Na dúvida entre praticar ou não o ato

Na dúvida entre praticar ou não o ato, art. 1º da Lei Federal 8.935/94

 
Samuel Luiz Araújo

2º Tabelião de Notas de Sacramento/MG

Ex-professor de Direito Civil, Internacional Público e Privado, Notarial e Registral

Imobiliário, doutorando em Direito Internacional pela PUC-SP, mestre em Direito

Privado (Universidade de Franca), associado ao CNB e IRIB, membro do GEA-USP

 

Estive pensando no grande equívoco (sbaglio più grande) que cometi na remessa do primeiro texto. O Colégio Notarial (CNB) pede um texto curto e eu mando um capítulo de livro. Penso que o espaço seja destinado à colocação de assuntos que tocam o dia-a-dia dos colegas. Penitencio-me pelo erro e tentarei doravante não os cometer. Se ocorrerem, de antemão peço desculpas aos nossos colegas e leitores.

Tratando do assunto em questão indutivamente, havendo dúvida quanto à prática ou recusa de prática do ato (qualificação positiva e negativa), o que devemos fazer? Por vezes, as normas deixam de nos dar uma solução, tendo em vista a desenvoltura do nosso laboratório notarial.¹ E precisamos atender ao usuário que nos roga atendimento.

Tenho orientado os colaboradores da serventia a observar sempre o art.1º da Lei Federal 8.935/94, que diz:

Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. (grifos meus)

O dispositivo é a diretriz que todos os notários e registradores devem seguir ao qualificar um título ou pedido de prática de um ato, isto é, se eu praticar o ato pretendido estarei garantindo publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos? É justamente essa a pergunta a ser feita. Se a resposta for afirmativa, pratica-se o ato. Se negativa, qualifica-se negativa e fundamentadamente.

A publicidade notarial dá-se pelo próprio exercício da função pública a nós atribuída, satisfazendo as necessidades de interesse social, mediante delegação estatal.

Atos autênticos são os atos por nós praticados, cuja faculdade de autenticar decorre da lei e da qualidade da fé pública que temos o que, por consequência, valora os atos e fatos produzidos erga omnes.²
 
O princípio de segurança jurídica é uma parcela do grande gênero segurança, ou direito à segurança, pelo qual o indivíduo tem o direito de viver num ambiente seguro. É uma garantia de direitos que comporta duas dimensões:

 (a) dimensão negativa, estritamente associada ao direito à liberdade, traduzindo-se num direito subjectivo à segurança (direito de defesa perante agressões dos poderes públicos); (b) dimensão positiva, traduzindo-se num direito positivo à protecção através dos poderes públicos contra as agressões ou ameaças de outrem (segurança da pessoa, do domicílio, dos bens).³

 Um princípio que merece atenção é o de eficácia jurídica, cujo alcance pode se dar no plano obrigacional ou no plano real. Exemplificando, uma escritura de compra e venda de imóvel urbano tem eficácia obrigacional plena quando assinada por todos, mas só alcançará eficácia real quando registrada no RI competente. Nada (absolutamente nada) impede que as partes queiram permanecer somente no plano negocial, nada obstante tenhamos o dever de orientá-las quanto aos riscos e da opção do direito brasileiro pela aquisição da propriedade pelo registro.4 O princípio de autonomia privada é o seu fundamento. Se querem permanecer no plano negocial/obrigacional, mesmo sabendo dos riscos disso (sujeição do bem à constrição judicial, venda para outro contratante, oferecimento do bem em garantia real, indisponibilidade etc.), é uma opção das partes.

 Concluindo, para sabermos se devemos ou não praticar determinado ato, bastará conjugarmos os princípios insculpidos no art. 1º da Lei Federal 8.935/94. Se a prática do ato garantir, sobretudo 5, segurança e eficácia jurídicas, lavra-se o ato conscienciosamente. É a diretriz a ser seguida.

 
1 A serventia notarial é um grandioso laboratório. Nele, vivenciamos situações por vezes inusitadas que reclamam uma solução legal. E é justamente esse o nosso papel, realizarmos a polícia jurídica.

2 Leia mais em: FERNÁNDEZ DEL CASTILLO, Bernardo Pérez. Derecho notarial. 15. ed. México: Porrúa, 2007. p. 161-229.

 3 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. I. p. 479.

4 Não há registro verbal, é indispensável o título. Então, a aquisição da propriedade imobiliária no Brasil é um ato composto (e não simples, ou mesmo complexo), ou seja, título + registro.

5 Publicidade e autenticidade estão implantadas no próprio ato notarial.

 

 

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