Reprodução humana assistida

 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA: AS CONSEQUÊNCIAS DO SURGIMENTO DE FAMÍLIAS CONSTRUÍDAS IN VITRO

 

RESUMO

 

O presente trabalho tem por finalidade apresentar uma abordagem a respeito da revolução que as técnicas de reprodução humana assistida têm promovido dentro da família, uma vez que são de extrema relevância as consequências da tecnologia aplicada no campo das relações humanas.

Um dos maiores perigos jurídicos, consiste na quase ausência de regulamentação a respeito da matéria, o que inclusive já é uma realidade que chega aos Tribunais Brasileiros e Oficiais de Registro Civis.

Assim, o estudo em comento visa debater sobre essa nova realidade e ao mesmo tempo propor uma reflexão a respeito dos novos caminhos que a evolução da biotecnologia pode trazer para as famílias, notadamente quanto à inseminação post mortem, bem como o atual procedimento registral.

 

Palavras Chaves: Reprodução humana assistida, família, post mortem, embrião, procedimento registral.

 

ABSTRACT

 

This paper is intended to present an approach for understanding the revolution that the techniques of assisted human reproduction have promoted within the family, since it becomes extremely important the consequences in the field of applied technology of human relationships.

One of the biggest legal dangers, is the almost absence of regulation on the subject, which is already a reality that comes to Brazilian Courts and Notary Registration

Thus, the study under discussion aims to discuss this new reality and at the same time propose thinking about new ways that developments in biotechnology can bring to families, especially regarding the post mortem insemination, as well as the current registral procedure.

 

Key Words: Assisted human reproduction, family, post mortem, embryo, registral procedure.



INTRODUÇÃO

 

Acompanha-se, através dos tempos uma verdadeira revolução biotecnológica. De forma paulatina, mas concreta, passou-se a perceber cada vez mais a influência das pesquisas laboratoriais no cotidiano mundial.

Se em um primeiro momento as novidades se apresentaram no setor agrícola através dos alimentos biologicamente modificados, hoje já se estende para as pesquisas relacionadas ao homem.

E, é justamente a possibilidade de aliar os conhecimentos com a medicina genética e o Direito, o foco do presente trabalho, uma vez que se torna relevante a questão da tecnologia aplicada no campo das relações humanas.

Inevitável que o progresso científico traz consigo uma importante responsabilidade, quer seja a administração de um legado, sem ferir nenhum preceito ético ou moral da pessoa humana. Disso, podemos retirar importante reflexão: quais as consequências do avanço tecnológico, notadamente para a família com a reprodução humana assistida?

O conceito de família também sofreu profundas modificações. De início a família patriarcal, estatizada no conceito do pater familias e voltada para os laços sanguíneos, deu lugar aos poucos para a família do afeto.

Ao lado do afeto entra em cena a biotecnologia, justamente para atender os anseios de casais por gerar um filho, especialmente na família homoafetiva, na qual a possibilidade de gerar uma nova vida com material biológico de um dos pais, necessariamente depende do auxílio das técnicas de reprodução humana assistida.

Porém, essa nova realidade também implica consequências jurídicas e sociais. Um dos maiores perigos jurídicos, consiste na quase ausência de regulamentação a respeito da matéria, que, inclusive, já é uma realidade nos Tribunais Brasileiros e Cartórios de Registro.

Preocupa, igualmente, a utilização do material genético após o falecimento de um dos cônjuges, na chamada reprodução assistida post mortem, questão polêmica dentro do ordenamento vigente e com implicações no Direito de Família e Sucessório.

Assim, o presente trabalho visa debater essa nova realidade e propor uma reflexão a respeito dos novos caminhos que a evolução da biotecnologia pode trazer.

 

 

  1. CONTEXTUALIZAÇÃO DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTDA

 

1.1 A família

 

O conceito de família sofreu significativa modificação ao longo do tempo, isso porque a família acompanha a mudança social e evolui na medida em que se atribui nova valoração aos conceitos já existentes.

Interessante observar, contudo, que não é sempre que a evolução da sociedade e, consequentemente, da família caminha no mesmo passo que a atualização normativa, o que por sua vez, inviabiliza o pleno exercício das liberdades.

Historicamente, a família do século passado atendia a um modelo hierárquico e era constituída unicamente pelo matrimônio. Não era permitida a dissolução do casamento e havia a escandalosa permissão de distinção entre seus membros, com qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos filhos havidos dessas relações[1].

Ainda no século passado, os filhos frutos dos vínculos extramatrimoniais eram essencialmente discriminados, com referências punitivas e com exclusão de direitos.

No entanto, essa família estatizada e engessada, acabou sendo forçada a se modificar. No campo legislativo as principais mudanças vieram com o Estatuto da Mulher Casada (Lei n.º 4.121/1962) que finalmente devolveu a mulher sua plena capacidade.

A Lei do Divórcio (Lei n.º 6.515/1977), por seu turno, acabou não apenas com a indissolubilidade do casamento, mas com a ideia da família como instituição sacralizada.

Uma das primeiras interferências da engenharia genética se dá nesse momento, uma vez que a descoberta dos métodos contraceptivos puderam dissociar os conceitos de casamento, sexo e reprodução[2].

Avançando um pouco mais, foi sem dúvida com a Constituição Federal de 1988, em que houve a solidificação da igualdade entre homem e mulher, e o conceito de família sofreu sua mais profunda modificação, já que neste contexto constitucional os membros da família passaram a ter uma proteção igualitária.

Com relação ao Código Civil de 2002 tem-se que este diploma acabou por atualizar os aspectos essenciais do Direito de Família, pois o salto qualitativo foi propiciado pela Constituição Federal, esta sim verdadeiro marco na tentativa de garantir proteção para todos aqueles que se intitulam como família, e isso significou fundamentalmente a permissão para que todos os membros exerçam seus direitos e cumpram seus deveres.

Atualmente o que se vê não é mais uma definição de família identificada unicamente pelo casamento. As alterações legislativas, juntamente com a evolução social, traduzem a família de hoje como à relação de afeto existente entre seus membros, na medida em que todos têm o direito de escolher e valorar o que lhes parece mais atrativo e gratificante enquanto ser humano.

 

1.2 A evolução da Reprodução Humana Assistida no Brasil

 

N&atatilde;o obstante a Constituição abrace como família quem se intitula como tal, é certo que muitos casais, ainda encaram a questão da reprodução como marco e concretização da vida familiar.

Por isso, as técnicas conhecidas como reprodução artificial assistida, vêm ganhando grande destaque como sendo a solução para casais impossibilitados de gerar naturalmente uma vida.

Como ensina Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf, em seu Curso de Bioética e Biodireito:

 

“A reprodução humana assistida (RHA), é basicamente a intervenção do homem no processo natural, com o objetivo de possibilitar que pessoas com problemas de esterilidade satisfaçam o desejo de alcançar a maternidade ou a paternidade[3]”.

O que se vê é que a procriação antes determinada pela natureza passou a ser comandada pelo homem. Porém, o que se defende desde o início é que as descobertas do ramo do Biodireito sejam aplicadas com cautela dentro do Direito de Família, haja vista seu impacto nos diversos segmentos, especialmente na filiação e sucessão.

Voltando às questões da reprodução humana assistida, verifica-se que no Brasil o legislador ainda não enfrentou no campo do Direito de Família e Sucessões a normatização sobre a procriação medicamente assistida.

Atualmente, a única norma acerca da reprodução humana assistida, vem do pioneirismo e celeridade do Conselho Federal de Medicina que, recentemente revogou a Resolução até então vigente (Resolução n.º 1.957/2.010), para adotar as normas expressas no texto da Resolução n.º 2.013/2.013.

O texto traz em seu bojo alguns princípios gerais e outras determinações, sendo claro em sua exposição de motivos quanto a falta de legislação sobre a reprodução assistida, o que por si só não é capaz de frear o desenvolvimento e utilização das técnicas.

Ressalte-se que essas normas são estritamente éticas, dotadas de conteúdo deontológico, e servem como orientação no que diz respeito aos procedimentos a serem observados pelas clínicas e médicos que lidam com a reprodução humana assistida.

A Resolução em comento sofreu alteração, especialmente para alcançar e, ao mesmo tempo, contemplar o reconhecimento do Supremo Tribunal Federal da união homoafetiva enquanto entidade familiar.

No que diz respeito às normas da Resolução, não há dúvidas que a própria Constituição Federal legitima sua admissibilidade, a teor do parágrafo 7º do art. 226[4] que trata do planejamento familiar:

Portanto, no que diz respeito à experiência brasileira tem-se que de acordo com a Resolução 2.013/2.103, as técnicas de reprodução assistida têm o papel de auxiliar a resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação.

Dentre aqueles que podem se valer do procedimento, a Resolução estende para todas as pessoas capazes, desde que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre os termos. A idade máxima para as candidatas a gestação por reprodução assistida é de 50 anos.

O texto ainda permite o uso das técnicas para relacionamentos homoafetivos e pessoas solteiras[5], vindo neste ponto ao encontro do novo conceito de família, que podem valer-se de diversas técnicas para a reprodução assistida

De um modo geral, estas técnicas de fertilização podem ser homólogas, se o material genético pertencer aos autores do projeto parental, ou heterólogas, com o uso de gametas de terceiros, e, ainda, com a possibilidade gestação dos gametas fecundados em barriga de substituição.

As vedações da Resolução dizem respeito ao caráter lucrativo ou comercial da doação de gametas ou embriões, mantendo-se o sigilo sobre a identidade dos doadores. Observa-se que o texto também deixa em aberto o direito de objeção de consciência do médico, conceito mais do que subjetivo.

Imperioso notar que a Resolução em diversas passagens enfrenta temas controvertidos, como a gestação de substituição ou doação temporária do útero, vedando sua utilização para casos exclusivamente de caráter lucrativo ou comercial. De acordo com a Resolução as doadoras temporárias do útero devem pertencer à família de um dos parceiros num parentesco consanguíneo até o quarto grau[6].

Questão mais obscura ainda é o procedimento registral das crianças geradas através da popular “barriga de aluguel” e da reprodução assistida post mortem, uma vez que na omissão da única diretriz brasileira sobre o assunto, a solução por vezes demanda o auxílio do Poder Judiciário.

E, há ainda a denominada “reprodução assistida post mortem”, presente de maneira tímida no inciso III, do art. 1.597 do Novo Código Civil e que na Resolução, em algumas linhas, fica autorizada mediante a autorização prévia do (a) falecido (a).

A reprodução diz respeito, sobretudo a vida, e sem dúvidas a ausência de regulamentação em um campo tão delicado gera graves consequências para a sociedade, que se vale do procedimento, mas sem a segurança esperada.

Como dito, a Resolução do Conselho Federal de Medicina é uma orientação, sem, portanto, nenhuma sanção específica para contemplar os casos de desrespeito as regras estabelecidas ou mesmo de reparação.

O texto não foi elaborado através de nenhuma técnica jurídica, ou mesmo em razão de um estudo social, é sim fruto dos esforços enfrentados pelos médicos no árduo convívio diário com o paciente que quer viver a experiência de gerar uma vida a todo custo.

Por isso, é medida imperativa a somatória de esforços voltados para reformulação ou alteração legislativa no tocante a aplicação da reprodução humana assistida, na medida em que estão todos à deriva de qualquer proteção jurídica específica.

 

 

  1. DA NATUREZA JURÍDICA DOS EMBRIÕES PRÉ-IMPLANTATÓRIOS

 

 

A evolução biotecnológica, juntamente com a emancipação da mulher, a possibilidade de divórcio e o reconhecimento das uniões homoafetivas como entidades familiares, ocasionaram uma ruptura social e jurídica do antigo paradigma da família matrimonializada e consanguínea.

Estas revoluções alargaram o conceito de família e filiação, de forma tão impactante, que em um século (XX para XXI), a filiação passou de um único ponto definidor – matrimônio e consanguinidade – para reconhecimento da filiação advinda do projeto parental construído e desejado.

E neste ponto, a evolução biotecnológica com o desenvolvimento de técnicas para a concepção de pessoas “em laboratório”, ocasionou paulatina e gradativamente uma revolução social, ao se vislumbrar com situações antes impensadas, como o emprego de técnicas artificiais para gerar a fecundação, independentemente de relação sexual, inclusive, com a possibilidade da concepção após o falecimento de um dos autores do projeto parental.

Entretanto, a legislação brasileira não acompanhou a velocidade das transformações oriundas dos avanços biotecnológicos, não tendo disciplinado de maneira satisfatória as possibilidades e consequências do emprego das técnicas de reprodução assistida, no âmbito do Direito de Família e Sucessório.

Ante o silêncio legislativo, a doutrina diverge, desde a delimitação da natureza jurídica dos embriões pré-implatatórios até aos parâmetros para o estabelecimento do vínculo filial e os efeitos sucessórios. Discute-se desde a possibilidade dos vínculos de filiação e legitimidade sucessória do embrião pré-implantatórios até a qualidade de filho e herdeiro dos advindos da reprodução assistida post mortem.

A insegurança jurídica trazida pela ausência de normatização das questões envoltas à reprodução humana assistida, na atualidade, deixou de afetar somente uma pequena parcela das famílias brasileiras, para torna-se uma problemática de relevância social, na medida que cada vez mais estas técnicas são procuradas por casais homoafetivos, que desejam terem filhos, ainda que com o material genético de um só dos idealizadores do projeto parental.

Neste contexto, como imaginar a coexistência da indefinição da natureza jurídica do embrião pré-implantatório – coisa ou pessoa – com a crescente utilização destas técnicas? Como pensar que o próprio legislador edita normas para garantir o acesso as técnicas de reprodução[7] para casais que não podem naturalmente ter filhos, enquanto, embates são travados no sentido de legitimar os embriões não implantados como filhos e herdeiros?

A elucidação da natureza jurídica do embrião pré-implantatório inicia-se com a determinação do início da personalidade civil pelo ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, do marco inicial para caracterização como pessoa humana e, por conseguinte, titular de todos os direitos.

O artigo 2º do Código Civil prescreve que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”

Pela redação do citado dispositivo legal verifica-se que o legislador foi claro no sentido de que somente o nascido com vida adquire a titularidade de todos os direitos, pessoais e patrimoniais[8]. Mas, justamente, no ponto pertinente ao presente trabalho, o nascituro, não há uma delimitação dos direitos à ele estendidos.

E, a doutrina nacional se divide resumidamente em três posições completamente opostas sobre o nascituro, que é o ser concebido, mas não nascido.

Pela primeira, teoria natalista, o nascituro teria apenas expectativa de direitos, visto que para esta corrente somente o nascimento com vida atribui personalidade jurídica. Desta maneira, os embriões pré-implantatórios não seriam titulares de quaisquer direitos, mas sim objetos de direito, qualificados juridicamente no direito das coisas.

Já, a teoria concepcionista, posiciona-se no sentido de que a personalidade jurídica inicia-se no momento da concepção, seja ela no ventre materno ou in vitro, e não no nascimento com vida. Para esta corrente, a expressão nascituro, portanto, inclui o embrião pré-implantatório como titular de direitos.

Mas, este seria titular de direitos pessoais e patrimoniais? Esta própria corrente diverge na extensão dos direitos conferidos ao nascituro.

Para Carolina Valença Ferraz, representativa de uma interpretação extensiva, seria inadmissível a tutela incompleta dos interesses e direitos do nascituro, incluindo na expressão o embrião pré-implantatório. Para a autora, este é titular de direitos tanto personalíssimos como patrimoniais[9].

Este posicionamento é bastante criticado pelos juristas, haja vista que todos embriões pré-implantatórios criopreservados seriam considerados filhos dos autores do projeto parental e, por conseguinte, titulares de direitos sucessórios e legitimados a suceder.

Já, para outros adeptos da teoria concepcionista, aqui representados por Silmara Chinelatto[10], corrente da qual os autores do presente artigo se filiam, ao embrião pré-implantatório somente seriam reconhecidos os direitos inerentes a pessoa humana – os direitos de personalidade, pois os Direitos patrimoniais estariam condicionados ao nascimento com vida, aí inclusos os sucessórios.

Para referida autora, a capacidade para suceder é somente fixada a partir da implantação do embrião in vivo ou in anima mobile.

O mesmo pensamento é compartilhado por Maria Helena Diniz[11], para quem:

 

“o embrião in vitro tem personalidade jurídica formal, relativamente aos direitos da personalidade, consagrados constitucionalmente, adquirindo personalidade jurídica material apenas se nascer com vida, ocasião em que será titular de direitos patrimoniais e dos obrigacionais, que se encontravam em estado potencial.”

 

Esta teoria é a que melhor guarda equilíbrio na ponderação dos valores fundamentais garantidos pela Constituição Federal, ao estabelecer a proteção dos direitos personalíssimos, dentre eles da dignidade e do respeito a vida humana, ainda que na mais primitiva de sua forma e, direitos patrimoniais somente quando houver viabilidade de desenvolvimento, que somente se dá no ventre materno.

Por fim, para a terceira teoria, da personalidade condicional, o embrião não é coisa e nem pessoa, mas sim, pessoa em potencial ou virtual, que como tal teria direito à vida, dignidade e direito à adoção. Consideram como pessoa em potencial porque não existe a gestação para tornar mais certo o nascimento.

Para Adriana Dabus Maluf[12], “desde a concepção no ventre materno começa a existência visível das pessoas, que podem adquirir direitos, desde antes do seu nascimento, como se já estivessem nascidas”.

Argumentam os defensores dessa corrente que o ordenamento jurídico procedeu com a escolha com relação à consideração do início da vida para o direito – no momento do desenvolvimento do embrião no útero -, no julgamento do Supremo Tribunal Federal pela constitucionalidade do art. 5º da Lei de Biossegurança.

Isto porque, este artigo dispõe sobre os embriões excedentários e a autonomia dos genitores para doá-los para serem objeto de pesquisa científica em prol da humanidade, quando inviáveis ou mesmo viáveis, desde que congelados há três anos. Para esta corrente, a partir do referido julgado, reconheceu-se que, para efeitos jurídicos, o início da vida humana se dá com a concepção, entendida esta como o início da vida intrauterina do embrião, com a respectiva nidação[13].

E, neste contexto jurídico, em que se discute o início da vida, da personalidade jurídica do nascituro e do embrião pré-implantatório, o legislador autorizou a concepção após o falecimento de um dos autores do projeto parental e, agora, não mais discutindo só a filiação, mas a legitimação sucessória.

 

 

  1. DA LEGITIMIDADE SUCESSÓRIA DO CONCEBIDO POST MORTEM

 

 

O artigo 1798 do Código Civil dispõe que legitimam-se a suceder a pessoa nascida ou já concebida no momento da abertura da sucessão, de tal forma que ao transpor esta disciplina normativa para o contexto das técnicas de reprodução assistida, questionamentos surgem sobre a legitimidade sucessória dos embriões implantados após o falecimento de um dos genitores.

De acordo com Albuquerque Filho citado por Dário Alexandre Guimarães Nóbrega, no Brasil existem três correntes doutrinárias acerca da temática: excludente, relativamente excludente e inclusiva.

A corrente excludente, não admite qualquer direito ao filho concebido após a morte do genitor, nem referentes ao Direito de Família, nem Direitos Sucessórios, concluindo-se que o concebido após a morte de um dos autores do projeto parental não o legitimará como filho e herdeiro do falecido(a). Comungam desta posição, Guilherme Calmon Nogueira da Gama e Eduardo de Oliveira Leite.

O fundamento, segundo estes autores, para a exclusão dos destes direitos é a afronta os princípios da paternidade responsável e melhor interesse da criança e do adolescente, já que a criança já nasceria órfã, o que não atenderia aos princípios constitucionais.

Já, a corrente relativamente excludente, posiciona-se no sentido de que o concebido post mortem tenha direitos relativos ao Direito de Família, ou seja, estabelece os vínculos de filiação, mas sem qualquer direito sucessório. Alguns autores adeptos desta corrente admitem a possibilidade do filho concebido post mortem ser herdeiro testamentário, na condição de prole eventual, pela aplicação extensiva da norma contida no artigo 1.799, inciso I, do Código Civil, o que não se coaduna com o dispositivo mencionado.

Por fim, pela teoria inclusiva, o concebido post mortem é titular de todos os direitos, tanto no âmbito do Direito de Família e como Sucessório, diante da presunção estabelecida na expressão “mesmo que falecido o marido”, do artigo 1.597, III, Código Civil, sendo este entendimento restrito à situação de reprodução assistida homóloga e com a presença de autorização específica do falecido para concepção post mortem.

E, a conclusão não poderia ser outra, em atendimento ao artigo 226, §6º, da Constituição Federal, que prevê o tratamento igualitário entre os filhos, vedando qualquer forma de discriminação, independentemente da origem da filiação e fator temporal.

 De fato, não se pode discordar desta posição. Como fundamentado por Dário Alexandre Guimarães Nóbrega, a mens legis do artigo 1798 do Código Civil deve observar a principiologia constitucional, ante a hierarquia das normas, que prevê como garantia fundamental o respeito a igualdade da filiação estabelecido no artigo 226, §6º da Constituição Federal[14].

Ainda, segundo autor:

 

“O tempo não pode ser usado como critério de discriminação. Apenas as situações fáticas ocorridas no decorrer do tempo é que podem ser usadas como critérios discriminantes. Portanto, não se pode discriminar filhos segundo o momento da concepção, se foram concebidos antes ou depois da abertura da sucessão. A situação fática em si, a concepção de um filho do autor da herança por técnicas de reprodução assistida, não se diferencia das concepções ocorridas antes da abertura da sucessão, seja por meio natural (ato sexual), seja por meio artificial (reprodução humana assistida). Sequer o meio utilizado para a concepção pode ser erigido como critério discriminante daquele que é concebido post mortem. Se isto fosse possível, poderia se defender tratamento desigual de filhos concebido antes da abertura da sucessão caso tivessem sido concebidos por meio natural ou por meio artificial, o que é todo inaceitável e afrontoso ao ordenamento jurídico brasileiro.”[15]

 

Assim, no momento em que o ordenamento jurídico vigente reconhece e possibilita a concepção de filho post mortem, nenhum direito poderá ser privado ao nascido nesta situação, sob pena de afronta ao princípio constitucional da igualdade, estruturante, por sua vez, da democracia e do próprio Estado Democrático de Direito.

 

 

4.    DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.597, INCISO III E IV, DO CÓDIGO CIVIL E DO ENUNCIADO N.º 106 DO SJF/STF

 

 

Como enfatizado no tópico anterior, a legislação civilista permite expressamente o emprego da reprodução assistida após o falecimento do marido, desde que a mulher esteja na condição de viúva e haja autorização dele para que se utilize seu material genético após sua morte.

A questão está implicitamente prevista no artigo 1.597, incisos III e IV, do Código Civil[16] que estabelece a presunção da filiação, mesmo nas situações em que falecimento do genitor anteceder ao nascimento do filho, quando havidos por fecundação artificial homóloga ou pela utilização de embriões excedentários.

Na tentativa de elucidação da problemática o Conselho da Justiça Federal editou o Enunciado n.º 106 que dispõe:

 

“Art. 1.597, inc. III: para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte.”

 

Assim, primeira constatação que se faz é que a concepção post mortem somente é permitida para os casos de viuvez da esposa, diante das expressões utilizadas pela própria lei e do Enunciado n.º 106 do CJF/STJ, o que implica dizer que somente às mulheres, em relacionamentos heterossexuais, seria permitida a utilização da reprodução assistida post mortem.

Aos homens, tanto nas famílias hetero como homoafetivas, restou renegado este direito, sendo que este projeto parental desejado com o(a) parceiro (a) falecido(a) poderia ser concretizado através da utilização de barriga de substituição, que não é proibida pela legislação brasileira, sendo a prática, inclusive, regulamentada pela Resolução 2013/2013 do Conselho Federal de Medicina.

Esta exclusão de direitos implicitamente contida no artigo 1.597, inciso III, do Código Civil e o próprio Enunciado n.º 106 do CJF/STJ ferem o artigo 3º, incisos V, e artigo 5º, inciso I, ambos da Constituição Federal[17], ao estabelecer tratamento desigualitário e preconceituoso para conceder o acesso às técnicas de reprodução humana assistida.

Neste ponto, a Constituição Federal, com o objetivo da construção de um sólido Estado Democrático de Direito, priorizou a tutela dos Direitos e Garantias Fundamentais, alicerçado no respeito à igualdade, à dignidade da pessoa humana e aos ideais democráticos.

O reconhecimento do princípio da igualdade ou isonomia, previsto no artigo 5º da Constituição Federal, se configura como norma fundamental e estruturante para todo o ordenamento jurídico, tratando-se de um princípio inerente à democracia, como mencionado por Dário Alexandre Guimarães Nobrega ao citar Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

Desta forma, para a efetividade das normas infraconstitucionais, estas devem ser interpretadas em consonância as diretrizes constitucionais, de tal forma que o artigo 1597, incisos III e IV do Código Civil e Enunciado n.º 106 do CJF/STJ devem ter sua aplicação estendida aos homens, ante a determinação constitucional de tratamento isonômico entre homens e mulheres cumulado com o princípio da liberdade quanto ao planejamento familiar pelo casal (artigo 226, §7º, da Constituição Federal[18]).

Da mesma forma, a reprodução assistida póstuma deve ser também garantida para os casamentos e/ou uniões estáveis homoafetivas, tanto de mulheres como de homens, haja vista que após o julgamento da ADI 4277 e ADPF 132 pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu como entidade familiar as uniões homoafetivas, e mais recentemente a Resolução n.º 175, de 14 de maio de 2013, do Conselho Nacional de Justiça que disciplinou o casamento de pessoas do mesmo sexo, não pode mais haver discriminações.

Evidentemente, que este reconhecimento pelo STF foi superveniente a edição do Código Civil, de tal forma que se exige uma releitura da norma contida no artigo 1.597, inciso III e IV, do Código Civil para adequá-la ao cenário jurídico atual, estendendo a possibilidade da adoção destas técnicas da reprodução assistida, inclusive postumamente, para os casais homoafetivos.

Nos casos de casais homoafetivos que autorizaram a reprodução assistida póstuma, para se coadunar com o projeto parental idealizado em vida e com o estabelecimento dos laços filiais com o falecido é necessário que seja utilizado seu material genético e não do parceiro sobrevivo. Com relação a este, a filiação se estabelecerá pelo vinculo volitivo, ou seja, pela vontade e desejo da concretização daquele projeto parental, que, posteriormente, restará consolidado pelo afeto, enquanto que, quanto ao falecido, decorrerá do vínculo consanguíneo.

Neste sentido e em completa observação dos preceitos constitucionais, se apresenta a Resolução n.º 2.013/2.013 do Conselho Federal de Medicinal que autoriza a reprodução humana assistida post mortem por homens e mulheres.

 

“VIII – REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST-MORTEM

É possível desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.”

 

Assim, para observância do princípio da igualdade entre homens e mulheres e o reconhecimento das uniões homoafetivas, por meio de casamento ou união estável, não se pode vislumbrar qualquer restrição de diretos ao acesso e utilização da reprodução assistida post mortem¸ para concretização do planejamento familiar, igualmente garantido pela Constituição Federal.

 

 

  1. DO DIREITO SUCESSÓRIO DO CONCEBIDO POST MORTEM

 

 

Partindo da premissa estabelecida no tópico anterior, no sentido da concessão legal para a prática da reprodução assistida, mesmo que falecido(a) o(a) parceiro(a), para o estabelecimento dos vínculos filiais e sucessórios é necessário, segundo o Enunciado 106 do CJF/STJ, que: i) o(a) parceiro(a) esteja na condição de viúvo(a); ii) o(a) falecido(a) tenha autorizado expressamente a utilização de seu material genético para o fim gestacional.

Evidentemente que a presunção de paternidade somente pode ser aceita nos casos de viuvez, pois, nas situações que no momento do falecimento, o casal estava na condição de divorciado, o pressuposto é o rompimento do projeto parental pelo divórcio. Outra condição excludente da presunção de paternidade reside na hipótese de, após o falecimento do(a) parceiro(a), este(a) contratar união estável, também causa excludente do estado de viuvez.

No tocante a exigência do marido, concorda-se com este requisito, haja vista que para o estabelecimento dos vínculos de filial e, por conseguinte, sucessórios, o falecido(a) tem que ter desejado o projeto parental, ainda que, após o falecimento.

Esta também foi a posição adotada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao negar provimento ao pedido da viúva para efetuar a inseminação artificial do material genético do marido falecido, sem autorização deste.

 

“A companheira é parte ilegítima para postular a anulação de cláusula contratual ou o cumprimento de contrato que conferia a seu companheiro já falecido direito personalíssimo e consequentemente intransmissível. Incensurabilidade da sentença que a considerou parte ilegítima.”

Trecho do v. acórdão: F. A. C. aforou a presente ação contra o Hospital Israelita Albert Einstein para: a) compeli-lo a preservar o sêmen coletado de seu falecido companheiro Júlio César de Melo por força de “acordo de criopreservação do sêmen; b) ser anulada a cláusula 10ª do contrato, segundo a qual “em caso de morte ou insanidade mental do contratante, os espécimes serão inutilizados e desprezados (fls. 13 do apenso), pela existência do vício de vontade de seu falecido companheiro que agiu por erro; c) que se lhe reconheça, em consequência, o direito de ser inseminada artificialmente com o uso do sêmen em questão.

(…)

O contrato de "criopreservação do sêmen", celebrado por instrumento escrito (fls. 12/13 do apenso), conferia ao falecido Júlio César de Melo o direito correspondente à obrigação do Hospital réu de preservar espécime de sêmen para futura fertilização assistida em sua esposa ou companheira, na dependência de seu assentimento.

Trata-se, como é fácil perceber, de direito íntransmissível por sua natureza personalíssima que, no dizer de Ruggiero, decorre da sua "estreita e íntima conexão com o titular, de modo que não podem assim sofrer uma mudança de sujeito" (Instituições de Direito Civil, Saraiva, 1957, volume I, pág. 238), não custando lembrar a advertência de Orlando Gomes de que "os contratos intuitu personae obviamente não podem ser objeto de cessão" (e também de transmissão causa mortis) "pela parte que os personaliza" (Contratos, Forense, 6a edição, pág. 181).

(TJSP, Apelação n.º 097.361-4/6-00, 9ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. Aldo Magalhães, j. 08/08/2000).

 

Sem a autorização expressa do(a) falecido(a) não se pode imaginar a construção de vínculos filiais, muito menos, sucessórios, para com a criança resultado da reprodução assistida. Nesta situação, há que se considerá-la como heteróloga e o estabelecimento da filiação dar-se-ia somente com o genitor vivo.

 

 

  1. REGISTRO DE NASCIMENTO NA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA POST MORTEM

 

 

Nas hipóteses de reprodução humana assistida post mortem, um dos entraves que o cônjuge sobrevivente enfrenta é o registro de nascimento do filho, para constar a declaração de filiação completa, ou seja, com a indicação de ambos os genitores na certidão. A situação se complica ainda mais quando houver a utilização da barriga de substituição.

Isto porque, na atual sistemática adotada, ilustrada pelo quadro abaixo, o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais para emitir a certidão de nascimento, se utiliza da declaração do hospital denominada de “Declaração de Nascido Vivo (DNV), na qual constará obrigatoriamente o nome da gestante como mãe, de acordo com a previsão do artigo 10, inciso IV, do Estatuto da Criança e Adolescente.

 

 

Outro contexto de solução desafiadora trata da questão da reprodução assistida post mortem quando se dá o falecimento da mulher, ocasião em que o registro de nascido vivo é expedido em nome da gestante (barriga de substituição) e não em nome da genitora biológica.

Assim, seguindo os ditames hodiernos, uma das alternativas para que na certidão de nascimento da criança conste a indicação do(a) genitor(a), já falecido(a), seria adoção do procedimento de Suscitação de Dúvida perante o Juiz Corregedor Permanente ou Vara de Registros Públicos, de acordo com artigo 296 c/c artigos 198 à 204 da Lei 6.015/73, no momento de sua lavratura.

Também, poderia ser utilizado o procedimento de Jurisdição Voluntária, disciplinado no artigo 1.103 do Código Processo Civil, no qual é pleiteado perante o Poder Judiciário a autorização para a emissão da Declaração de Nascido Vivo em nome, por assim dizer, dos verdadeiros pais do nascido.

Nesta hipótese, o Cartório de Registro Civil já estaria autorizado a proceder o registro de forma mais célere, sem suscitação de dúvida, adequando-se, portanto, as informações da certidão de nascimento, com realidade dos fatos.

Estes procedimentos previnem situações como a expressada no julgado abaixo, em que o julgador entendeu necessária a propositura de ação de investigação de paternidade.

 

“Óbito. Registro afirmando que o falecido não deixou filhos. Nascimento posterior em decorrência de fertilização “in vitro”, com utilização de sémen deixado pelo falecido. Pretendida retificação do óbito. Inocorrência de erro. Inicial Indeferida com determinações. Apelação. Provimento, em parte, com observações”.

Trecho do v. acórdão: A autora pretende sustentar desnecessária a ação de investigação de paternidade, mas sem razão.

A investigação é necessária em ordem a comprovar, oficialmente, o que, de fato, parece evidente, isto é, que a autora nasceu como resultado de fertilização artificial, com o emprego de sêmen deixado pelo falecido.”

(TJSP, Apelação n.º 166.180.4/7-00, 4ª Câmara de Direito Privado. Des. Rel. Olavo Silveira, j. 09/11/2000)

 

Como conclusão, nossa matéria vem ganhando espaço no Direito Registral Brasileiro, conforme decisão da Juíza de Direito Dra. Aline Beatriz de Oliveira Lacerda, da Vara de Fazenda Pública e Registros Públicos de Três Lagoas/MS, que determinou que o Oficial de Registro Civil lavre o registro de nascimento de uma criança, gerada em barriga de aluguel, considerando seus pais biológicos, á partir de sua negativa. A criança foi gerada no útero da irmã da mãe biológica.

Nas palavras da magistrada, não há desconfianças de que a criança, embora gerada no útero de outra é mulher, é filha biológica do casal requerente."Hodiernamente os procedimentos médicos no campo da fertilidade estão cada vez mais avançados, devendo o registro civil acompanhar as mudanças culturais e tecnológicas para que se garanta a efetiva verdade registral.

A doutora não deixa de citar que esses procedimentos, na ausência de lei específica, são regulamentados pela resolução do CFM 2.013/13, que prevê que os casos de gestação com útero de substituição, e só serão permitidos onde exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética, bem como limitam a idade da candidata à gestação em 50 anos e obriga a produção do termo de consentimento informado em todos os casos, regulamentando o CFM que as doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética ou de seu parceiro, num parentesco até o quarto grau, sem conotação comercial.

Na concepção da juíza, não há óbice legal ao pedido pois o caso dos autos atende à norma regulamentadora. De acordo com a decisão, os dois primeiros requerentes comprovaram a legalidade do procedimento, por meio de vasta documentação, e o termo de ciência de todas as pessoas envolvidas, declaração de consentimento para fertilização “in vitro”, assinado pelo casal e pela doadora do útero, irmã da primeira requerente, e a confirmação de alta e entrega do recém-nascido à mãe biológica.

"Nada mais autêntico do que reconhecer como pais aqueles que agem como pais, que dão afeto, que asseguram proteção e garantem a sobrevivência. É necessário encontrar novos referenciais, pois não mais se pode buscar na verdade jurídica ou na realidade bio-fisiológica a identificação dos vínculos familiares."

 

 

CONCLUSÃO

 

 

A revolução e evolução que passaram o conceito de família e filiação neste último século, foi causada por diversos fatores, dentre eles as técnicas de reprodução humana assistida.

A evolução biotecnológica possibilitou a concepção de filhos totalmente desvinculado da relação sexual, propiciando à todas as formas de composição familiar a realização do desejo paternidade e maternidade, tanto para famílias hetero quanto homoafetivas, inclusive, post mortem de um dos pais.

A contrário senso, se a inseminação post mortem e o uso das técnicas de reprodução assistida são uma realidade no cenário brasileiro, o mesmo não se pode dizer da legislação aplicável à matéria, as quais se resumem a esparsas normas no Código Civil, especificamente sobre a implicações filiais e sucessórias.

Normas estas, que na atual conjuntura social, ferem preceitos fundamentais previstos na Constituição Federal, na medida em que segrega o acesso ao planejamento familiar apenas a um determinado tipo de classe, quer seja, heterossexual, matrimonializada e centrada na figura do homem.

Tal fato reflete sensível desrespeito a valores consolidados, como a igualdade entre homens e mulheres, bem como o direito à constituição de uma família, por todos aqueles que desejam e buscam ser enquadrados neste status social. já que a atual diretriz somente permite a reprodução assistida à esposa enviuvada, para perpetuação da família do marido.

Este contexto normativo relativo à reprodução humana assistida post mortem torna é forçoso concluir que a legislação ainda guarda os resquícios preconceituosos da família do século passado, patriarcal, matrimonializada e heterossexual, em completa dissonância com a estrutura social contemporânea.

Este contrassenso entre norma e valores socais acaba por propiciar a insegurança jurídica sobre as práticas realizadas, uma vez que os direitos em debate são os mais delicados e preciosos direitos, quer sejam de âmbito personalíssimo e familiar.

Desta maneira, diante da nova realidade das famílias formadas a partir das técnicas laboratoriais, faz-se necessário promover o debate jurídico para uma reformulação do texto civilista no tocante a reprodução humana assistida, já que conforme apresentado, as atuais disposições, não amparam a plenitude dos direitos dessa nova vida que está sendo planejada ou em outros casos sequer foi realmente concebida.

 

 



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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[1] Dias, Maria Berenice, 2007, p. 30 apud OLIVEIRA, Euclides de Oliveira; HIRONAKA, Giselda, 2003.

[2] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4ª Ed. rev., atual. e ampl. 3. tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 30.

[3] MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de Bioética e Biodireito – São Paulo: Atlas, 2010, p. 153.

[4] § 7º – Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas

[5] Item II.2 da Resolução 2013/2013: É permitido o uso das técnicas de RA para relacionamentos homoafetivos e pessoas solteiras, respeitado o direito da objeção de consciência do médico.

[6] A Resolução anterior do Conselho Federal de Medicina n.º 1957/2010, previa o parentesco até o 2ºgrau.

[7] Lei n.º 9.263/1996.

[8] Rubens Limongi de França divide as relações jurídicas em: a) a própria pessoa; b) a pessoa ampliada na família; c) o mundo exterior. Com relação ao mundo exterior, temos os direitos patrimoniais; a pessoa ampliada na família, os direitos de família; e à própria pessoa, os direitos da personalidade. FERRAZ, Carolina Valença, 2011, p. 49-50 apud FRANÇA, Rubens Limongi, 1996, p. 1033.

[9] FERRAZ, Carolina Valença. Biodireito: A Proteção Jurídica do Embrião In Vitro. São Paulo: Ed. Verbatim, 2011, p. 18)

[10] (CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu. Estatuto Jurídico do Nascituro: A Evolução no Direito Brasileiro. Portugal: Almedina, 2009, pag. 432)

[11] DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Ed. Saraiva, 2006, p. 128.

[12] MALUF, Adriana C do R. F. Dabus. Curso de Bioética e Biodireito. São Paulo: Ed. Atlas, 2010, p. 101.

[13] OLIVEIRA, Maria Rita de Holanda. Reprodução Assistida e uma Releituras Presunções Jurídicas da Filiação. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Família: entre o Público e o Privado, Porto Alegre: Magister/IBDFAM, 2012, p. 207-208.

[14] NÓBREGA, Dário Alexandre Guimarães. A Reprodução Humana Assistida Post Mortem e o Direito Sucessório do Concebido – Uma interpretação Constitucional da Legitimidade Sucessória a partir do Princípio da Isonomia. In: Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre, n. 20, p. 39-59, Fev/Mar. 2011, p. 55.

[15] Ibid, p. 55.

[16] Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

[17] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

V – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

[18] § 7º – Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

 

 

WENDELL JONES FIORAVANTE SALOMÃO

Escrevente do 5º Tabelião de Notas de Ribeirão Preto/SP. Pós Graduado em Direito Notarial e Registral Imobiliário pela EPD – Escola Paulista de Direito. Bacharel em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto/SP. Qualificador registral pela ARPEN/SP e participação em 30 cursos na área de Direito Notarial e Registral. Autor de artigos jurídicos, seminários, simpósios e palestras. Membro IBDFAM/RP.  

Endereço profissional: Rua Mariana Junqueira, n.º 494, Centro, Ribeirão Preto/SP, CEP: 14.015-010.

Telef: (16)3611-1190         Fax: (16)3611-1191

E-mail: wendell@quintotabeliao.com.br

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DANIELA CRISTINA CASPANI GARIERI

Advogada. Pós-graduada em Direito de Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito – EPD (2010). Graduada pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP (2006). Coordenadora do Núcleo Regional do IBDFAM/SP Ribeirão Preto. Palestrante e organizadora de diversas palestras e simpósios jurídicos.

Endereço profissional: Rua Barão do Amazonas, n.º 1805, jardim Sumaré, Ribeirão Preto/SP, CEP: 14.025-110.

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E-mail: dcaspani@mendesnakamura.adv.br ou danielacaspani@yahoo.com.br

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LUISA ANGELO MENESES CAIXETA SILVA

Advogada. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerias – PUC/MG (2011); Graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerias – PUC/MG (2009). Autora de artigos jurídicos publicados em sites e Revistas Jurídicas.

Endereço profissional: Rua Barão do Amazonas, n.º 1805, jardim Sumaré, Ribeirão Preto/SP, CEP: 14.025-110.

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