Mudança de regime de bens e atividade notarial

 

Mudança de Regime de Bens e atividade notarial. Breves anotações

No atual sistema, onde a mudança do regime depende de sentença judicial a intervenção prévia do notário parece ser desnecessária.

A escritura pública pode, efetivamente, ser substituída pelas declarações constantes na petição dirigida ao Juiz de Família. A convenção realizada pelos interessados, assistidos por advogado habilitado, ao receber a homologação em procedimento judicial, realizado com a intervenção do Ministério Público, mostra-se suficientemente imparcial, neutra e revestida de legalidade, assim como seria a escritura pública de pacto nupcial lavrada pelo tabelião. 

Deveras, só existe razão para realizar escritura pública de pacto antenupcial  (convenção formalizada antes da realização do casamento) na medida em que o tabelião, na qualidade de delegatário do serviço público, dotado de conhecimento técnico e imparcialidade em sua atuação, pode assessorar e orientar os interessados sobre os detalhes, desdobramentos e conseqüências da escolha do regime de bens eleito. Este mister, evidentemente, pode ser desempenhado pelo juiz no processo de alteração do regime inicialmente escolhido.

Para que um casal possa apenas modificar o regime de bens escolhido anteriormente, parece um excesso a exigência concomitante da intervenção tabelioa e jurisdicional.

Ao tabelião, neste caso, caberia a realização de escritura pública de alteração de regime de bens. Ao processo judicial, que demanda a participação de advogado habilitado, representante do ministério público e de um Juiz de Direito, caberá, na forma da lei processual, homologar (ou não) a pretensão dos requerentes.

Nesta hipótese, a sentença judicial supre, à evidência, a necessidade da formalidade da realização de escritura notarial. A contratação, ou formalização de vontade, que seria feita perante o notário, poderá ser feita diretamente pelas partes, e homologada por sentença do juiz de direito.

Publicidade do ato

Uma particularidade, entretanto, não pode ser ignorada. A publicidade dos atos judiciais é muito mais restrita do que a publicidade dos atos notariais e, neste caso, efetivamente é de real interesse para a sociedade que o regulamento dos bens do casal seja acessível a todos os eventuais interessados em contratar com qualquer deles. Necessário, portanto, garantir a realização de tal publicidade por meio acessível e eficaz.

O regime de bens adotado pelo casal tem sua autenticidade, eficácia e publicidade garantida por dispositivos legais que exigem, conforme a escolha do casal, procedimentos simples ou de maior complexidade.

Para a adoção do regime da comunhão parcial de bens, basta que os nubentes declarem ao Oficial de Registro Civil, nos autos de habilitação para seu casamento, que esta será sua escolha.

É curiosa a redação da Lei Civil (artigo 1640 do CC) que dispõe: não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial. A leitura apressada deste dispositivo pode levar o intérprete a considerar que o regime da comunhão parcial de bens não comportaria, em hipótese alguma, a realização de pacto antenupcial. Tal conclusão é um erro, pois o artigo 1665 do mesmo Código expressamente prevê a possibilidade da existência de pacto antenupcial, no regime da comunhão parcial, para regular a administração e disposição livre de bens do patrimônio particular de um dos cônjuges.

Para adoção de qualquer outro regime de bens, necessária será a intervenção de tabelião e a realização de uma escritura pública (denominada “pacto antenupcial”). A convenção, realizada antes da habilitação ao casamento, deverá constar do termo de casamento a ser realizado e, após a realização deste, será objeto de registro  junto ao Oficial de Registro de Imóveis do primeiro domicílio do casal (art. 244 da Lei 6.015/73).

O registro da escritura de pacto antenupcial no livro n° 3, de Registro Auxiliar, do Oficial de Registro de Imóveis da residência do casal (e não pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais) explica-se pela necessidade de publicidade que tal disposição deve receber e pelo fato de que a adoção de regime de bens, disposição voluntária dos interessados, importa pouco ao direito da personalidade. Efetivamente, o regime patrimonial é disposição muito mais ligada ao aspecto econômico do que ao aspecto pessoal dos indivíduos e, não por outro motivo, o registro público adequado à sua comprovação pública será o registro imobiliário e não o registro civil das pessoas naturais.

A publicidade das disposições patrimoniais, tradicionalmente, sempre se fez pelo registro do Pacto Antenupcial no registro imobiliário e, por tal motivo, é defensável a tese de que, em havendo a alteração do regime, tal ocorrência deverá receber o mesmo tipo de tratamento.

Entretanto seria possível conceber solução diferente para o caso, na medida em que, mudança de regime é novidade em nosso sistema e novos institutos podem demandar, em tese, novas soluções.

Pacto em Tabelionato e Registro no CRI são necessários ?

Para a alteração judicial do regime de bens a escritura de pacto, lavrada em tabelionato, efetivamente, pode ser dispensada, sem mínima ofensa à segurança jurídica e com nítido benefício econômico e procedimental para os eventuais interessados.

A sentença judicial que decretar a alteração do regime de bens deverá necessariamente receber a publicidade, pois é de interesse coletivo o conhecimento do fato e das cláusulas adotadas para o novo regime patrimonial adotado.

As alterações que constarão do termo de casamento cujo regime de bens foi alterado, por coerência lógica do sistema, estará limitada basicamente à menção do fato, indicação do processo e da sentença judicial, bem como do início de vigência da disposição. Tal publicidade bastará para os efeitos pessoais do casamento (direitos de personalidade e eventual direito sucessório), mas será insuficiente para o aspecto econômico/patrimonial.

Necessária será a realização de um registro público efetivamente publicitário, ou seja, de fácil acesso a todos os eventuais interessados, pois a publicidade do processo, neste caso, não se mostra suficiente.

A primeira idéia de solução seria aplicar, por analogia, a disposição do artigo 244 da Lei 6015/73, disposição esta que, efetivamente, se refere a convenção antenupcial voluntária e não a sentença judicial de alteração de regime e, deste modo, realizar no livro auxiliar, n°3, do Oficial de Registro de Imóveis, o registro da sentença e das novas disposições patrimoniais vigentes após a homologação.

Contudo, para a aplicação prática desta analogia, será necessário definir claramente a competência do registrador imobiliário e a forma da realização do ato.

Registro no domicílio do casal ou no lugar da sentença?

A Lei 6015/73, no citado artigo 244, definiu como competente para o registro do pacto antenupcial o oficial de registro de imóveis do domicílio do casal. Em São Paulo, entende-se como competente para a realização do registro o oficial do primeiro domicilio do casal e, inexistindo na própria escritura de pacto antenupcial a indicação precisa de qual será o primeiro domicílio do casal, exige-se declaração formal do interessado com  requerimento ao oficial daquele local para a realização do registro da convenção.

Em nosso País, de dimensão continental, onde a migração é de ocorrência freqüente, embora tenha sido mais comum no passado, definir tal competência é importante para tornar mais fácil, rápido e acessível para os interessados, a garantia da efetiva publicidade das disposições.

Certamente ocorrerá situação prática onde a alteração do regime se processa em uma localidade e o pacto antenupcial realizado anteriormente foi tempestivamente registrado em outra localidade, ou ainda poderá ocorrer do casamento ter sido realizado sem o pacto antenupcial em comarca diversa daquela onde o processo de alteração do regime ocorreu. Em ambas as situações, existirá alguma dificuldade prática para o interessado obter o certidão do ato registrado, por oficial de registro de imóveis, na localidade onde se realizou o casamento

Alteração de regime por ato extra-judicial – uma interessante perspectiva para o futuro

Situação muito diferente da atual seria aquela onde a lei permitisse alteração de regime sem intervenção judicial, por escritura pública de Convenção e Alteração de Regime, eventualmente acompanhados de advogado (como nos casos de inventário, separação e divórcio) os cônjuges poderiam expressar sua intenção de modificar o regime, declinar os motivos e fazer as declarações necessárias. Em um segundo momento o Oficial de Registro Civil poderia autuar a escritura/pedido, fazer publicar editais e dar vistas ao MP e Juiz de Direito, após este trâmite o Oficial poderia Registrar as disposições ajustadas sobre a Alteração do Regime no seu livro E, averbar a alteração no casamento, ou comunicar o ato para o oficial onde o casamento se realizou.

Esta imaginada solução se mostra muito interessante para os usuários dos registros públicos e para o Poder Judiciário que se desincumbiria de uma tarefa que poderia ser realizada extra-judicialmente sem prejuízo para os interessados e para a sociedade. Mudança na Lei, possibilitando a solução aventada, poderá eventualmente ocorrer, caso os Poderes Constituídos considerem viável esta possibilidade.

A proposta está lançada.

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EXIBINDO 0 COMENTÁRIOS

  1. José Hildor Leal disse:

    Com a licença do sempre brilhante articulista, manifesto respeitosa discordância sobre a validade de pacto patrimonial por mandado.
    O art. 366 do CPC é muito claro: “Quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta”.
    Para não alongar o que deve ser mero comentário, o leitor eventualmente interessado no tema pode encontrar um artigo que escrevi já em 2003 (na época trabalhava também com registro civil), sob o título “Considerações ao Provimento 027/03-CGJ/RS”, no endereço http://www.colegioregistralrs.org.br – buscar “doutrina” e digitar em “palavra-chave” o nome do subscritor, ou o título.

  2. leonor disse:

    gostaria de saber onde posso encontrar subsidios, para fazer minha monografia em pos graduação sobre o tema “a publicidade limitada dos atos atos notariais”

  3. Chris disse:

    Olá, tenho uma dúvida e não consigo achar nada a respeito para supri-la. Pois bem, digamos que um casal realiza o pacto antenupcial em um cartório e somente após um mês o casamento é realizado. O pacto só tem validade a contar da data do casamento?

  4. Marco Antonio (o autor) disse:

    Olá, Chris. Não há motivos para sua dúvida. O artigo 1653 do Código Civil é muito claro ao afirmar que a escritura pública de pacto antenupcial é ineficaz se não houver o casamento pretendido.
    E, por evidente, o regime de bens ajustado para o casamento só começará a valer após a formalização do ato (isso, se ele, casamento, efetivamente ocorrer).
    Att.

  5. Gil disse:

    Olá, casei em 2004 no regime de comunhão universal de bens. Meu sogro faleceu e agora quando fomos registrar o terreno da herança, o cartório pediu o pacto antinupcial. Não temos, nem sabíamos que deveríamos ter. O que podemos fazer?
    Obrigada

  6. Umberto Jose da Mota disse:

    Olá, e quanto a abertura na Lei, em relacao aos processos extra-judiciais, (administratvos) praticados pelas serventias que registrou o ato, o que me dizem?
    A Lei nº 6.015 de 31/12/1973, em seus artigos 109 e seguintes, abre a possibilidade de retificação dos registros que porventura venham maculados por erros ou retificações. vejamos

    Das Retificações, Restaurações e Suprimentos.
    “Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou retifique assentamento no Registro Civil, requererá, em petição fundamentada e instruída com documentos ou com indicação de testemunhas, que o Juiz o ordene ouvido o órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo de cinco dias, que correrá em cartório”. (Redação dada pela Lei nº 12.100, de 2009)

    Att,

  7. Fabiana de Franceschi disse:

    Olá, gostaria de alterar o regime de bens pactuado numa união estável, de comunhão parcial para separação total. Só consigo isso perante o Judiciário? Não há chances de realizar pelo cartório? obrigada

  8. Marco Antonio - o autor disse:

    Fabiana. Se voce convive em união estável e, portanto, não está civilmente casada, não está sujeita as limitações da Lei para a Alteração de Regime. Voce pode tranquilamente pactuar um novo regime para a sua união estável. Vá até um tabelionato e peça para fazer lavrar uma escritura de Regulamento de União Estável e deixe claro que, à partir de agora, o que vale para voces é um Regime de Bens Análogo ao Regime da Separação de Bens (que vigora entre pessoas casadas). Questões patrimoniais mais complexas ou eventual prejuízo a direito de terceiros poderão ser, no futuro, objeto de questionamento judicial e e quando a união existente acabar.
    Boa Sorte.

  9. Jonathan Brant disse:

    Só uma palavra: magnífico!

  10. Jerônimo disse:

    Dr. Marco Antonio,

    Existem precauções a serem tomadas quando da mudança de regime de bens da união estável mediante escritura pública? Uma vez que os direitos de terceiro permanecem resguardados, e que possível fraude será atribuída aos conviventes, há o tabelião de negar a alteração em alguma situação? Desde já grato.

  11. PATRICIA SAMPAIO TOMÉ disse:

    Boa tarde,

    Gostaria muito de sua valiosa ajuda. Meu pai manteve união estável com uma pessoa e em 2008 fez lavrar escritura pública de união estável onde ele e a companheira fizeram constar o seguinte:

    “4) Os declarantes são economicamente independentes, tendo cada qual patrimônio e rendas próprias, não dependendo um do outro; porém, as despesas em prol dos interesses do casal serão rateadas em partes iguais, assumidas e cumpridas nos seus prazos; as obrigações pessoais assumidas serão de inteira responsabilidade de quem a firmou, não respondendo a outra parte;

    5) as partes reconhecem que os bens e direitos trazidos para a convivência já conhecidos de ambos, não se comungam, e bem assim os que forem adquiridos na constância da comunhão, enquanto esta durar, pertencendo individualmente, sem a necessidade de outorga do outro convivente, para a hipótese de alienação, a qualquer titulo;

    6) Considerando que anteriormente as partes não ajustaram o regime da união, prevalecendo a comunhão parcial de bens, em face dessa omissão ou silencio, resolveram, diante da autorização do art. 1.725, do novo Código Civil Brasileiro, instituído pela Lei Federal 10.406/2002, em vigor desde 11.1.2003, que os bens adquiridos na constância da convivência serão unicamente de quem os adquiriu, assim como as dividas antes contraídas caberão a quem as fez, sem qualquer obrigação passiva da outra parte;

    10) Na hipótese do desate da união estável, por qualquer circunstancia, a declarante, por se tratar de direito disponível, nada reclamará do declarante ou dos seus herdeiros e sucessores, na hipótese de óbito”;

    Posteriormente, ele e a companheira fizeram uma declaração particular declarando revogar os termos patrimoniais da escritura pública.

    Isso é válido? Se não for, qual a lei que diz sobre o assunto.

    Muito obrigada!

  12. Marco Antonio (o autor) disse:

    Patrícia, Já comentei, em um tópico acima:… não está civilmente casada, não está sujeita as limitações da Lei para a Alteração de Regime.
    Então, o fato é que, para as pessoas não legalmente casadas não existe limite imposto por lei, para ajustar as questões patrimoniais da União estável existente.
    O que seus pais fizeram é perfeitamente possível e legal, não vejo impedimento algum. Mas, por outro lado, existe um detalhe potencialmente perigoso para ambos: a Escritura Pública feita foi Parcialmente Revogada por um INSTRUMENTO PARTICULAR.
    No futuro, em ocorrendo o falecimento de um deles, ou uma dissolução litigiosa, será possível haver alguma alegação de que o documento particular foi forjado ou que não houve liberdade plena no ato de sua assinatura… enfim, embora legal, este ajuste particular contrário à escritura pública pode ser fonte de problemas.
    Recomendo que se repita este novo ajuste por meio de uma escritura pública. Será muito muito mais seguro para todos e para terceiros eventualmente envolvidos.
    Desejo-lhes sorte

  13. PATRICIA SAMPAIO TOMÉ disse:

    Dr. Marco,
    O problema é exatamente este. Meu pai morreu e estamos numa luta jurídica com a companheira. Os herdeiros entendem que o que é válido é o que consta da escritura. Ou seja, a companheira não tem direito a nada do que ele deixou como herança. A companheira teve reconhecida judicialmente a união estável. Que caminho podemos tomar. Sou advogada recém formada e estou me sentido uma toupeira por não saber o que fazer.

    Mais uma vez, obrigada pela atenção!

  14. Sylvio Guerra Júnior disse:

    Prezado Dr. Marco Antonio,
    Boa tarde.
    Gostei muito do seu artigo. Parabéns pela clareza na exposição e concisão de ideias.
    Tendo em vista o tempo decorrido (o artigo data de 2009), gostaria de saber se existe proposta de lei ou se já ocorreu alteração legislativa no sentido de se admitir a alteração do regime de bens pela via extrajudicial.
    Abraços,

  15. Marco Antonio - o autor disse:

    Sylvio Guerra. Agradecendo a gentileza de seu comentário, informo-lhe que desconheço qualquer alteração legislativa no sentido de facilitar a mudança de regime de bens. Pelo que sei, ainda é necessário o devido processo legal e inexiste regra prática e geral para a publicidade objetiva de qualquer novo regime eventualmente adotado para o casamento (como a que é exigida no Pacto Antenupcial). – Marco A O Camargo – dez/2015

  16. Letícia disse:

    Marco Antônio, boa tarde
    Excelente texto!!
    Como você explanou em perguntas anteriores se “…você convive em união estável e, portanto, não está civilmente casada, não está sujeita as limitações da Lei para a Alteração de Regime. Você pode tranquilamente pactuar um novo regime para a sua união estável. Vá até um tabelionato e peça para fazer lavrar uma escritura de Regulamento de União Estável…”
    Seria uma nova escritura pública de união estável, para substituir a anterior? Dessa forma, ocorreria a revogação da primeira?

  17. Marco Antonio disse:

    Letícia, Uma nova escritura de declaração e regulamento da União Estável existente, de fato, não revoga a anterior; na prática ela passará a regular aos fatos futuros que se relacionem com o casal, mas também pode representar uma espécie de novação/modificação do ajuste anteriormente realizado. Se o tema modificado se referir a direito disponível, não haverá problema algum com isso, por outro lado, existem situações que, por força de lei, não podem ser objeto de negociação…Então será preciso analisar os detalhes da situação.

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