circunscrita à pessoa física do oficial ou tabelião que era responsável pela unidade à época do ato ou fato em enfoque.

 

4. Como devem ser contratados os prepostos: em nome da serventia ou do titular da delegação? 

Estabelecidas as vigas-mestras, em passo seguinte, adentrando-se na esfera da responsabilidade trabalhista dos notários e registradores, tem-se presente que, a partir da ausência de personalidade jurídica das serventias extrajudiciais – reprise-se, inviabilizando que estas unidades de serviço, de per si, interajam em direitos e obrigações de quaisquer natureza – , os prepostos eventualmente contratados para prestar serviços para o notário ou registrador não podem ser contratados em nome do cartório. O empregador – aquele contrata –, é a pessoa física que recebeu a delegação do Estado para prestar o serviço público notarial e de registro, e que concentra em sua pessoa física todos os riscos e responsabilidades inerentes ao exercício de sua atividade em caráter privado.   

Por tudo isso, em termos trabalhistas, a conduta correta e esperada é que cada responsável por uma unidade de serviço extrajudicial contrate os prepostos em seu próprio nome. No mesmo estilo, quando não mais desejar o notário ou registrador contar com os préstimos laborais daquele determinado escrevente ou auxiliar, deverá, observados os direitos e deveres da legislação trabalhista, providenciar a rescisão do contrato de trabalho existente. E não apenas nesse caso. Sempre que por qualquer motivo previsto em lei concretizar-se a extinção da delegação (art. 39 da Lei nº 8.935/1994) há de ser formalizada pelo respectivo delegatário a rescisão contratual nos termos da legislação obreira.  

Eis o ponto nodal.

Nas contratações de prepostos pelo regime celetista, cabe ao titular da delegação indicar o seu número do Cadastro Específico do INSS (chamado de “matrícula CEI”). Isto porque, a Instrução Normativa RFB nº 971, de 13 de novembro de 2009, prevê, no art. 17, inciso II, alínea “b”, a matrícula do titular de cartório, perante a Previdência Social, pelo número do Cadastro Específico do INSS (CEI). A matrícula deve ser feita em até 30 (trinta) dias do início da atividade, conforme orientações disponíveis pela própria Receita Federal do Brasil.  

Muito embora as serventias extrajudiciais tenham, compulsoriamente, que estarem inscritas no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) – conforme previsão do art. 5º, inciso IX, da Instrução Normativa RFB nº 1.183, de 19 de agosto de 2011 –, a inscrição dos serviços notariais e de registro no CNPJ não os personifica, vale dizer, este cadastramento administrativo não torna os serviços notariais e de registro pessoas jurídicas, pois, como visto, lhes falta personalidade jurídica, funcionando a inscrição no CNPJ apenas para fins de controle e fiscalização administrativo-tributário por parte da Receita Federal do Brasil. Por oportuno, transcreve-se julgado que arremata o tema: “A responsabilidade pelos débitos decorrentes dos atos praticados pelo Tabelionato é do tabelião, devendo ser contra este ajuizada a respectiva ação de cobrança. O fato de se exigir dos Cartórios a inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ – não tem o condão de equipará-los a pessoas jurídicas, visto que a finalidade do cadastro é facilitar o controle e a fiscalização da arrecadação dos tributos devidos, tais como encargos trabalhistas e previdenciários. 7  

A despeito disso, ainda é muito comum que os prepostos estejam contratados em nome da serventia, ou seja, figurando o cartório como empregador. Justamente esta situação jurídica, inquinada com vício de origem, é que tem gerado muitas discussões e ações na Justiça do Trabalho, mormente no que toca à ocorrência ou não de sucessão trabalhista. Em breve síntese, a celeuma consiste em saber se o novo titular (ou o responsável interinamente pela serventia extrajudicial) pode ser responsabilizado pelo passivo trabalhista gerado pelo seu antecessor.

  

5. A sucessão de empregadores nas serventias extrajudiciais na jurisprudência trabalhista

De pronto, deve-se considerar que a relação jurídica existente entre empregador-empregado, in casu estabelecida entre o titular ou interino responsável por determinada unidade de serviço extrajudicial e os prepostos por eles contratados (empregados), é fundada na pessoalidade dos contratantes. Exatamente por isso, o fenômeno da sucessão de empregadores deve ser compreendido como instituto excepcional de manutenção do vínculo laboral. 

Apesar de os serviços notariais e de registro, à luz da nova ordem constitucional, estarem moldados em um regime jurídico sui generis – consubstanciado em serviço essencialmente público, delegado a particulares mediante aprovação em concurso público, para exercício em caráter privado –, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tem lhes equiparado, para efeitos trabalhistas, ao que ocorre com a sucessão de empresas, mesmo considerando sua diferente natureza. Veja-se, por oportuno, precedente que trata do tema: “A sucessão de empregadores, figura regulada pelos arts. 10 e 448 da CLT, consiste no instituto em que há transferência interempresarial de créditos e assunção de dívidas trabalhistas entre alienante e adquirente envolvidos, sendo indiferente à ordem justrabalhista a modalidade de título jurídico utilizada para o trespasse efetuado. No caso de cartório extrajudicial, não possuindo este personalidade jurídica própria, seu titular equipara-se ao empregador comum, sobretudo porque aufere renda proveniente da exploração das atividades do cartório. O fato de a delegação para o exercício da atividade notarial e de registro estar submetida à habilitação em concurso público não desnatura essa condição, uma vez que se trata de imposição legal apenas para o provimento do cargo de Escrivão, não tendo relação com os vínculos de emprego existentes na Serventia (art. 21, Lei nº 8.935, de 1994). Sob esse enfoque, nada obsta a que o novo titular do Cartório extrajudicial, ingressado via concurso público, ao assumir o acervo do anterior ou mantendo parte das relações jurídicas por ele contratadas, submeta-se às regras atinentes à sucessão trabalhista prescritas nos artigos 10 e 448 da CLT”. 8

Entrementes, para que ocorra efetivamente a sucessão trabalhista é fundamental a verificação de dois pressupostos: a) transferência de unidade econômico-jurídica; b) continuidade na prestação laborativa.

Nesse quadro, o intérprete maior da CLT tem se inclinado em decidir pela ocorrência da sucessão de empregadores, apenas e tão somente, quando há efetiva continuidade da relação de emprego, imputando-se ao novo titular os débitos trabalhistas por ventura deixados por quem lhe antecedeu. In verbis: “A sucessão trabalhista ocorre quando há alteração na estrutura empresarial e modificação dos empregadores, porém com a continuidade da prestação dos serviços, passando o sucessor a responder integralmente pelos débitos trabalhistas havidos antes ou após a sucessão, evitando-se desta forma prejuízos aos contratos de trabalho existentes. No caso dos cartórios extrajudiciais, o mesmo entendimento deve ser aplicado na hipótese em que o contrato não tenha sofrido solução de continuidade com a sucessão na titularidade da serventia, como ocorreu no presente caso. Ademais, os titulares de cartórios extrajudiciais são equiparados aos empregadores comuns, tendo em vista a ausência de personalidade jurídica própria dos estabelecimentos, e em face daquele ser responsável pela direção da prestação dos serviços. Assim, alterado o titular da serventia, e não havendo solução de continuidade no contrato de trabalho, ocorre a sucessão trabalhista nos mesmos moldes em que operados em qualquer relação de emprego”. 9

Como se infere do julgado acima apartado, tem-se que a sucessão de empregadores pela mudança de titularidade nas serventias extrajudiciais, por se tratar de transferência de unicidade econômico-jurídica, resguarda os direitos adquiridos pelos antigos empregados, respondendo o delegatário sucessor pelos direitos trabalhistas oriundos das relações laborais vigentes à época do repasse, apenas e tão somente, quando houver a continuidade da prestação de serviços.

Percebe-se, pois, que a sucessão de empregadores nos serviços notariais e de registro tem sido tema recorrente na Justiça do Trabalho, mas deve ser analisado com cautela.

 

6. A responsabilidade pessoal dos notários e registradores

Embora haja vetusta tendência jurisprudencial do Tribunal Superior Trabalho em reconhecer a sucessão de empregadores nas serventias extrajudiciais, devem ser feitas algumas ressalvas fundamentais.

Ainda que para fins trabalhistas, no louvável intuito de buscar a manutenção da relação jurídico-empregatícia, não é correto equiparar os serviços notariais e de registro à atividade empresarial comum. Há de considerar que os serviços extra-forenses são peculiares, possuem conformação jurídica específica, não devendo ser interpretados como atividades comerciais comuns.

De mais a mais, a delegação feita pelo Poder Público confere ao titular exclusivamente o acervo correspondente à respectiva serventia, não havendo trespasse de quaisquer vínculos, direitos ou obrigações eventualmente existentes com aqueles que anteriormente estiveram à frente daquela unidade de serviço. Do contrário, estar-se-ia inviabilizado o ingresso na atividade por novos delegatários, subtraindo desses o direito de livremente dirigir o gerenciamento administrativo e financeiro da serventia extrajudicial que lhe foi outorgada.

É evidente, portanto, que o novo titular da delegação tem poder de gestão sobre o pessoal da serventia podendo ou não continuar com os préstimos dos prepostos que estavam sob a batuta do titular anterior. Assim, será possível atribuir a cada titular (ou responsável interinamente pela delegação), respectivamente, a responsabilidade que é de cada um de direito, vinculada estritamente ao período que, cada qual, esteve na direção daquela determinada unidade de serviço extrajudicial.

Consagrando a responsabilidade pessoal e individualizada, na seara trabalhista, dos notários e oficiais de registro, sejam titulares ou interinos nomeados de forma precária pelo Estado, a Lei nº 13.137, de 22 de junho de 2015, alterou a redação do art. 22 da Lei nº 8.935/1994. Confira-se a novel redação do dispositivo: “Os notários e oficiais de registro, temporários ou permanentes, responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, inclusive pelos relacionados a direitos e encargos trabalhistas, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos”.

Em realidade, a sobredita atualização legislativa cuidou de positivar o melhor raciocínio sobre o tema, inclusive, conforme já manifestado pelo próprio Tribunal Superior do Trabalho em algumas oportunidades. Coloca-se em evidência julgado que bem representa o raciocínio delineado: “Sendo certo que a relação de emprego nos serviços notariais se dá com o titular da serventia, em caso de sucessão na titularidade do cartório somente se reconhece a sucessão trabalhista na hipótese da continuidade da prestação de serviços em favor do novo titular. Com efeito, não caracteriza sucessão trabalhista quando o empregado do titular anterior não prestou serviços ao novo titular do cartório. Recurso de Embargos de que se conhece e a que se dá provimento”. 10

Enfim, sobretudo diante da natureza jurídica dos serviços notariais e de registro, parece correto o entendimento de que, na ordem justrabalhista, cumpre a cada titular de cartório responsabilizar-se pelas obrigações das respectivas contratações. Haverá, pois, inevitável sucessão de empregadores nas serventias extrajudiciais, se – e somente se – o titular sucessor aproveitar os empregados (prepostos) do titular sucedido, assumindo o ônus desse trespasse, de forma que a sucessão trabalhista estará concretizada não só pela transferência da unidade-econômica de um titular para outro, mas, principalmente, pelo fato de a prestação do serviço pelo empregado do primeiro prosseguir com o segundo, sem quebra de continuidade.

 

6. Conclusão

Caminhando-se para a conclusão dessas breves reflexões, percebe-se que todas as relações jurídicas no exercício da delegação – qualquer que seja sua natureza – devem ser instauradas e concentradas na pessoa do titular, o notário ou registrador. Seguindo-se este entendimento há como mensurar, com justiça, o que toca a cada um, ou seja, o notário ou registrador responsabiliza-se pelos atos e fatos ocorridos no período em que esteve como titular da delegação ou, no caso dos interinos, pelo período que ficou responsável pelo expediente.

Note-se, pois, que sempre haverá uma pessoa física na direção da unidade de serviço extrajudicial e sobre ela é que deve recair todas as relações jurídicas decorrentes do serviço que é prestado naquela serventia. Até mesmo nos casos de vacância da unidade, em razão de extinção da delegação, nos casos previstos no art. 39 da Lei nº 8.935/1994, até que outra pessoa física assuma a unidade, por aprovação em concurso público, o Estado, na condição de titular daquele serviço e fincado em relação de confiança, nomeia, conforme disciplina própria, pessoa física para responder pelo expediente, de modo provisório, interinamente. Esses interinos, ainda que nomeados de forma precária, são juridicamente equiparados aos titulares da delegação, devendo obedecer a normatização e fiscalização do Poder Judiciário, mas concentrando o gerenciamento da serventia em suas pessoas físicas, inclusive no que concerne a contratação de prepostos em nome próprio. 

Sob o viés trabalhista, especificamente, a responsabilidade está amalgamada na despersonalização da serventia extrajudicial, que é, inexoravelmente, desprovida personalidade jurídica própria. Por isso, o vínculo dos prepostos é estabelecido pessoal e diretamente para com o titular da delegação, conforme exige o plexo normativo que regulamenta a atividade notarial e registral. Assim, em caso de sucessão na titularidade da delegação (alteração subjetiva da relação jurídico-trabalhista), somente se reconhece a sucessão de empregadores na excepcional hipótese em que o novo titular, assumindo os ônus, dê continuidade ao contrato de trabalho dos prepostos que prestavam serviços ao seu antecessor. Conclui-se, destarte, que a regra de ouro determina que cumpre a cada titular da delegação responsabilizar-se pelas obrigações decorrentes das respectivas contratações. A César o que é de César!

 

 

Referências

1. Fica ressalvado os chamados estatutários e também aqueles submetidos a regime especial. Vale dizer, o regime jurídico dos serventuários incumbidos dos serviços notariais e de registro vigorante anteriormente à Constituição Cidadã (ou seja, válido até 04 de outubro de 1988), observadas as regulamentações de transição, para aqueles que ainda se submetem a estas regras, é formado por vasto plexo normativo regulamentado com detalhamento peculiar em cada Estado, e deve ser analisado com acuidade de forma destacada, casuística, impossibilitando tratamento geral e uniforme, tampouco qualquer análise exaustiva.

2. TST – RR 10800-53.2006.5.12.0023, 2ª T., Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, julgado em 02.02.2011.

3. CGJSP – Processo CG 39110/2014, Rel. Gabriel Pires de Campos Sormani, julgado em 21/05/2015.

4. RÊGO, Paulo Roberto de Carvalho. Registros públicos e notas: natureza jurídica do vínculo laboral de prepostos e responsabilidade de notários e registradores. Porto Alegre: IRIB: S. A. Fabris, 2004. p. 101.    

5. As diferenças fundamentais estão na forma de exercício, que para os serviços notariais e de registro é privado e para a magistratura é público; a remuneração dos primeiros dá-se por emolumentos recebidos dos particulares usuários dos serviços, e os juízes são pagos pelo Estado.

6. TJSP – Apelação Cível 0078975500, 7ª Câmara Cível, Ac. 3954, DOJSP 25.08.1995.

7. TRF4 – Apelação Cível 25.151, Processo 2005.04.01.025151-9, Rel. Des. Vilson Darós, D.E. 19.01.2007.

8. TST – RR 1604600-36.2005.5.09.0005, 3ª T., Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, DEJT 14.12.2012

9. TST – RR 55500-39.2005.5.02.0020, 2ª T., Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, julgado em 20.03.2013.

10. TST – E-RR 76200-16.2004.5.01.0047, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, julgado em 09.08.2012. No mesmo sentido, afastando a sucessão de empregadores nas serventias extrajudiciais: TST – RR 1604600-36.2005.5.09.0005, 3ª T., Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, DEJT 14.12.2012; TST – RR 102200-64.2005.5.02.0411, 8ª T., Rel. Min. Márcio Eurico Vitral Amaro, DEJT 19.04.2011; TST – RR 89400-32.2007.5.09.0025, 2ª T., Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 24.02.2012

 

 * Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro é Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Município de Platina, São Paulo. Colunista do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal. Contato: moacyrpetrocelli@hotmail.com

 

      

 

 

 

 

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  1. Tarcisio Alves Ponceano Nunes disse:

    Bom dia, Moacyr!

    Belo texto! O problema, na verdade, chama-se “Justiça do Trabalho”. Nos anos em que estive em São Vicente-SP, fui condenado em reclamações trabalhistas de funcionários que eu nem conhecia! Bizarro, mas verdadeiro… Então, como eu disse a uma amigo advogado: enquanto esta doutrina não virar jurisprudência, nós, notários e registradores, só nos ferramos na JT!

    Abraços!

    BEL. TARCISIO ALVES PONCEANO NUNES
    2.º TABELIÃO DE NOTAS E DE PROTESTO DE LETRAS E TÍTULOS DA COMARCA DE MATÃO, DO ESTADO DE SÃO PAULO
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  2. MOACYR PETROCELLI DE AVILA RIBEIRO disse:

    Bom dia, Tarcisio!
    Agradeço a manifestação do colega. Infelizmente a Justiça do Trabalho, em muitas oportunidades, tem se divorciado do direito no intuito garantista que lhe é inerente. Algumas decisões, como as que mencionou, beiram o absurdo! Não duvido que, no nosso caso, a reminiscência do estereótipo “dono de Cartório é rico!” potencialize a insensatez pretoriana na JT. Lutemos!

    Abraços.

    Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro

  3. JOSE ANTONIO ORTEGA RUIZ disse:

    COM CERTEZA, TEXTO BRILHANTE, E AINDA CONFIRMO QUE ESSE ESTEREÓTIPO “DONO DE CARTÓRIO É RICO”, não fica adstrito somente as grandes serventias, nós pequenos Notários e Oficiais de Registros, do interior, onde temos que aglomerar “ambas as funções” em razão da pouca remuneração, SOMOS TAMBÉM “TAXADOS” de ricos. Haja influências e desconhecimento não? PARABENS, do amigo José Antonio – Titular do Serviço Distrital do INterior do Noroeste do Paraná – AMAPORÃ-PR.

  4. ESTER MACHADO CARVALHO disse:

    gostaria se estas mesmas responsabilidades se aplicam quando ocorre a interinade em serventia por morte do Tabelião antigo.

  5. Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro disse:

    Olá, Ester!

    Como exposto no artigo, penso que a responsabilidade trabalhista, com as delimitações apontadas, devem ser aplicadas tanto para titulares, como para interinos.

    A ideia fundamental, e mais justa ao meu ver, é que cada responsável pela delegação (seja titular ou interino) responda pelos encargos trabalhistas correspondentes ao período pelo qual esteve na direção da serventia. Por isso, creio que providência fundamental, no que se refere à responsabilidade trabalhista, é a contratação de colaboradores (contrato de trabalho) em nome da pessoa física que é responsável pelo expediente e não em “nome do cartório”, como muitas vezes ocorre.

    Lembro, por fim, que as responsabilidades tanto do titular quanto do interino – na mesma moeda – foram reforçadas pela Lei nº 13.137, de 22 de junho de 2015, que alterou a redação do art. 22 da Lei nº 8.935/1994, para constar que “Os notários e oficiais de registro, TEMPORÁRIOS ou permanentes, responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, inclusive pelos relacionados a direitos e encargos trabalhistas, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos”.

    Veja que a lei ao dizer “notários ou oficiais de registro temporários” quis referir-se aos interinos. Portanto, todas as responsabilidades dos titulares aplicam-se integralmente aos interinos.

    Obrigado por sua participação.

    Att.

    Moacyr

  6. ESTER MACHADO CARVALHO disse:

    Moacyr, e qd. a serventia é vaga por morte, quem responde pelos direitos trabalhistas anteriores? O espólio? A partir de qd. é a responsabilidade do interino. da nomeação pela portaria?

  7. Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro disse:

    Ester,

    A ideia que deve sempre ser seguida, ao meu sentir, é a responsabilidade pessoal daquele que esteve à frente da serventia.

    Assim, seja qual for a forma de extinção da delegação, será responsável aquele que assumiu as obrigações enquanto esteve respondendo pelo serviço.

    Por isso, mesmo no caso de morte, a responsabilidade será do titular falecido, sendo ônus dos credores a cobrança em sede de inventário, como acontece com qualquer dívida pessoal do indivíduo que faleceu.

    Já quanto a responsabilidade do interino, parece-me correto o entendimento de que seus direitos e obrigações iniciam-se desde logo quando assumir formalmente a direção da serventia vaga. Ainda que a portaria de nomeação saia posteriormente (normalmente em alguns dias), o que vale é a data efetiva em que assumiu o comando da delegação. Lembrando que algumas nomeações, normalmente, operam-se com data retroativa, ou seja, na portaria, o próprio Tribunal refere-se expressamente à data de início da interinidade (“a partir de tal data fica responsável o Sr. Fulano”). Este seria o termo inicial da responsabilidade dos interinos.

    É como penso.

    Att.
    Moacyr

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