GRAVIDEZ – ESCRITURA DE SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO
Fui procurado por um casal buscando separação por meio administrativo. Até aí nenhuma novidade, porque desde o advento da Lei 11.441/07 os tabeliães são consultados a todo instante quanto aos procedimentos de separação e divórcio por meio de escritura pública.
Aos poucos a novidade passa, a lei se incorpora aos costumes e as pessoas acabam sabendo quase que de cor e salteado os requisitos para a separação e o divórcio através de ato notarial, como consenso e ausência de filhos menores ou incapazes.
Certo é também que a lei trata dos filhos comuns, ou seja, do casal, e não dos filhos que eventualmente possam eles ter de outras relações, de modo que a existência de filhos menores ou incapazes, mas que não sejam fruto do casamento, não impede separação ou divórcio por escritura pública.
Mas, e quanto aos filhos não nascidos, porém já concebidos ao tempo da separação ou do divórcio?
A lei civil presume ser do casal os filhos concebidos na constância do casamento (art. 1.597), mas enquanto presunção pode ela ser ilidida.
Sabe-se também que a lei protege o direito do nascituro desde o momento da concepção, nos termos do art. 2º do Código Civil brasileiro, inclusive quanto ao direito de herança.
Assim, de regra, o melhor entendimento é o que prega pela negativa da escritura pública em caso de gravidez, orientando-se o casal a buscar separação ou divórcio em juízo.
Mas, toda regra tem exceção.
Por exemplo, na hipótese do casal referido, Nesinho e Neneca. Para quem não lembra ou não leu neste espaço sobre os problemas conjugais do jardineiro (vide “A partilha de bens na separação e no divórcio”), a Neneca andava traindo o pobre há muito tempo, e segundo ele até com certa razão, porque já não dormia com ela por mais de ano. A gravidez descoberta serviu como gota d”água para a separação legal.
Quando eu disse que não poderia praticar o ato, Nesinho se retesou todo, coçou os dois cocurutos na testa e de dedo em riste vociferou, com outras palavras, mais ou menos o seguinte: Por quê, se a gravidez resultou de relacionamento fora do matrimônio? Em caso tal, a vedação do ato administrativo de separação ou divórcio não tem razão de ser, uma vez que a lei visa proteger a prole resultante das relações do casamento. Aliás, o nascituro estará mais protegido se afastado daquele que não é o pai. E arrematou: “Ora, ora, seu dotô”!
Matutei que o Nesinho, mesmo analfabeto, poderia ter razão. E cada caso é um caso.
Além do que a Neneca foi enfática quando disse que “esse daí só serve pra roncar, na cama. É claro que não é o pai”.
Pois vou dizer: lavrei a escritura!
Depois fiz a leitura do ato para os dois e para o Dr. Ilceo, que assinou a rogo do Nesinho, além do advogado que os acompanhou, esclarecendo no texto que a mulher declarou de livre e espontânea vontade encontrar-se grávida de outra relação, bem como que o varão reconhecia não ser o pai da criança, por não ter havido coabitação do casal por período maior que um ano.
A partilha da casinha de meia água ficou para ser feita no divórcio. Por enquanto, como não têm outro leito, vão dividir o uso da meia aguinha, mas cada um num canto.
E com a condição que Nesinho ronque mais baixo, como exigiu Neneca.
Ói, Hildor.
Tá explicado por que não achei o teu escrito de cara. Procurei em “Artigos”, mas agora vi que não é um artigo. É uma crônica, ou um “causo” assucedido. Mas dá até pros Nesinhos que nunca viram nem de perto um Código Civil entender que o tabelião, pode, sim, lavrar a escritura em casos que tais.
Também passei por situação idêntica. Na ocasião, logo no início da Lei 11.441/07, ainda que constrangido indaguei a separanda sobre a existência notória do nascituro. Ambos (separandos) me responderam conjuntamente: “o filho não é deste casamento!!!”. Não foi preciso mais perguntas. Lavrei a separação.
É Dr. Hildor, como diria o “Ratinho”: R A P A IIIIII Z.
Vai ser sincero assim lá… na separação. Hehehehe
Um abraço. E em tudo visualizamos realmente um grande aprendizado.
Do Amigo sempre, José Antonio, daqui de Amaporã, no fundão do Noroeste Paranaense. (hehehe).
Caro Hildor,
como o Código Civil fala que o adultério, mesmo que confessado, não basta para ilidir a presunção de paternidade, não seria mais seguro, juridicamente, exigir que a escritura de separação, em tal caso, fosse também assinada pelo verdadeiro pai?
Abraço,
Luis
Na escritura de divórcio há presença somente do casal, além do advogado assistente, não comportando a participação de terceiro.
No caso da Neneca, a criança já nasceu e foi devidamente registrada pelo verdadeiro pai.
Entendo também que sequer houve adultério, posto que Nesinho e Neneca estavam separados de fato há mais de um ano.
Parece que o Colégio de Corregedores apreciou o texto aqui publicado, deixando-nos altamente honrados, ainda que tenha entendimento contrário ao nosso, o que é próprio do Direito, tanto que foi editada a “Carta de Manaus”, pela qual os tabeliães de notas são orientados a não lavrar escrituras de divórcio, havendo gravidez.
Eis a notícia no sítio do Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil:
“Escritura de divórcio e separação na gravidez: manifestação do Colégio de Corregedores. O Colégio Permanente de Corregedores-Gerais dos Tribunais de Justiça do Brasil (CCOGE) foi fundado no dia 25 (vinte e cinco) de outubro de 1995, na cidade de Maceió (AL).
Tradicionalmente, todos os Encontros do CCOGE encerram com a confecção de uma Carta cujas recomendações pontuam as ações das Corregedorias enquanto órgãos executivos nos Tribunais dos Estados.
No 63° ENCOGE, que aconteceu no Hotel Tropical de Manaus de 26 a 28 de setembro, foi redigida a Carta de Manaus, cujas orientações estão voltadas em evidenciar o Poder Judiciário como vetor de cidadania e inclusão social.
Atualizada em 07/10/13″.
Tornaremos sobre o assunto, numa próxima postagem aqui no blog notarial, porque o tema é bem interessante.
A íntegra da Carta pode ser lida em http://www.notariado.org.br
Depois de anos, e contrariando o entendimento exposto no texto acima, o CNJ resolveu que mulher grávida – seja ou não do Nesinho – não pode fazer separação ou divórcio por escritura pública.
A Resolução 220, de 26 de abril de 2016, alterou a Res. 35, de 24 de abril de 2007:
“Art. 34 Parágrafo único. As partes devem, ainda, declarar ao tabelião, na mesma ocasião, que o cônjuge virago não se encontra em estado gravídico, ou ao menos, que não tenha conhecimento sobre esta condição.”