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Academia Notarial Brasileira (ANB) entrevista o Desembargador Ricardo Dip sobre a Usucapião Extrajudicial (Terceira Parte)

Academia Notarial Brasileira entrevista o Desembargador Ricardo Dip (terceira e última parte)
 
 
 
11.           O Sr. referiu-se à perda de algumas funções dos notários…
RD:          Quero, antes de tanger com este assunto, fazer aqui uma observação que julgo essencial: não sou amigo dos notários e dos registradores. Tenho alguns e bons amigos entre eles, e isto é motivo de um meu pecadilho de vaidade. Mas não sou amigo dos notários e dos registradores. O de que me julgo amigo, isto sim, é da Instituição Notarial e da Instituição dos Registros Públicos.
             Mas, voltando, temos de entender que o custo da prestação notarial não pode ser excessivo, porque isto provocaria o clandestinismo. Ao revés, tem-se de atrair o usuário, tem-se de convocar a comunidade a valer-se da atuação notarial.
             Deste modo, para manter economicamente os notários é preciso que, sem excessos no valor dos emolumentos, façamos convergir mais atos ao Notariado.
             Em outras palavras, e melhor dizendo: devolvamos aos notários aquilo que sempre foi tradicionalmente próprio da atividade notarial. Isto se traduzirá em vantagens de segurança para a comunidade. O “contratinho firmado no quiosque da esquina” é causa de inúmeros problemas que vão desembocar nos registros públicos e no Judiciário, tudo porque não se deu ensejo ao cavēre notarial −ou seja, ao exercício da função de conselho tão própria do notário− e à arte tabelioa de redigir.
             Quando, a pretexto de “desburocratização”, passam a  admitir-se a instrumentação particular em negócios jurídicos de grande envergadura, o reconhecimento registral de firmas (isto se passa em São Paulo), a expedição de títulos judiciais em cartórios de notas e, em troca, a tabelionização do Judiciário (homologando acordos antes de demandas), estamos a ver que já não pomos “cada coisa em seu quadrado”.
             Não é já desburocratização, é “desformalização”, é instituir confusão de funções próprias. E, como se sabe, historicamente, os períodos de decadência social são os emoldurados pela informalidade.
             É preciso, pois e de maneira serena e austera, restituir a cada função o que lhe é próprio. Isto é uma exigência de justiça endógena do sistema: dar a cada um o que é seu… suum cuique tribuere.
 
12.           O Sr. mencionou ainda o problema de um teto remuneratório para os notários. Qual sua opinião a este respeito?
RD:         Vou falar disto de maneira muito breve, como convém a uma entrevista, não é?
             Há três aspectos, a meu ver, acerca desta questão, que de logo parecem devam considerar-se.
               O primeiro é o da incompatibilidade do teto remuneratório com a natureza mesma da função notarial. É que o notário é, essencialmente, um profissional liberal, não um funcionário público, por mais que seja um jurista que exerça função pública. Precisamos todos refletir um tanto sobre o verdadeiro conteúdo da célebre definição de Zanobini: função pública não é, de modo necessário, função estatal. No caso do notário, é função da comunidade, é exercício privado de uma função comunitária. Ou seja, pela natureza das coisas −antecedente da ordenação jurídico-positiva−, o notário não é funcionário público e, de conseguinte, não se vislumbra razão para que, de maneira abstrata e apriorística, se limitem seus rendimentos tal fora ele um funcionário da administração.
             O segundo é o de que esse teto não se compagina com a previsão constitucional −refiro-me ao caput do art. 236 da Constituição federal de 1988. Ali se diz com todas as letras que o notário é um agente privado. Não é de admitir, pois, que sejam limitados seus vencimentos, qual os recebesse dos cofres públicos.
             O terceiro, enfim, está em que a delegação prevista no caput desse art. 236 do Código político é, na verdade e em rigor, um contrato administrativo, um contrato que dá direitos ao delegatário, entre os quais o de uma equação econômico-financeira que não pode ser violada por alterações intercorrentes unilaterais, ainda que não se ignore a possibilidade de alguma revisão administrativa e mudança nos ajustes desta natureza. Mas não a ponto de malferir a essência dos contratos de delegação regularmente firmados.
             Outro dia, indagava muito sabiamente a Registradora Fátima Ranaldo, aqui de Americana, se as concessionárias de serviço público também estariam sujeitas ao teto de sua remuneração. É uma interessante analogia.  Na minha Seção de Direito Público, aqui de meu querido TJ de São Paulo, julgamos com muita frequência pleitos indenizatórios por mudança indevida da equação econômico-financeira em contratos administrativos.