HOMOLOGAÇÃO NOTARIAL DO PENHOR LEGAL

HOMOLOGAÇÃO NOTARIAL DO PENHOR LEGAL: NOVA COMPETÊNCIA TABELIOA – por Douglas de Campos Gavazzi

Penhor é direito real de garantia vinculado a uma coisa móvel ou mobilizável.

A palavra penhor deriva do latim pugnus, que significa punho, sendo assim, o penhor é um direito real de garantia que prescinde de tradição (entrega do bem).

Cabe esclarecer, que, o credor pignoratício1 guarda a coisa, entretanto, não pode ficar com ela ad aeternum2, em virtude de vedar a legislação nacional o instituto da cláusula comissória. Essa proibição, está contida no artigo 1.428 do Código Civil brasileiro, que se fez com objetivo de evitar a usura por conta do ilícito enriquecimento do credor caso esse retesse à si um bem cujo valor supera a dívida contratual contraída pelo devedor.

Art. 1.428. É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento. Parágrafo único. Após o vencimento, poderá o devedor dar a coisa em pagamento da dívida.

Embora codificada, a proibição é também de ordem moral a defesa, visto que o que se busca é a proteção do devedor em eventual relação desigual estabelecida com o detentor do crédito.

No penhor comum ou convencional, firma-se o instituto por contrato com as formalidades do artigo 1.424 do Código Civil:

Art. 1.424. Os contratos de penhor, anticrese ou hipoteca declararão, sob pena de não terem eficácia: I – o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo; II – o prazo fixado para pagamento; III – a taxa dos juros, se houver; IV – o bem dado em garantia com as suas especificações.

Entretanto, para a constituição do penhor, após o contrato, que não exige escritura pública, deverá este ser registrado no Cartório de Registro de Títulos e Documentos, conforme preconiza o artigo 1.432 do CC:

Art. 1.432. O instrumento do penhor deverá ser levado a registro, por qualquer dos contratantes; o do penhor comum será registrado no Cartório de Títulos e Documentos.

O registrador Imobiliário, por disposição legal, desde 1976 tem competência para o registro do penhor de máquinas, utensílios, equipamentos e aperelhos utilizados na indústria, registro esse que deverá ter acesso ao Livro nº 3 de Registro Auxiliar da Serventia Predial, conforme normatizado no artigo 178 da Lei de Registros Públicos:

Art. 178 – Registrar-se-ão no Livro nº 3 – Registro Auxiliar:(Renumerado do art. 175 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975). I – a emissão de debêntures, sem prejuízo do registro eventual e definitivo, na matrícula do imóvel, da hipoteca, anticrese ou penhor que abonarem especialmente tais emissões, firmando-se pela ordem do registro a prioridade entre as séries de obrigações emitidas pela sociedade; II – as cédulas de crédito rural e de crédito industrial, sem prejuízo do registro da hipoteca cedular; III – as convenções de condomínio; IV – o penhor de máquinas e de aparelhos utilizados na indústria, instalados e em funcionamento, com os respectivos pertences ou sem eles; V – as convenções antenupciais; VI – os contratos de penhor rural; VII – os títulos que, a requerimento do interessado, forem registrados no seu inteiro teor, sem prejuízo do ato, praticado no Livro nº 2. (grifei)

Entretanto, o novo Código de Processo Civil3, prevê em seu capítulo XII, NOVA COMPETÊNCIA NOTARIAL: a homologação do penhor legal.

Esse penhor, ora, se é legal, não depende de contrato como o penhor convencional, é imposto pela lei nas hipóteses do artigo 1.467 do Código Civil:

Art. 1.467. São credores pignoratícios, independentemente de convenção: I – os hospedeiros, ou fornecedores de pousada ou alimento, sobre as bagagens, móveis, jóias ou dinheiro que os seus consumidores ou fregueses tiverem consigo nas respectivas casas ou estabelecimentos, pelas despesas ou consumo que aí tiverem feito; II – o dono do prédio rústico ou urbano, sobre os bens móveis que o rendeiro ou inquilino tiver guarnecendo o mesmo prédio, pelos aluguéis ou rendas.

Então o dono do hotel pode alienar judicialmente a bagagem do hóspede para satisfazer o seu crédito de hospedeiro. Da mesma forma, o locador, dono do bem locado, pode se apossar dos móveis do inquilino para se ressarcir de eventuais aluguéis não adimplidos.

Embora polêmico, o penhor legal é justo, já autorizando a lei civil, excepcionalmente, o penhor extrajudicial (com as próprias mãos):

Art. 1.470. Os credores, compreendidos no art. 1.467, podem fazer efetivo o penhor, antes de recorrerem à autoridade judiciária, sempre que haja perigo na demora, dando aos devedores comprovante dos bens de que se apossarem. (grifei)

Na hipótese de penhor extrajudicial, o credor, ainda não pignoratício, deverá imediatamente comunicar a posse ao juiz, pois antes da homologação judicial o credor só detem os bens empenhados.

Ocorre que o artigo 703 do novo CPC, prevê a homologação do penhor legal pelo notário, assim sendo:

CAPÍTULO XII DA HOMOLOGAÇÃO DO PENHOR LEGAL Art. 703. Tomado o penhor legal nos casos previstos em lei, requererá o credor, ato contínuo, a homologação. § 1º Na petição inicial, instruída com o contrato de locação ou a conta pormenorizada das despesas, a tabela dos preços e a relação dos objetos retidos, o credor pedirá a citação do devedor para pagar ou contestar na audiência preliminar que for designada. § 2º A homologação do penhor legal poderá ser promovida pela via extrajudicial mediante requerimento, que conterá os requisitos previstos no § 1º deste artigo, do credor a notário de sua livre escolha. § 3º Recebido o requerimento, o notário promoverá a notificação extrajudicial do devedor para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar o débito ou impugnar sua cobrança, alegando por escrito uma das causas previstas no art. 704, hipótese em que o procedimento será encaminhado ao juízo competente para decisão. § 4º Transcorrido o prazo sem manifestação do devedor, o notário formalizará a homologa&cceccedil;ão do penhor legal por escritura pública; (grifei)

Assim, o dono do hotel ou o locador poderão apossar-se dos bens dos hospedes ou inquilinos inadimplentes requerendo a homologação desse penhor legal mediante requerimento endereçado ao notário, instruindo-o com a conta pormenorizada das despesas hoteleiras, a tabela dos preços fixados, ou a cópia autenticada do contrato de locação, tudo acostado da relação dos objetos retidos.

O notário, recebido o requerimento do credor, autuados os documentos juntados pela parte, deverá notificar o devedor para que no prazo de cinco (05) dias pague o débito ou faça a impugnação da dívida pelos seguintes motivos:

Art. 704. A defesa só pode consistir em: I – nulidade do processo; II – extinção da obrigação; III – não estar a dívida compreendida entre as previstas em lei ou não estarem os bens sujeitos a penhor legal; IV – alegação de haver sido ofertada caução idônea, rejeitada pelo credor.

Uma vez impugnada a dívida, o notário deverá remeter os autos (extrajudiciais) ao juízo competente. Por se tratar de hipótese de conteúdo jurisdicional, não administrativo, o juiz competente a conhecer da lide é o da vara cível – o Corregedor Permanente não tem (ao menos até então) atribuição de julgar litígios pois atua administrativamente conforme preceitua o código judiciário do Estado de São Paulo4. Ainda assim, penso que essa remessa e distribuição deverá ocorrer por intermédio do Corregedor.

No silêncio do devedor, e transcorrido o prazo legal da notificação (5 dias) deverá o tabelião formalizar a homologação do penhor legal através de escritura.

A notificação do devedor que o tabelião se incumbe a fazer, entendo que poderá ser lavrada por ata notarial, vê-se que essa notificação5 não colide com a competência atribuída aos oficiais de registro de títulos e documentos conforme prevê o artigo 160 da LRP, vez que o tabelião não registrará documento algum, até então, há somente um requerimento do credor para que notifique o devedor e só após a sua inércia, lavrará ato notarial (escritura). Em contrário sendo, o legislador teria previsto que a notificação deveria ser feita pelo Oficial do Registro de Títulos e Documentos, como o fez quando exigiu para a constituição do penhor convencional, seu registro naquela serventia.

A homologação do penhor, deverá ser feita por escritura pública, conforme redação dada pelo § 4º do artigo 703 do novo CPC. Aqui também submeto minha opinião: segundo Paulo Roberto Gaiger e Felipe Leonardo Rodrigues, “a ata pode prolongar-se no tempo, às vezes até por meses, como é o caso, por exemplo, das atas para fazer prova negativa.6” Ora, o notário não tem poder homologatório (somente o Estado-Juiz), o tabelião autentica fatos. E a homologação do penhor legal pela via extrajudicial é a constatação de um fato – recebeu o requerimento, notificou o devedor que nos cinco dias quedou-se inerte – lavra a ata narrando todo o fato, que, pode constituir um direito creditório. Segundo o artigo 384 do NCPC, a ata notarial é produção antecipada de provas:

Seção III – Da Ata Notarial – Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião. Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial. (grifei)

Nessa linha, corroboro, que o instrumento adequado para a “homologação”, que de fato é uma “autenticação notarial” é a ata prevista no inciso III do art. 7º da Lei 8.935/94 (LNR). E como se cobra? No Estado de São Paulo, a ata seria em diligência (notificação) com valor declarado (valor montante dos objetos retidos e apresentados pelo credor).

Uma nova atribuição notarial, a autenticação do penhor legal de forma extrajudicial, instituto absolutamente inutilizado, entretanto, um novo conceito, uma nova estrutura, uma competência técnica diferenciada – pode dar certo.

 

*Douglas de Campos Gavazzi é tabelião substituto em Itapevi-SP. Professor na pós graduação em Direito Notarial e Registral Imobiliário da Escola Paulista de Direito – EPD-SP, do Instituto dos Notários e Registradores do Paraná – INOREG-PR e da UNIOES em Recife-PE. Professor na pós graduação nos cursos PROORDEM e ÊXITO em São Paulo, São José dos Campos, Santos, Campinas e Goiânia-GO.

_____________________________

SUGESTÃO DE ATA DE HOMOLOGAÇÃO DE PENHOR LEGAL

 

ATA NOTARIAL

 

Aos _________ (___) dias do mês de _____ (___), do ano de DOIS MIL E QUINZE (2015), nesta Cidade e Comarca de ________, neste Cartório situado na Rua _____________, perante mim Tabelião Substituto, aponho a seguinte ata notarial no livro de notas, consignando o que segue:

REQUERENTE

CREDOR, (qualificação completa); devidamente identificado, que em __/__/____ (data), às _____h (tantas horas) me solicitou a lavratura do presente instrumento, com o objetivo de constituir a homologação de penhor legal, nos seguintes termos:

OBJETO

Que é proprietário do imóvel, constituido de (descrição do imóvel); Que por instrumento particular de locação e outras avenças, datado de __/___/____, locou referido bem à DEVEDOR (qualificação completa). O instrumento que regra a locação, me foi apresentado e fica arquivado sob nº ___ na pasta nº ____, do que dou fé; Que tendo o DEVEDOR deixado de adimplir com suas obrigações mensais (pagamentos), o locador, conforme autoriza o inciso II do artigo 1.467 do Código Civil Brasileiro, e art. 1470 do mesmo ordenamento, efetuou o penhor legal dos seguintes bens: DESCRIÇÃO DETALHADA DOS BENS E ESTIMATIVA DE VALORES.

NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR

Assim, conforme requerido pelo CREDOR, nos termos do § 3º do art. 703 do NCPC, providenciei a notificação pessoal do DEVEDOR, em __/___/____ (data) às _____h (tantas horas) oferecendo-lhe o prazo de cinco dias para a quitação do débito ou para que ofereça impugnação ao penhor nos casos previstos no art. 704 do referido NCPC, do que porto fé.

HOMOLOGAÇÃO DO PENHOR

Transcorrido o prazo de 5 dias da notificação do devedor, nesta data, e sem qualquer manifestação para pagamento ou impugnação, homologo por autenticação o PENHOR LEGAL feito pelo CREDOR sobre os objetos acima descritos, consolidando a posso do requerente sobre os mesmos, habilitando-o para a alienação e satisfação do seu crédito, do que de tudo dou fé.

ENCERRAMENTO

É o que me cumpria constatar sobre o penhor acima, do qual autentico a homologação nos termos da lei, e que a pedido da parte faço aqui certificar, dando fé. Faço esta lavratura para os efeitos do artigo 384 do Código de Processo Civil Brasileiro e de acordo com a competência exclusiva que me confere os incisos II e III dos artigos 6º e 7º da Lei Federal nº 8.935 de 18 de novembro de 1994, sendo seu conteúdo em tudo verdade, dou fé; Eu, DOUGLAS DE CAMPOS GAVAZZI, Tabelião Substituto (art. 20, §5º Lei Federal 8.935/94) a lavrei e a subscrevo assinando abaixo do requerente.

 
____________________
 

1 É aquele que empresta valores e assim detém a posse da coisa empenhada, retendo-a, podendo executar o penhor judicialmente para vender o bem até sessarcir-se do valor emprestado (art. 1433 CC).

 

2“Para todo o sempre”.

3Projeto de Lei 8.046/10 – O Novo Código de Processo Civil, que aguarda sanção da presidente Dilma Rousseff (PT), sofreu diversas alterações desde seu projeto inicial, apresentado em 2010, até a aprovação definitiva do Senado, feita no dia 17 de dezembro de 2014

4 Decreto-lei complementar n. 3, de 27 de agôsto de 1969, institui o Código Judiciário do Estado de São Paulo.

5FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger; RODRIGUES, Felipe Leonardo. Ata Notarial – Doutrina, prática e meio de prova. São Paulo: Quartier Latin, 2010, pag. 159.

6FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger; RODRIGUES, Felipe Leonardo. Ata Notarial – Doutrina, prática e meio de prova. São Paulo: Quartier Latin, 2010, pag. 136.
 

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  1. euflosino domingues neto disse:

    Ótimo artigo, sobre o PENHOR, esclarecedor, bem escrito, parabens.

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