DOS ANIVERSÁRIOS DO LULA ATÉ 31 DE ABRIL

Telefonou-me gentil senhora, aflita, motivada por um artigo publicado neste espaço, noutro dia, acerca dos aniversários do Presidente Lula. Agora, também a senhora ao telefone relata igual problema, com um agravante: foi registrada quando tinha cinco anos de idade, e para não pagar multa, o pai declarou que a menina tinha cinco dias, não cinco anos.

Assim, passou a ir à escola ao completar seis anos, ou seja, aos onze. A matrícula para o curso primário não era possível sem a certidão, e lá, na certidão, ela só tinha um ano de idade, aos seis – que confusão. Por isso, seis mais cinco, onze, ou seja, seis anos no papel e onze de sofrimentos, que a vida era dura naqueles tempos, começou a conhecer o abecê dos livros quando já estava letrada no beabá da vida, mocinha com vergonha do sutiã – era a única que usava, na classe inteira.

Agora, passada sua infância, que quase não teve, passada a adolescência, que nem viu passar, passado o casamento – teve que esperar até os 21 para casar, porque foi aí que completou 16 anos no papel, ficou viúva aos 17, significando 22 anos, com um filho para criar e outro na barriga, e passado tudo isso e muito mais, e tendo agora chegado à velhice, com idade vivida suficiente para aposentar-se, falta-lhe idade de papel para obter o justo benefício. Em outras palavras, está hoje com 60 anos bem sofridos na carcaça (foi ela que usou a expressão), e apenas 55 na certidão, na carteira de identidade “e até no CPF” – resmungou ao telefone. Que fazer?

Orientei-a para que procure um advogado e ingresse em juízo, com pedido de retificação de registro civil, fazendo prova do erro com a certidão de batismo, que ela disse estar com a data correta, além de prova testemunhal, quem sabe alguma professora da época, alguns colegas do primário, enfim, quantos possam dizer ao juiz que de fato a conhecem, desde a infância, sabedores de sua idade real, de modo a convencer o magistrado quanto à sua verdadeira idade.

Alertei-a sobre os riscos, a exemplo da decisão que segue: “APELAÇÃO. REGISTRO CIVIL. DATA DE NASCIMENTO. RETIFICAÇÃO. PROVA. A inexistência de prova segura, ou ao menos coerentes entre si, inviabiliza a alteração da data de nascimento. A certidão de batismo, por si só, não serve de prova para alterar registro civil. NEGARAM PROVIMENTO.” (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70013799200, OITAVA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: RUI PORTANOVA, JULGADO EM 02/03/2006)

O relato da pobre senhora fez-me recordar um fato insólito, quando pleiteada retificação de data de nascimento, que havia constado no registro como 31 de abril. Convicto da decisão favorável, o advogado da requerente juntou certidão de batismo à petição, e nada mais, por entender nada mais ser preciso. Recebido e autuado o pedido, o magistrado abriu vistas – art. 109 da Lei dos Registros Públicos – ao órgão do Ministério Público, que exarou o seguinte parecer: “Prove a requerente não ter nascido em 31 de abril”.

Ad-probationem, meu saudoso amigo e professor, patrono da causa, Dr. José Ivo Dias da Silva, requereu a juntada aos autos de um calendário, ressalvando ainda, por medida de maior segurança, que abril termina sempre no dia 30, e diferentemente do que ocorre em fevereiro, sem nenhuma chance de prorrogação.

Tanto restando provado, a decisão foi favorável, enfim.

 
 

 

 

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  1. J. Hildor disse:

    Acabei de comunicar a boa senhora que tem 60 anos na carcaça, como ela mesma diz, e 55 no papel, sobre recente decisão favorável, do TJ/RS, em caso semelhante, e com diferença de idade ainda maior: 8 anos. Segue a ementa.
    APELAÇÃO CÍVEL. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. Sendo a certidão de batismo de data anterior à data do nascimento, evidente que a constante no registro civil não é a correta. O registro eclesiástico aliado à prova testemunhal coligida é suficiente para retificar a data de nascimento constante no registro civil. RECURSO PROVIDO. EM MONOCRÁTICA. (TJRS – Aci n° 70030311385 – Rio Pardo – 8ª Câm. Cível – Rel. Des. Rui Portanova – DJ. 12.07.2009).

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