Programa Minha Casa Minha Vida e algumas reflexões

Provocado pela renovação proposta pela assessoria de imprensa do CNB-CF, escrevo algumas linhas para retomar o hábito da escrita, especialmente a notarial. Ou melhor, de temas notariais.

Tenho presenciado em nosso tabelionato tentativas de “formalização”de transferências de imóveis, ou de direitos sobre, de beneficiários do programa de Governo MINHA CASA MINHA VIDA.

Independentemente de todas as críticas que temos sobre a forma como nos foi imposto esse programa, muito especialmente com respeito a emolumentos, e a não participação dos notários brasileiros na concepção das normas correspondentes, o fato é que elas existem e devem ser cumpridas.

E uma delas, expressamente definida, é a proibição de que tais imóveis e os direitos a eles relativos sejam transferidos, por qualquer meio, antes de quitadas as parcelas, integralmente, do financiamento subsidiado obtido pelo mutuário. Nesse sentido, o Decreto nº 7.795, de 24 de agosto de 2012, que altera o Decreto nº 7.499/2011, que, por sua vez, regulamenta dispositivos da Lei nº 11.977/2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV, prevê, no §5º, inciso III, do Art. 8º (que correspondem a alterações introduzidas ao Decreto nº 7.499/2011), o seguinte: “III – não se admite transferência inter vivos de imóveis sem a respectiva quitação”. Já o §6º do mesmo Art. 8º desse Decreto, dispõe: “§ 6º As cessões de direitos, promessas de cessões de direitos ou procurações que tenham por objeto a compra e venda, promessa de compra e venda ou cessão de imóveis adquiridos sob as regras do PMCMV, quando em desacordo com o inciso III do § 5º, serão consideradas nulas”…(grifos meus). (Imperativo mencionar que tais previsões também estão contidas em outras leis que tratam da matéria).  

Considerando-se os dispositivos em evidência, o Tabelião, como promotor da paz social e agente na prevenção de litígios, não pode, evidentemente, dar curso a atos envolvendo transferência inter vivos de imóveis adquiridos através das regras do Programa Minha Casa Minha Vida, ainda não quitados, eis que imprimiria formalidade, legalidade e publicidade a atos que a legislação citada considera nulos.

Por tais razões, entendemos, que nós, tabeliães, devemos recusar qualquer “participação” em tais transferências, reconhecendo firmas ou autenticando cópias de documentos particulares, e, menos ainda, lavrando instrumentos públicos versando sobre o tema.

Por outro lado, fica a questão, para reflexão: o mundo atual exige dos cidadãos, muitas vezes, mudanças de endereço, por motivo de trabalho, e outras. Em tais casos, o mutuário deveria “fechar” seu imóvel, abandoná-lo? Emprestar para um parente ou amigo? Ou ceder seus direitos?

Como assegurar até mesmo a proteção e conservação do bem, ao qual eventualmente queira ou deva retornar pelas mesmas razões?

Ou, sendo definitiva a mudança, até eventualmente para o exterior, o que fazer?

E o notário estaria impedido, definitivamente, de documentar tal situação???

Tema para mais reflexões e opiniões!

 

 

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EXIBINDO 8 COMENTÁRIOS

  1. J. Hildor disse:

    Muita pertinente a questão colocada pelo J. Flávio. O tabelião deve abster-se de praticar atos nulos, por força de lei, mas precisa (e deve) manifestar-se (e preocupar-se) quanto as consequências sociais que a norma produz, frente ao caso concreto, tal como expõe no artigo.
    Quem seja seja o pontapé inicial (já que estamos iniciando a Copa do Mundo no Brasil) do debate, em busca de uma solução mais justa para as situações que se apresentam no dia-a-dia dos tabelionatos.

  2. J. Hildor disse:

    Depois de enviada a mensagem é que se vê o erro. Leia-se “muito pertinente”, a invés de muita.

  3. JOSE ANTONIO ORTEGA RUIZ disse:

    REALMENTE, perfeito o tema, a narrativa, e o questionamento.
    Temos também por aqui. E recentemente um problema quanto as DOAÇÕES MUNICIPAIS, para fins habitacionais, com as CLÁUSULAS RESOLUTIVAS EXPRESSAS (impenhorabilidade /inalienabilidade), prazo 5 anos, contados a partir da averbação da construção no CRI. E muitos fizeram, registraram e averbaram mas venderam (antes do tempo obvio), e dirigiam-se a esta Serventia, para lavrar esses “CONTRATOS”, ou “PROCURAÇÕES”, totalmente PROIBIDAS PELA PRÓPRIA LEI MUNICIPAL, TRANSCRITA NO CORPO DAS ESCRITURAS INTEGRALMENTE, onde cada cidadão sabia do que se tratava, mas o faziam. OBVIAMENTE, me neguei a realizar os atos, conforme discorreu o Dr. J. Flávio. AGORA MEU REPÚDIO FICA E FICOU E FICARÁ, pois muitos de nossos colegas FIZERAM PROCURAÇÕES, CONTRATOS SEM RECONHECER FIRMAS, E OUTROS DOCUMENTOS, sabedores que estavam INFRINGINDO A LEI, mas nem deram liga a coisa, pois “ninguém irá denunciar”, e se o fizerem, “eu fiz porque a parte assim o quiz”. Mesmo ESTANDO CLAUSULADO NA ESCRITURA TAL VEDAÇÃO, algo assim estarrecedor, como o Dr. J. Flávio disse, chancelando uma ilegalidade total com O NOME DO NOTARIADO.
    Informação à parte, e tendo vivido esse problema que causou insatisfação em todos, pois fui muito criticado e os que “lavraram” ELOGIADOS (ENTENDO COMO UMA INVERSÃO ILEGAL DE VALORES), que em sendo DEVIDAMENTE COMPROVADO TODOS AQUELES ITENS ELENCADOS E MUITO BEM ELENCADOS PELO DR. J. FLÁVIO, que se pudesse sim o NOTÁRIO com sua fé pública, seu conhecimento da situação do lugar, e seus costumes, e tomando cautelas para averiguação, uma vez que muitas das falhas que relatei, foi mais por falha de FISCALIZAÇÃO (O MUNICIPIO NÃO TINHA PESSOAL PARA TAL FIM), e nem era interesse denunciar por razões POLÍTICAS |(INFELIZMENTE), e fiscalização da VERACIDADE DO QUE NOS É REPASSADO, com provas idôneas de estarem realmente deixando seus bens por razões sólidas e IRREVOGÁVEIS. Creio seria uma das soluções. Mas, siga o debate, com mais ideias, pois creio que elas virão. PARABENS PELA RENOVAÇÃO DO BLOG, e pelo incentivo a cada um de nós a sermos também ESCRITORES. Abraços – Amaporã-PR.

  4. marcia disse:

    Dr. José Flávio, é possível efetuar a alienação (DOAÇÃO) de imóvel já totalmente quitado, adquirido pelo programa MCMV, doação esta de 50% deste imóvel de um cônjuge para o outro? O imóvel foi financiado pela proprietária na condição de solteira, casou-se durante o financiamento e por isso gostaria de atribuir ao cônjuge, metade do imóvel (tendo em vista que este a ajudou no pagamento do bem informalmente – sua renda não entrou na composição contratual, além dele ter feito benfeitorias no imóvel)? Regime de casamento> comunhão parcial de bens.
    Muito Obrigada.

  5. Flávio disse:

    Estando o imóvel totalmente quitado, tendo sido adquirido através do PMCMV, não há mais restrição para sua alienação. A aquisição se deu quando a proprietária ainda era solteira, tratando-se, pois, o imóvel, de patrimônio particular, não comunicável com o atual cônjuge, com quem ela é casada na comunhão parcial de bens. Portanto, é possível a doação pretendida, para que ambos sejam condôminos no imóvel. Sendo o bem no Estado do Rio Grande do Sul, incidirá na doação o ITCD, à alíquota de 3% sobre a avaliação atribuída à metade ideal do imóvel pela Fazenda Estadual.

  6. marcia disse:

    Muitíssimo Obrigada pela rápida e precisa resposta. Parabéns pelo blog que através de sábios e atualizados colunistas como o senhor presta de forma generosa e benevolente excelente serviço público aos cidadãos.
    Grande Abraço.

  7. BETINA ANGÉLICA FEIL disse:

    Uma grande dúvida minha referente ao programa MCMV é a questão dos valores cobrados pela Caixa Econômica para fazer a documentação (contrato da compra e venda + registo no RI + pagamento do ITBI). A Escritura Pública de Compra e Venda com Alienação Fiduciária feita no Tabelionato é bem mais barata que a feita pela própria Caixa. Ai pergunto, se o programa MCMV é para beneficiar o cidadão e o registro do Imóvel junto ao RI já é reduzido a 50% do valor, como é que a Caixa pode cobrar bem mais que os emolumentos do Tabelionato? E se eu quiser fazer a Escritura Pública ao invés do Contrato da Caixa, será que conseguiria? Pois assim, gastaria bem menos. Aguardo! Obrigada desde já. Att, BETINA

  8. nanda disse:

    Boq noite , posso comprar um imovel minha casa minha vida atravez de procuracao publica e cobtrato de compra e venda?
    e depois dos 5 anos posso fazer a escritura pro meu nome com essa procuracao publica?

    Nanda

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