Profissão da parte e redação de escritura pública

Ao definir os requisitos de validade da escritura pública, o Código Civil em seu art. 215, parágrafo 1°, inc. III, textualmente dispõe que, dentre os dados de qualificação de uma pessoa, deve encontrar-se a indicação de sua profissão. A Lei dos Registros Públicos (Lei 6015/73, art. 176, parágrafo 1°, inciso II, alínea 4, item a), ao definir os requisitos da matrícula de um imóvel, igualmente define como obrigatória a indicação da profissão do titular do direito ali registrado.

Entretanto, é fato que pode ocorrer de participar do ato notarial e de pretender figurar na matrícula de um imóvel, a figura de uma pessoa que não tenha profissão alguma  ou ainda uma pessoa jurídica que não pode ser qualificada por tal atributo.

Possível então questionar: se na escritura não constar a profissão de uma das partes ela não poderá ter acesso ao registro imobiliário? Ou ainda: se o indivíduo não tem profissão (e nem ocupação classificada) ele não poderia participar do negócio jurídico formalizado por meio de escritura pública?

A prática demonstra que, com referência à Pessoa Jurídica – que não pode ser qualificada como titular de uma profissão – o comando da lei é ignorado. Embora não esteja escrito no texto legal que existe tal exceção,  é inquestionável que a omissão deste tipo de informação não pode  ser considerada como falha na forma e solenidade da redação de uma escritura pública e da escrituração de uma matricula e registro imobiliário.

Entretanto, se o participante do ato for uma pessoa natural que não possua profissão ou ocupação, um tormentoso dilema se impõe ao tabelião quando da lavratura da escritura e ao registrador, quando de sua qualificação.

Neste caso, deve-se pedir ao interessado para que ele declare uma profissão ou ocupação,  mesmo que tal declaração seja uma invenção que não corresponda à realidade?   Seria possível ignorar o comando da lei, por absoluta impossibilidade de obedecê-lo, e simplesmente omitir a informação?

Este autor e tabelião de notas entende que, na hipótese aventada, a dispensa da indicação de profissão (e também de ocupação) é perfeitamente possível e muito mais adequada do que a falsa indicação de ocupação, unicamente para atender a redação literal do texto da lei.

De fato, ninguém pode, legitimamente, ser obrigado a abraçar e manter uma profissão ou ocupação e, na medida em que o direito de propriedade é garantido constitucionalmente a todos, não há dúvida de que o cidadão que não possui profissão ou ocupação pode participar de um ato notarial, desde que esteja corretamente identificado por seus documentos pessoais (ou que seja pessoalmente conhecido do tabelião) e esta situação, efetivamente peculiar e pouco usual – não possuir ocupação ou profissão – não lhe retira o direito de cidadania.

Além disso, a analogia com a figura da pessoa jurídica (que não pode ser qualificada por uma indicação profissional) também é indicação segura de que a leitura da lei não pode se limitar ao aspecto puramente gramatical, sendo necessária alguma interpretação pautada pelo bom senso e pela inteligência na aplicação prática do texto escrito.

Entretanto, existirá um problema prático quando o tabelião eventualmente lavrar um ato notarial e nele não indicar a profissão de uma das partes (que efetiva e verdadeiramente não possua profissão ou ocupação profissional alguma). Em tal situação, provavelmente existirá dificuldade em convencer o oficial de registro de imóveis, na qualificação da escritura apresentada para registro, que a ausência de tal indicação não se trata de esquecimento ou falha de redação por parte do tabelião.

Ressalve-se que, de fato, a ocorrência de falha ou omissão de dados de qualificação das partes, torna necessária a retificação da escritura lavrada ou, opcionalmente, que se apresentem documentos idôneos e declaração formal do interessado perante o registrador para, suprindo a falha, viabilizar o registro do título.

Entretanto, a ausência da indicação de uma qualificação inexistente, não pode ser considerada uma falha de redação do ato notarial e, para evitar que esta possível dificuldade venha a obstar o imediato acesso ao registro imobiliário e seja causa de demora em sua realização (o exame do título e a redação de uma nota devolutiva com exigência para o registro demandam algum tempo) ou ainda que se mostre necessária a realização de procedimento burocrático e de gasto econômico (os requerimentos, regra geral, devem conter o reconhecimento notarial da firma de quem o subscreve e estar acompanhado de documentos originais ou por cópias autenticadas), mostra-se muito recomendável que o tabelião faça constar no texto da escritura lavrada que o cidadão expressamente declarou naquela ocasião, que efetivamente não possui profissão alguma e que também não exerce ocupação profissional classificada na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO.

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