O PLANO 2020 DOS NOTÁRIOS DA EUROPA E A INTEGRAÇÃO EUROPEIA

  em Notarial

RESUMO

Embora fator de paz e prosperidade para seus povos, ao longo das mais de seis décadas de sua existência, a União Europeia, união econômica e política atualmente composta de 28 dos Estados europeus, tem, ainda, muito por fazer, em matéria de livre circulação de bens e de implementação de direitos. Para colaborar com o avanço do processo de integração europeia, o grupo Notários da Europa, formado por titulares da atividade notarial provenientes dos 22 países europeus com sistema jurídico filiado à tradição romano-germânica, firmou pauta de compromissos, em número de cinco, a serem consolidados até o ano de 2020. O presente artigo dedica-se a analisar o objeto de tais compromissos, sua factibilidade e escopo.

INTRODUÇÃO

A União Europeia (UE) congregava, em primeiro de janeiro de 2018, mais de meio bilhão de pessoas vivendo em algum lugar dos mais de 4,2 km2 ocupados por suas quase três dezenas de Estados Membros.

Fruto vitorioso de uma proposta de paz duradoura, primeiramente apresentada, sob a forma de discurso baseado nas ideias de Jean Monnet (1888-1979) e proferido em 9 de maio de 1950 pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros da França, Robert Schuman (1886-1963), a ideia da Europa unida em torno da paz foi imediata e entusiasticamente aceita pelo o chanceler alemão Konrad Adenauer (1887-1967), como o seria, depois, pelos dignitários da Itália, do Luxemburgo, da Bélgica e dos Países Baixos, todos esses países com populações arrasadas por anos de guerra em solo europeu. Começava, assim, a Europa dos Seis.

Quase sete décadas depois, circulam pelo continente europeu não só carvão e aço, nem só bens, serviços, capitais e pessoas, mas, direitos — direitos derivados da tessitura das relações jurídicas estabelecidas por todos os que por aí passam.

Desde a criação respectivamente, pelos Tratados de Paris (1951) e de Roma (1957), da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) e da Comunidade Econômica Europeia (CEE), ao projeto de interesses inicialmente aduaneiros dos seis fundadores da Europa Unida, outros países europeus vieram a juntar-se.

Sucessivos alargamentos, em 1973 (Europa dos Nove), em 1979 (Europa dos Dez), em 1986 (Europa dos 12), em 1995 (Europa dos 15), em 2004 (Europa dos 25), em 2007 (Europa dos 27) e em 2013 (Europa dos 28), além da criação da zona do euro, em circulação a partir de 2002, incrementaram a ideia inicial e a levaram a um outro patamar integrativo, em volume de transações e de relações jurídicas.

Para assegurar a preservação desses direitos, decorrentes dos pilares fundamentais a sustentar a arquitetura da integração europeia, os Notários Europeus, grupo de titulares das atividades notariais que provêm dos 22 Estados Membros de tradição romano-germânica e de notariado latino, cuja atuação mostra-se imprescindível, como magistrados da paz, conselheiros e assessores jurídicos que são não apenas dos cidadãos, em suas relações jurídicas pessoais, como, também, das empresas, nas suas interações jurídicas profissionais, firmaram uma pauta de compromissos a serem implementados até 2020, os quais serão objeto de análise individual nas linhas que seguem.

1 BREVE APANHADO DA INTEGRAÇÃO EUROPEIA E ATIVIDADE NOTARIAL

Desde que, na Europa Unida, vive-se a paz; aboliram-se as barreiras alfandegárias; implementaram-se as liberdades fundamentais; criou-se a moeda única; implantaram-se o Espaço Schengen, de livre circulação interna e de controle externo das fronteiras, e o Sistema Schengen, de informação contra o terrorismo, a criminalidade e a migração irregular, é mister, para além do desenvolvimento econômico e do combate às assimetrias por ele causadas, assegurar direitos tanto individuais quanto sociais, conforme a Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

Da leitura dos tratados europeus, resta evidente a preocupação de assinalar que o mercado único, um dos sustentáculos da Europa unida, traduza-se em mais do que simples miragem nas mentes dos europeístas e dos que sonham com a paz.

É o que se extrai, outrossim, das ponderações de Alessandra Silveira, de Alzira Costa e de Pedro Froufe, n’ “O Estado da União”, programa da rádio Antena Minho, que tem, como moderador, o locutor José Portugal:

Os países fundadores da União Europeia acreditavam que o mercado comum, depois, que o mercado único, e, atualmente, que o mercado interno fosse um instrumento de transformação, não só econômico, mas, sobretudo. psicológico. E tinham efetivamente razão, porque somos mais sensíveis ao outro, quando consumimos os seus produtos, consumimos a sua cultura, quando viajamos, quando circulamos e não é por outra razão que o projeto europeu melhor sucedido seja o programa Erasmus, de livre circulação de estudantes. Daí, a importância das liberdades econômicas, das liberdades de circulação para o desenvolvimento do mercado interno — circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais. E de resto, a integração europeia teve início com a submissão de todo um setor econômico, do carvão e do aço, a uma autoridade administrativa comum, porque aquele era setor absolutamente indispensável à realização da guerra, na década de 1950. Com o passar do tempo, a partilha da soberania relativamente a todo esse setor produtivo do carvão e do aço revelou-se, portanto, inegável o papel do mercado interno e das liberdades econômicas que ele assenta no desenvolvimento do processo de integração. Na verdade, o processo de integração, a densificação operativa, aquilo que se convencionou chamar a cidadania europeia, passou pela aplicação das liberdades econômicas.

Essa liberdade de circulação de bens, de serviços, de capitais e de pessoas, que começou nos âmbitos econômico e geopolítico de uma Europa destroçada por guerras e que, em experiência única, estendeu-se, de modo inédito, aos âmbitos social e cultural no continente, perpassa, necessariamente, pelas mãos dos notários, pois que estes, como consultores jurídicos das pessoas naturais e jurídicas, atuam justamente no asseguramento jurídico da liberdade que cada uma dessas pessoas possui de decidir o seu destino e de declarar a sua vontade quanto aos seus direitos disponíveis, formalizando os tabeliães de Notas documentos dotados de publicidade, autenticidade e eficácia jurídicas, nos quais apõem a sua fé pública e formalizam atos de importante valor para a sociedade como um todo, sob o manto da segurança jurídica.

Assim fazendo, o notariado acaba por repercutir, com sua atuação jurídica, os principais fatos da vida, ao formalizarem, documentalmente, o ato da compra e venda de bens móveis e/ou de bens imóveis, a pactuação das regras jurídicas a regerem os bens na constância do casamento por meio da lavratura da convenção antenupcial, os instrumentos sucessórios do testamento, do legado, do codicilo, do inventário, da partilha e da sobrepartilha de bens, os contratos e estatutos sociais, em uma gama quase infinita de possibilidades em que viceja a livre disposição da vontade, formalizada aos olhos da lei, pela magistratura da paz e da liberdade individual que é o notariado.

No Brasil, assim se define o notário: “profissional do direito, dotado de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial” (Lei 8.935/94, art.3º).

A reforçar a visibilidade da atividade extrajudicial para a população, está a pesquisa realizada no Brasil, pelo instituto Datafolha, segundo a qual as estruturas popularmente chamadas “cartórios” formam a entidade mais confiável dentre as instituições públicas e privadas do País.

Já na União Europeia, os notários ganham em importância, vez que há “aumento, sem precedentes, do número de casos que envolvem um elemento transfronteiriço”, notadamente em razão de a livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas fazer crescer, exponencialmente, o número de europeus que trabalham, vivem, mudam-se com a família, entram em contato com parceiros de outras nacionalidades e compram casa em um Estado-Membro que não o de origem, em realidade que se reflete nos números trazidos pela Comissão Europeia:

Oito milhões de europeus já não vivem no seu país de origem; 2,5 milhões de imóveis pertencem a pessoas que vivem num Estado diferente do Estado onde se encontram localizados esses imóveis; todos os anos são abertos 450 mil processos sucessórios, na Europa, num valor superior a 123 mil milhões de euros; 13% dos novos casamentos são entre casais binacionais; há 16 milhões de casais internacionais na União Europeia; 20% das parcerias registradas na UE dizem respeito a casais binacionais.

Tal fenômeno não passou despercebido do grupo dos Notários da Europa, o qual, por meio do Conselho dos Notariados da União Europeia (CNUE), firmou o “Plano 2020”, pauta de compromissos em que se propõe a adotar “uma política de justiça europeia, à altura dos desafios econômicos”, ora objeto da presente análise.

LEIA O ARTIGO NA ÍNTEGRA AQUI

Autores:

Tiago Guagliarello – Mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), de Itajaí, no Estado de Santa Catarina (SC), Brasil. Especialista em Direito Administrativo, em Direito Civil, em Direito Comercial, em Direito Constitucional, em Direito Imobiliário, em Direito Notarial e Registral e em Direito Público, pelo Instituto “A Vez do Mestre” (AVM) da Universidade Cândido Mendes, da capital do Estado do Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Especialista em Direito Tributário, Financeiro e Econômico, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul (RS), Brasil. Graduado em Direito pela Universidade de Passo Fundo (UPF), em Passo Fundo (RS). Segundo Tabelião de Notas e Protesto da Comarca de São Francisco do Sul (SC). Ex-oficial do Registro Civil de Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Município de Theobroma, na Comarca de Jaru, no Estado de Rondônia (RO), Brasil. Ex-servidor público do Tribunal Regional Federal de Justiça da 4ª Região (TRF-4). Membro da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos da Seção Catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SC) no triênio 2016-2018. Endereços de posta eletrônica: <ti.ello@hotmail.com> e <2tabelionatosfsul@gmail.com>.

Juliana Ferreira de Moraes Farris – Mestranda em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), de Itajaí, no Estado de Santa Catarina (SC), Brasil. Especialista em Pratica penal e processual penal, pela Academia Brasileira de Direito Constitucional, ABDConst, Brasil, em Curitiba, no Estado do Paraná (PR), Brasil. Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), em Itajaí (SC). Tabeliã de Notas e Protesto da Comarca de Otacílio Costa (SC). Endereços de posta eletrônica: <juliana17061@terra.com.br>.

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