Sub-rogação das cláusulas de incomunicabilidade

É indispensável a autorização judicial para sub-rogação real da cláusula de inalienabilidade. Pergunta-se: é necessária a autorização judicial para a sub-rogação das cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade?

              Abordei o tema no livro que publiquei sobre as restrições voluntárias na transmissão de bens imóveis[1], em razão das controvérsias que encerra.

Inicialmente, é de se afirmar que, sub-rogada a cláusula de inalienabilidade, sub-rogadas estão as demais, por implicar a inalienabilidade em incomunicabilidade e impenhorabilidade. Contudo, quando impostas isoladamente, o tema comporta algumas digressões.

A imposição das cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade não impede a alienação do bem gravado, ou seja, o direito de dispor do bem não sofre qualquer restrição.

Decidindo o proprietário de tal bem aliená-lo, transferindo o gravame para outros bens (sub-rogação real), terá que requerer autorização judicial? A autorização prevista no § 2° do art. 1.848 e no parágrafo único do art. 1.911 do Código Civil diz respeito à venda (ou outra forma de transmissão onerosa), sendo desnecessária autorização para venda quando não há cláusula de inalienabilidade. Por outro lado, não se pode impedir que o interessado promova a sub-rogação real das cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade.

Carlos Alberto Dabus Maluf diz que “[…] é preciso deixar bem claro que na hipótese de o testador gravar os imóveis somente com as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, não há que se falar em sub-rogação de vínculo”.

Ademar Fioranelli, por seu turno, admite a sub-rogação, mas apenas com autorização judicial. Cita decisão em procedimento de dúvida por ele suscitada, julgada procedente, relativa a permuta pela qual o donatário permutou imóvel recebido em doação, gravado com as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, constando da escritura que os vínculos eram transferidos para o imóvel por ele recebido. O magistrado decidiu que a imposição das cláusulas sobre o bem recebido dependia de apreciação judicial e que “[…] a sub-rogação não se opera de pleno direito, é imprescindível a autorização judicial”. Em outro procedimento de dúvida, nos autos do proc. nº 583.00.2008.211882-9, o juízo da Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo entendeu que o § 2° do art. 1.848 do Código Civil não se aplica apenas na hipótese de inalienabilidade, sendo indispensável a autorização judicial para a sub-rogação das cláusulas em questão.

Não obstante tão abalizadas opiniões e as decisões administrativas do Tribunal de Justiça de São Paulo, algumas considerações merecem ser tecidas.

Inicialmente, quanto à incomunicabilidade, não se pode olvidar a regra domiciliada no inciso I do art. 1.668 do Código Civil: “[…] são excluídos da comunhão: I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar”. A lei estabelece a exclusão da comunhão dos bens recebidos a título gratuito com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar. Diante de tal dispositivo legal, necessária seria a intervenção judicial para determinar a sub-rogação, se a lei já o faz? Parece-me que não, especialmente em procedimento de jurisdição voluntária.

Se houver litígio entre os cônjuges, quanto à sub-rogação ou não, será cabível a intervenção judicial, em seara contenciosa. Contudo, não havendo litígio, diante da manifestação do casal, da documentação comprobatória da sub-rogação e da letra da lei, o que motivaria a intervenção judicial em jurisdição voluntária?

Evidentemente que tanto o tabelião quanto o registrador devem estar atentos a uma série de fatores e, como profissionais do direito que são (art. 3° da Lei 8.935/94), praticarão os atos que lhes cabem de acordo com a legalidade. Exemplificativamente, se o bem incomunicável tem o valor de R$100.000,00, a sub-rogação estará limitada a tal valor; é indispensável a manifestação do casal anuindo com a sub-rogação; deve estar comprovada a relação entre a alienação do bem incomunicável e a aquisição do que receberá o vínculo (fica evidente numa permuta, mas a venda e a compra em datas próximas, a utilização para a compra de cheques recebidos na venda, por exemplo, também podem comprovar a relação). Comprovada a cadeia de operações, deve ser reconhecida a sub-rogação da incomunicabilidade, decorrente da lei.

O Código Civil, disciplinando o regime de bens da comunhão parcial, também prevê hipóteses de sub-rogação, sem referência a cláusula de incomunicabilidade, dispensável na hipótese em face do regime. Vejamos: “art. 1.659. Excluem-se da comunhão: I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares”. A sub-rogação é legal, independe de qualquer autorização, e é lícito aos cônjuges requerer ao registro imobiliário que conste do fólio real que o bem está excluído da comunhão, pertencendo com exclusividade a apenas um deles. Ao registrador caberá tomar as cautelas aludidas no parágrafo anterior e praticar o ato de averbação. Se no regime da comunhão parcial de bens é viável reconhecer que o bem pertence exclusivamente a um dos cônjuges, também o é no regime da comunhão de bens, existindo cláusula de incomunicabilidade. No fólio real, a diferença está em que a averbação será feita com amparo no art. 246 da Lei 6.015/73, quando se tratar de bem particular no regime da comunhão parcial, e na averbação da cláusula de incomunicabilidade com alicerce no art. 167, II, 11, da Lei 6.015/73, quando se tratar de bem incomunicável no regime da comunhão de bens, tratando as duas hipóteses, contudo, de sub-rogação prevista em lei.

Como se vê, não há razão para autorização judicial da sub-rogação da incomunicabilidade.

No que diz respeito à sub-rogação da impenhorabilidade, não há regra equivalente à da incomunicabilidade. A questão é mais complexa por envolver interesses de terceiros, não se circunscrevendo ao interesse do casal, tal qual na incomunicabilidade.

Por não exigir a lei autorização judicial para a sub-rogação da impenhorabilidade, deve a mesma ocorrer se comprovada a cadeia de transações, como na incomunicabilidade, cabendo aos tabeliães e registradores exercerem adequadamente a qualificação evitando qualquer burla à cláusula.

O instituidor, ao impor a cláusula de impenhorabilidade, mas não a de inalienabilidade, certamente o fez consciente de suas razões, querendo proteger o beneficiário sem retirar-lhe o poder de disposição dos bens. A manutenção da cláusula, com sua sub-rogação em caso de alienação, cumprirá seu objetivo e atenderá à vontade do instituidor, sem que haja desrespeito a qualquer direito de terceiro. E, para tal, não há previsão de autorização judicial, razão pela qual, exigi-la, parece um excesso de zelo, especialmente se a sub-rogação será qualificada por notários e registradores. Vivemos momento em que a desjudicialização está em voga, com transferência de atribuições, antes exclusivas do Poder Judiciário, para os tabelionatos e registros. Exigir autorização judicial onde a lei não exige é caminhar na contramão.  

 


[1] SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza. As restrições voluntárias na transmissão de bens imóveis – cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. São Paulo: Quinta Editorial, 2.012.

 

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  1. Fabio Roberto da Silva disse:

    BOA NOITE, ESTOU EM UM PROCESSO DE SEPARAÇÃO E A JUÍZA PRIMEIRA INSTÂNCIA SENTENCIOU, COMPREI UM IMÓVEL DE R$ 420.000,00 SÓ QUE VENDI UM OUTRO IMÓVEL DE R$ 330.000,00 E COLOQUEI INTEGRALMENTE O VALOR DE r$ 330.000,00; E NA SENTENÇA ELA DECIDIU QUE 2/3 DO IMÓVEL FICANDO COMIGO E 1/3 PARA OUTRA PARTE ELA SIMPLESMENTE DESCONSIDEROU O VALOR DE R$ 330.000,00 ONDE SERIA O CORRETO ELA FAZER A DIVISÃO DE APENAS R$ 90.000,00 PEÇO ESCLARECIMENTOS.

    ABS,
    FÁBIO ROBERTO

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