RECONHECIMENTO DE FIRMA E CONTRATOS INVÁLIDOS

Há temas que estão longe de ter entendimento pacífico entre profissionais dos diversos campos da atividade humana, como ocorre no meio de notas quanto à possibilidade do tabelião dar curso ou negar o reconhecimento de firma em contratos, recibos, declarações e outros papéis que apresentam conteúdo inválido, ilegal, imoral ou atentatório aos limites de dignidade.

A título de exemplo, foi negado o reconhecimento de firma em uma procuração para fins de casamento, sob o argumento de que a outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado (art. 657 CC).

Contrariada, e tendo matrimônio agendado em outra unidade da federação, onde não poderia se fazer presente no dia e hora agendados, a pessoa dirigiu-se a um segundo serviço de notas, que fez o reconhecimento solicitado, sem nenhuma dificuldade.

Qual tabelião agiu de acordo com os princípios éticos e morais que norteiam a atividade?

De forma resumida, reconhecimento de firma é a declaração de autoria da assinatura em documento, com o que o segundo tabelião nada mais fez do que a prestação do serviço que lhe foi solicitado.

Para Humberto Theodoro Júnior “a presunção de veracidade acobertada pela fé pública do oficial só atinge aos elementos de formação do ato e a autoria das declarações das partes, e não ao conteúdo destas mesmas declarações…” (Curso de Direito Processual Civil – vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1998, pag. 446).

Por outro lado, a Consolidação Normativa Notarial e Registral do Estado do Rio Grande do Sul determina que “os tabeliães só poderão lavrar ou autenticar, inclusive por reconhecimento de firmas, atos conforme a lei, o direito e a justiça” (art. 585).

A tabeliã Sheila Luft Martins, sobre a função notarial, ensina que “uma das principais características da atividade notarial, que reflete inclusive um de seus alicerces, é a segurança jurídica proporcionada pela participação do tabelião, profissional do Direito, isento e detentor de fé pública”.

De posse da procuração particular, o mandatário compareceu para a cerimônia de casamento do mandante, quando deu-se o problema, eis que o cartório do registro civil exigiu instrumento público (art. 1.542 CC).

Papéis particulares que afrontam a lei, o direito e a justiça, quando possíveis de verificação imediata, devem ter negado o acesso no serviço de notas, até porque a participação do tabelião, ainda que seja meramente reconhecendo a firma, sem entrar no mérito do conteúdo, acaba gerando uma falsa presunção de veracidade, ao leigo.

O TJ/RS, em sentença confirmada pelo STJ (REsp nº 1.453.704), reconheceu que “a falha na prestação do serviço prestado pelo tabelião gera um sentimento negativo no cidadão, que é suficiente para abalar um dos atributos da personalidade, a honra subjetiva“.

Não se pode esquecer que o art. 1º da Lei 8.935/94 preceitua que os serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.

Por isso, e não sendo pacífica a doutrina, deve o tabelião observar a sua função social, antes de tudo.

Últimos posts

EXIBINDO 17 COMENTÁRIOS

  1. AGUIEL MOISÉS RODRIGUES disse:

    Então faço correto ao recusar o reconhecimento de firma de firma em contratos de promessa de compra e venda de partes ideais de “terrenos” em zona rural?!

  2. Samuel Luiz Araújo disse:

    Parabéns pelo texto, Hildor!
    Eu penso como você. Temos de ir além da grafia correta.

  3. J. Hildor disse:

    No Rio Grande do Sul, a CNNR/CGJ, no art. 691, expressa o seguinte:
    “Os tabeliães devem abster-se de lavrar escrituras correlativas a negócios jurídicos de alienação de frações ideais, quando, à base de dados objetivos, constaram ocorrência de fraude e infringência à Lei nº 6.766 …”
    Assim, havendo vedação à escritura, deve a mesma estender-se ao reconhecimento de firmas em documentos particulares, quando for possível verificar que o objetivo é a formação de condomínio irregular, ou loteamento clandestino, seja o imóvel urbano, ou rural.
    Os parágrafos do referido artigo esclarecem melhor.
    E o art. 693 inclusive alerta que se houver indícios suficientes ou evidência de loteamento de fato, aos notários cumpre encaminhar notícia ao representante do MP.

  4. J. Hildor disse:

    Samuel, ainda na semana passada uma pessoa “enlouqueceu”, aqui, porque viajou desde o interior do Estado de São Paulo até Canela, exclusivamente para assinar uma escritura pública, e não foi aceita a procuração particular que trazia, com a firma reconhecida por tabelião, inclusive com o título “Minuta de Procuração”.
    Veja o detalhe: a minuta tinha sido enviada daqui para lá, a requerimento da própria parte, justamente para que a procuração fosse aceita aqui, e alertava que era modelo a ser levado ao tabelionato, para lhe dar forma pública.

  5. Ayrton Carvalho Filho disse:

    Prezado Hildor, parabéns pelas colocações e argumentação jurídica.De forma resumida disseste tudo. Exemplos de reconhecimento de firmas que temos negado aqui no 1º Tabelionato de Notas de Porto Alegre são aqueles que tratam sobre a “compra e venda de área verde” e a “cessão de direitos hereditários por instrumento particular”. Pena que existem entendimentos diversos por partes de alguns colegas…pena. Abraço e parabéns novamente. Ayrton

  6. J. Hildor disse:

    Ayrton, a preocupação é pertinente.
    É uma pena, sem dúvida.
    Mas, quem sabe, aos poucos, as coisas não comecem a tomar outro rumo?
    Tomara que sim. Tomara.

  7. Tirza Fonteles disse:

    Caro J .Hildor, estou com um problema agora, pois acabo de vir do cartório de minha cidade onde eles recusaram autenticar um documento que imprimi, um certificado digital de curso online, sendo que tem o número para verificação, conteúdo do curso e todas as informações necessárias para verificar que de fato fiz o curso e que é reconhecido pela ABED. Gostaria de saber se tenho direito de ter meu documento autenticado, ou se eles estão certos de recusarem a autenticar meu documento., pois preciso das xerox autenticadas em cartório para prova de títulos em concurso da prefeitura, que acontece esta semana!

  8. J. Hildor disse:

    Tirza, a autenticação é feita a partir de um documento original.
    Quando se trata de documento impresso a partir de um site, o tabelião não tem como saber se é cópia de um original, ou não.
    No entanto, se o tabelião tiver como ele próprio acessar o site e a partir daí verificar a sua autenticidade, então poderá prestar o serviço solicitado.
    O fato de ter o número para verificação nem sempre possibilita o acesso à íntegra do documento impresso.
    Por isso, não há como dizer se está coreto ou não o procedimento do cartório.
    Em alguns Estados há previsão para constatar isso através de ata notarial.

  9. Samantha disse:

    Hildor,
    Gratidão pela lucidez dos seus textos e respostas.
    Comprei um terreno que integra o espólio de um inventário não concluído, já tendo sido realizada Partilha Amigável assinada pelos herdeiros e pelo advogado do inventário sem reconhecimento de firma nem assinatura de testemunhas. Esta partilha é legalmente válida?
    Já o nosso contrato foi intitulado como “Contrato Particular de Cessão de direitos hereditários e Compromisso de Compra e venda”, embora esteja esclarecido em cláusula que o valor TOTAL da venda foi pago no ato da assinatura. Reconhecemos em Cartório as firmas dos promitentes compradores (eu e meu marido) e vendedores (a herdeira a quem coube o bem na Partilha Amigável e seu esposo). Mas não colhemos assinatura das duas testemunhas previstas.
    Como fica a validade deste nosso contrato? E como as falhas poderiam ser solucionadas?
    Caberia adjudicação de algum modo antes do encerramento do inventário?

  10. Samantha disse:

    Hildor,
    Gratidão pela lucidez dos seus textos e respostas.
    Comprei um terreno que integra o espólio de um inventário não concluído, já tendo sido realizada Partilha Amigável assinada pelos herdeiros e pelo advogado do inventário sem reconhecimento de firma nem assinatura de testemunhas. Esta partilha é legalmente válida?
    Já o nosso contrato foi intitulado como “Contrato Particular de Cessão de direitos hereditários e Compromisso de Compra e venda”, embora esteja esclarecido em cláusula que o valor TOTAL da venda foi pago no ato da assinatura. Reconhecemos em Cartório as firmas dos promitentes compradores (eu e meu marido) e vendedores (a herdeira a quem coube o bem na Partilha Amigável e seu esposo). Mas não colhemos assinatura das duas testemunhas previstas.
    Como fica a validade deste nosso contrato? E como as falhas poderiam ser solucionadas?
    Caberia adjudicação de algum modo antes do encerramento do inventário?

  11. J. Hildor disse:

    Samantha, fica difícil dar opinião sem a possibilidade de conhecer a real situação, como os termos de inventário e da partilha assinada, pendente de homologação, além do teor do contrato que foi feito.
    A melhor orientação e que procures um advogado em sua cidade, exibindo os documentos que tiveres, para buscar uma informação mais segura.

  12. Samantha disse:

    Agradeço.

  13. willia souza santos disse:

    Boa tarde, sou funcionário de um cartório em Mato Grosso, tenho uma pequena duvida: A tabeliã substituta nos orienta a cobrar no reconhecimento de firmas por procuração a qualificação da mesma no documento do cliente. Ex: Vendedor: Willia Souza Santos, brasileiro, solteiro, portador do RG n°. ………, CPF…………………, e assim por diante toda qualificação do vendedor. assim como disse no começo ela exige que coloquem no documento particular da pessoa, (neste ato representado por procuração lavrada no Lv…….., Fls……….., no cartório de ……………………, MT. Uma vez que eu entenda como desnecessária tal cobrança pois o que devemos observar em um reconhecimento de assinatura e a qualificação da parte, e se a mesma possui a procuração para tal poder? Outra duvida principalmente nas procurações para venda de veiculo se a procuração não constar (podendo representar em tabelionatos, autarquias, ou repartições publicas ela não autoriza o reconhecimento) entendo que se a pessoa recebe uma procuração com total poderes de vender, doar, fazer o que quiser com o veiculo o mesmo pode reconhecer firmas, pois me pergunto como a pessoa pode vender um veiculo e não pode reconhecer assinatura. Quase ganhei as contas pois fiz um reconhecimento deste. Por favor alguem pode me ajudar?

  14. J. Hildor disse:

    Willia, não seria ético de minha manifestar posição sobre o procedimentos a serem adotados por determinados colegas de profissão.
    Sinto não poder ajudá-lo.

  15. Cassia disse:

    Posso tirar xerox de outra xerox autenticada e autenticar a mesma?

  16. SONIA JESUS disse:

    BOA TARDE, NUM CONTRATO JA ASSINADO, ALGUEM TIROU UMA COPIA ASSINOU NOVAMENTE E DESEJA RECONHECER A ASSINATURA. ISSO PODE SER FEITO? POIS ESTAREI TRANSFORMANDO A COPIA EM UM ORIGINAL, A PARTIR DO MOMENTO QUE RECENHI A ASSINATURA.

  17. Caroline Mirandolli disse:

    Muito bom o texto senhor Hildor!Parabéns!!! Penso que o tabelião de notas deve, na medida do possível, examinar juridicamente as situações que lhe são apresentadas através de documentos, de forma a auxiliar no controle da legalidade dos negócios firmados e cumprindo sua função social garantiro maior segurança jurídica às relações negociais.Um abraço, Caroline Mirandolli.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *