USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL: A posse exclusiva para fins de usucapião no caso de condomínio ou de herança

  em Notarial

INTRODUÇÃO

No atendimento a pessoas que pleiteiam usucapião é comum nos depararmos com casos de condomínio ou de herança que geram dúvida sobre o direito dos requerentes. A jurisprudência já definiu que é possível a usucapião de bem que se encontra em situação de condomínio, desde que seja provada a posse exclusiva. Mas o que seria a posse exclusiva? Como deve atuar o tabelião nesses casos? Cabe a ele definir se a posse é ou não exclusiva?

Devemos nos lembrar da lição de Arnaldo Rizzardo, segundo a qual o reconhecimento judicial da prescrição aquisitiva tem como objetivo “consolidar uma situação de fato, legalizando-se e transmitindo-se para a propriedade”. Entendemos ser essencial, portanto, que o Tabelião compreenda profundamente a situação de fato. No entanto, nem sempre será possível ouvir todos os condôminos, razão pela qual será imprescindível constar da ata todos os fatos apurados.

Passaremos a analisar algumas situações que são recorrentes nos cartórios. Em seguida, apresentaremos os requisitos para a posse exclusiva, segundo a jurisprudência atual.

 

1- CASOS DE CONDOMÍNIO

1.1 – A GARAGEM

Um caso freqüente desde que passou a ser admitida a usucapião extrajudicial é o que envolve a vaga de garagem. O primeiro passo é examinar a matrícula do imóvel para identificar a situação registral da garagem: vaga que constitui unidade autônoma; vaga que é acessório de uma unidade autônoma ou garagem área comum de uso de todos os condôminos. Para cada situação, haverá uma orientação diversa.

A vaga que é unidade autônoma, com matrícula própria, poderá ser usucapida se demonstrado seu uso exclusivo pelo período legal em face do proprietário que consta na matrícula. Já se a vaga é parte de uso exclusivo de uma unidade autônoma, o pedido será formulado em face do titular dessa unidade, podendo, se demonstrada a aquisição por usucapião, ser objeto de matrícula própria ou ser acrescida aos direitos de outra unidade titularizada pelo usucapiente.

Por fim, há o caso em que a garagem é área comum, de uso de todos os condôminos, sendo que os moradores definem se esse uso se dará por rodízio ou por sorteio. Nessa hipótese, não ocorre a posse exclusiva, mesmo que um dos condôminos utilize sempre a mesma vaga, por mais de 10 (dez) anos. Trata-se de mera tolerância dos demais condôminos com a situação de fato, o que não caracteriza posse que gera usucapião.

Marcelo Couto afirma que, na hipótese de garagem que é área comum, não haverá “posse jurídica” em razão do disposto no art. 1.208 do Código Civil. Couto menciona Benedito Silvério Ribeiro, para quem: “Sendo indeterminada a vaga de garagem, também chamada garagem coletiva, sem locação física, em que o exercício da posse não é exclusivo, mas sim de toda a comunidade condominial, descabe a usucapião pra o fim de ser declarado o domínio.”

 

1.2 – POSSE EXCLUSIVA DE PARTE DE ÁREA COMUM EM CONDOMÍNIO EDILÍCIO

Existe também a situação em que um condômino cerca uma área que antes era comum e faz dela parte do seu imóvel, usando-a como se fosse sua pelo período de tempo necessário para a usucapião. A situação é possível, por exemplo, em condomínios edilícios, nos quais existe um apartamento que tem uma área anexa que se comunica com a entrada ou com a saída do apartamento ou ainda área superior ou inferior ao apartamento. Se for construído um muro para separar essa área e nenhum dos demais condôminos se manifestar pelo prazo necessário para a usucapião, poderá ser configurada a perda da propriedade para o usucapiente.

Francisco Nobre ressalta que há divergência sobre a possibilidade de usucapião contra condôminos, razão pela qual deve haver maior cautela para seu reconhecimento em sede administrativa:

Ocorre, por vezes, que condôminos, em edifício de apartamentos, fechem, com grades ou portas, partes comuns como corredores ou terraços, sob o argumento de que somente servem à sua unidade.

Embora existam alguns precedentes jurisprudenciais no sentido da possibilidade de usucapião de partes comuns, a tese largamente predominante é da impossibilidade, o que inviabiliza, ou ao menos recomenda cautela redobrada em seu reconhecimento em sede administrativa.

Marcelo Couto, por outro lado, esclarece que o pedido de usucapião contra condôminos pode ser viável se a área comum objeto da usucapião consistir em um espaço com acesso restrito apenas para a unidade do usucapiente. Os exemplos por ele mencionados são: área no primeiro piso, cobertura da última unidade, ou parte do hall de acesso à unidade que for incorporada na área de uso exclusiva, com fechamento de portas ou paredes. Ressalta ainda que é preciso verificar se não existiu autorização de uso pelo usucapiente, concedida pelo síndico ou pela assembléia, pois “não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância”, conforme art. 1.208 do Código Civil. O autor destaca:

Pode ocorrer, também, de haver pretensão de aquisição de área comum em condomínio edilício.

A propriedade edilícia é submetida ao regime jurídico no qual a unidade autônoma é composta de uma parte de propriedade exclusiva e outra de propriedade comum, de modo que essa situação condominial só pode ser desconstituída pela vontade unânime dos condôminos.

[…]

A primeira consideração que se faz é a de que disposição do § 11 do art. 216-A da LRP não pode ser aplicada ao pedido de usucapião de área comum em condomínio edilício. Se a pretensão é de usucapir área pertencente a todos os condôminos, deverá haver anuência ou intimação da totalidade dos titulares das unidades autônomas, não sendo suficiente a manifestação do síndico.

O segundo ponto é identificar se haverá posse exclusiva do condômino, com exclusão dos demais. Ou seja, é necessário que os outros condôminos não tenham a possibilidade de usar aquela área comum, de modo que somente o titular de uma unidade tenha posse da área.

Se somente um condômino utiliza a churrasqueira, piscina ou salão de festa, situada em área comum de acesso permitido a todos os condôminos, a pretensão aquisitiva não poderá ter êxito, já que o uso por uma só pessoa não exclui a possibilidade dos demais também utilizarem aquela área.

De outro lado, o pedido pode ser viável se a área comum objeto da usucapião consistir em um espaço cujo acesso apenas a unidade do usucapiente tem, tal como uma área no primeiro piso, a cobertura da última unidade, ou até mesmo uma parte do hall de acesso à unidade que for incorporada na área de uso exclusiva, com fechamento de portas ou paredes. Deve-se verificar, entretanto, se não existiu autorização de uso pelo usucapiente, concedido pelo síndico ou pela assembléia, uma vez que “não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância”, conforme art. 1.208 do CC.

Ainda sobre a questão da autorização de uso, vale trazer à baila o direito de uso, gozo e fruição por uma unidade autônoma de área comum existente no pilotis do Condomínio. Há situações nas quais construtoras, incorporadoras ou proprietárias inserem na Convenção de Condomínio cláusula de uso exclusivo de certas áreas comuns, que são denominadas neste instrumento como “áreas reservadas”, o que pensamos tratar-se de atos de mera permissão ou tolerância, não sendo possível usucapião por aquele que foi beneficiado pela previsão na convenção. No caso de existência de “áreas reservadas”, se a forma prevista para rateio das despesas do condomínio for por fração ideal, a área comum que está sendo utilizada de forma exclusiva deverá ser levada em consideração, sob pena de enriquecimento ilícito do proprietário da unidade autônoma que detém o uso exclusivo.

O Superior Tribunal de Justiça – STJ, em 1999, julgou procedente pedido de usucapião de corredor que foi desvirtuado em razão de alteração de projeto, passando a área a ser utilizada de forma exclusiva por alguns condôminos:

Ementa: CONDOMÍNIO. Área comum. Prescrição. Boa-fé. Área destinada a corredor, que perdeu sua finalidade com a alteração do projeto e veio a ser ocupada com exclusividade por alguns condôminos, com a concordância dos demais. Consolidada a situação há mais de vinte anos sobre área não indispensável à existência do condomínio, é de ser mantido o status quo. Aplicação do princípio da boa-fé (suppressio). Recurso conhecido e provido. (REsp 214680/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª. Turma. DJ 16/11/1999)

Do voto do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, deve se reproduzida a parte abaixo, que bem esclarece o fundamento do julgamento favorável:

[…] É certo que a prescrição não pode ser invocada por um condômino contra outro quando se trata de área destinada ao uso comum e indispensável à existência do condomínio, conforme lição doutrinária invocada nos autos (Benedito Silvério Ribeiro, Tratado de Usucapião, ed. Saraiva, I/286). No caso em tela, contudo, os réus e ora recorrentes passaram a ocupar a parte do corredor que leva aos seus apartamentos, porque houve alteração no próprio projeto de construção do prédio, com incorporação de unidades, de tal sorte que o final do corredor dos seus apartamentos perdeu a razão de ser, e o espaço que lhes correspondia transformou-se em área morta, sem qualquer utilidade para o condomínio, permitindo a colocação da porta de entrada no lugar onde hoje se encontra. Logo, não se trata de área indispensável à existência do condomínio e possível o reconhecimento da prescrição.

Compreende-se do Acórdão do STJ que é possível a usucapião se a área não for essencial para a existência do condomínio, tendo sido incorporada por um dos condôminos para seu uso exclusivo durante o período de tempo necessário para a usucapião.

O mesmo Superior Tribunal de Justiça, em 2008, novamente manifestou-se sobre a possibilidade de condômino usucapir se exercer posse exclusiva sobre o imóvel, afirmando tratar-se de jurisprudência consolidada:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. USUCAPIÃO. CONDOMÍNIO. SÚMULA 7/STJ. MANUTENÇÃO DA DECISÃO HOSTILIZADA PELAS SUAS RAZÕES E

FUNDAMENTOS. AGRAVO IMPROVIDO.

I – Esta Corte firmou entendimento no sentido de ser possível ao condômino usucapir se exercer posse exclusiva sobre o imóvel. Precedentes.

II – Não houve qualquer argumento capaz de modificar a conclusão alvitrada, que está em consonância com a jurisprudência consolidada desta Corte, devendo a decisão ser mantida por seus próprios fundamentos. Agravo improvido. (AgRg no Ag 731971 / MS, Rel. Ministro Sidnei Beneti. 3ª Turma. Dje 20/10/2008)

Assim, para o Superior Tribunal de Justiça, não há dúvida sobre a possibilidade de condômino usucapir quando houver posse exclusiva.

 

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Autoras:

Ana Clara Amaral Arantes Boczar Graduada em Direito pela Faculdade Milton Campos (2015), pós-graduada em Direito Privado pela Universidade Cândido Mendes e pós-graduada em Direito Notarial e Registral pela parceria do Instituto Nacional de Direito e Cultura (Indic) com o Centro de Direito e Negócios (Cedin). Trabalhou como conciliadora voluntária no Tribunal de Justiça de Minas Gerais de 2016 a 2017. Advogada, atuou na área trabalhista entre 2015 e 2016. Atualmente, atua na área cível, nas esferas judicial e extrajudicial. Autora do livro Usucapião Extrajudicial.

Daniela Bolivar Moreira Chagas – advogada com atuação nas áreas de direito imobiliário, notarial e registral. Especialista em Direito Registral e Notarial pela faculdade Milton Campos e em Direito Público pela ANAMAGES- Associação Nacional dos Magistrados Estaduais. Vice-presidente da Comissão de Direito Notarial e Registral e membro da Comissão de Direito Imobiliário, ambas da OAB/MG. Coautora do livro Temas Atuais da Comissão de Direito Notarial e Registral do Conselho Federal da Oab. Professora de direito registral nos cursos oferecidos em parceria na ESNOR – Escola Superior de Notários e Registradores e CORI – Colégio Registral Imobiliário Do Estado de Minas Gerais. Professora e co-coordenadora da pós-graduação em direito notarial e registral do Cedin Educacional em BH/MG.

Letícia Franco Maculan Assumpção – Graduada em Direito pela UFMG, pós-graduada, mestre e doutoranda em Direito. Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. Diretora do Instituto Nacional de Direito e Cultura – INDIC. Professora e co-coordenadora da Pós-Graduação em Direito Notarial e Registral na parceria INDIC-CEDIN. Presidente do Colégio Registral de Minas Gerais e Diretora do CNB/MG. Autora dos livros Notas e Registros, Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil e Usucapião Extrajudicial, além de diversos artigos na área do direito notarial e registral.

 

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