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Artigo – A Convenção de Haia e a Necessidade dos Documentos de Procedência Estrangeira Continuarem a Ser Registrados no Ofício de Títulos e Documentos, para Produzirem Efeitos no Brasil – Por Carlos Magno Alves de Souza

INTRODUÇÃO
 
Em 29 de janeiro de 2016, a Presidência da República, através do Decreto nº 8.660/2016, promulgou a “Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros, firmada pela República Federativa do Brasil, em Haia, em 5 de outubro de 1961”.
 
Posteriormente, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 228, de 22 de junho de 2016, regulamentando a sua aplicação no âmbito do Poder Judiciário; bem como o Provimento nº 58, de 09 de dezembro de 2016, dispondo sobre os procedimentos das autoridades competentes para a aposição de apostila.
 
Não obstante, as referidas normas regulamentares estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça têm como foco principal disciplinar a emissão de documentos nacionais destinados a produzirem efeitos em países signatários da denominada Convenção da Apostila, pouco abordando sobre o fluxo inverso desse processo, qual seja, o recebimento de documentos de procedência estrangeira quando oriundos de países integrantes da mencionada Convenção.
 
Sucede que, em razão disso, um número considerável de serventias extrajudiciais tem deixado de exigir o registro no Ofício de Títulos e Documentos, quando o documento de origem estrangeira é apresentado com aposição de apostila, por acreditarem que o aludido apostilamento é procedimento suficiente para atribuir efeitos jurídicos no território nacional.
 
O presente estudo irá demonstrar que a Convenção da Apostila tem por objeto, unicamente, a dispensa do procedimento da “legalização consular”, através do qual os agentes diplomáticos ou consulares atestam a autenticidade de documentos de origem estrangeira, para produzirem efeitos no país de destino, por conseguinte, mantendo-se a exigência dos referidos documentos serem registrados no Ofício de Títulos e Documentos, como requisito à produção de efeitos no Brasil.
 
LEGALIZAÇÃO CONSULAR: UMA ETAPA DO PROCESSO
 
Entende-se por legalização consular o procedimento por meio do qual a autoridade consular brasileira atesta a autenticidade de documento assinado por notário ou autoridade pública estrangeira, nos termos do Decreto nº 8.742/2016 e Resolução nº 155/2012 – CNJ.
Por seu turno, o art. 129, 6º, da Lei nº 6.015/1973, estabelece que, para surtir efeitos em relação a terceiros, devem ser registrados no Ofício de Títulos e Documentos: “todos os documentos de procedência estrangeira, acompanhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal”.
 
Assim sendo, para que um determinado documento de origem estrangeira possa produzir efeitos jurídicos no Brasil, deve ele seguir as seguintes etapas: 1º) ser assinado por notário ou outra autoridade pública estrangeira; 2º) ter a sua autenticidade reconhecida pelo consulado brasileiro competente (Legalização Consular); 3º) tradução pública juramentada (se o documento estiver escrito em idioma diverso do português); 4º) ser registrado no Ofício de Títulos e Documentos – RTD.
 
Para uma melhor compreensão, segue abaixo a ilustração das etapas do processo de aquisição de eficácia jurídica, no território nacional, de documento de origem estrangeira:
 

 
Desse modo, é possível perceber que a “Legalização Consular”, por si só, não é capaz de atribuir efeitos jurídicos ao documento de procedência estrangeira. Em vez disso, possui a exclusiva finalidade de garantir autenticidade ao documento produzido no exterior, no sentido de assegurar que o respectivo documento, de fato, foi assinado por uma autoridade competente, nos termos da legislação do país de origem.
 
Conforme narrado acima, por força do disposto na Lei de Registros Públicos, a produção de efeitos em território nacional dependente, necessariamente, do documento estrangeiro vir a ser registrado no Ofício de Títulos e Documentos, conforme determina o art. 129, 6º, da Lei nº 6.015/1973.
 
Nesse compasso, sob a ótica da teoria da escada ponteana, na qual o fenômeno jurídico deve ser compreendido a partir de três diferentes planos: existência, validade e eficácia. Levando-se em consideração que em nosso país a atribuição de efeitos jurídicos a documento de origem estrangeira decorre de um processo constituído pelas etapas indicadas acima, é possível asseverar que: (i) a elaboração do documento e assinatura por autoridade estrangeira corresponde ao plano da existência; (ii) o procedimento de legalização consular e a respectiva
tradução pública juramentada, quando for o caso, correspondem ao plano da validade; (iii) e o registro no Ofício de Títulos e Documentos corresponde ao plano da eficácia.
Desta maneira, somente com o registro do documento de procedência estrangeira na Serventia Extrajudicial de Títulos e Documentos é que lhes são garantidos efeitos jurídicos no território nacional.
 
Com o advento da participação do Brasil na Convenção da Apostila, a etapa da Legalização Consular deixou de ser exigida, como requisito de garantir autenticidade aos documentos assinados por notários ou outras autoridades estrangeiras, tornado o procedimento mais célere, econômico e eficiente.
 
Sem embargo disso, o art. 2º, da Convenção da Apostila, expressamente, prevê que a dispensa do Legalização Consular se refere, tão somente, à formalidade pela qual as autoridades consulares atestam a autenticidade do documento, nos seguintes termos:
“Art. 2º – Cada Estado Contratante dispensará a legalização dos documentos aos quais se aplica a presente Convenção e que devam produzir efeitos em seu território. No âmbito da presente Convenção, legalização significa APENAS a formalidade pela qual os agentes diplomáticos ou consulares do país no qual o documento deve produzir efeitos atestam a autenticidade da assinatura, a função ou o cargo exercidos pelo signatário do documento e, quando cabível, a autenticidade do selo ou carimbo aposto no documento”.
Com efeito, o art. 1º, parágrafo único, da Resolução nº 228/2016 – CNJ, ao conceituar Legalização Consular, de maneira semelhante, estabelece que:
“Art. 1º (…)
 
Parágrafo único. Para os fins desta Resolução, entende-se como legalização, ou chancela consular, a formalidade pela qual se atesta a autenticidade da assinatura, da função ou do cargo exercido pelo signatário do documento e, quando cabível, a autenticidade do selo ou do carimbo nele aposto”.
Nessa toada, é induvidoso que a Convenção da Apostila dispensou, apenas, a Legalização Consular, de sorte que não mais se exige a chancela do consulado como forma de verificação da autenticidade do documento procedente do exterior, haja vista que a referida verificação é obtida através de mecanismos próprios que possibilitam a checagem da fé pública da autoridade estrangeira, diretamente, pela autoridade destinatária.
Desta feita, aos signatários da Convenção da Apostila, as etapas do processo de aquisição de eficácia jurídica no território nacional de documento de origem estrangeira passam a ter o seguinte fluxograma:
 
Assim, verifica-se que a Convenção da Apostila simplificou significativamente o processo de validação de documentos de provenientes de outros países, uma vez que a Legalização Consular não é mais exigida aos países que aderiam a referida Convenção.
 
Todavia, consoante dispõe o art. 2º, da Convenção da Apostila, c/c art. 1º, parágrafo único, da Resolução nº 228/2016, e art. 129, 6º, da Lei nº 6.015/1973, permanece inalterada a necessidade do documento de procedência estrangeira ser registrado no Ofício de Títulos e Documentos, como condição à aquisição de efeitos jurídicos no território nacional.
 
Aliás, corroborando com esse entendimento, é importante ressaltar que o Brasil já possuía acordos bilaterais com a França e Argentina, através dos quais dispensava o procedimento da Legalização Consular, todavia, para que os documentos provenientes desses países viessem a produzir efeito no Brasil, sempre se exigiu tanto a tradução pública juramentada quanto o Registro em Títulos e Documentos, evidenciando que a Legalização Consular deve ser compreendida como uma etapa do processo, na qual é atestada a autenticidade do documento estrangeiro.
 
CONCLUSÕES
Destarte, com base nos fundamentos jurídicos apresentados, pode-se concluir: i) que a Convenção da Apostila dispensa, apenas, o procedimento da Legalização Consular, formalidade pela qual se atesta a autenticidade da assinatura, da função ou do cargo exercido pelo signatário do documento e, quando cabível, a autenticidade do selo ou do carimbo nele aposto; ii) que a Legalização Consular representa, tão somente, uma etapa no processo de aquisição de eficácia jurídica, no território nacional, de documento de origem estrangeira; iii) que o Decreto nº 8.660/2016, ao promulgar a Convenção da Apostila, não revogou o art. 129, 6º, da Lei nº 6.015/1973, por conseguinte, sendo indispensável o registro no Ofício de Títulos e Documentos, para que o documento de procedência estrangeira venha a produzir efeitos no território nacional.
1 Carlos Magno Alves de Souza é Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do Subdistrito de Brotas – Comarca de Salvador/BA; Especialista em Direito Notarial e Registral pela Universidade Anhanguera; e Especialista em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
 
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. 10ª ed., rev., atual. e ampl., Salvador: JusPODIVM, 2012.
RODRIGUES, Felipe Leonardo. Breves Notas Sobre o Aspecto Prático da Apostila de Haia. Disponível em: <https://www.26notas.com.br/blog/?p=12478>. Acesso em: 14 de jun. 2017.
SANTOS, Reinaldo Velloso dos. Registro Civil das Pessoas Naturais. Versão Digital da Primeira Edição do Livro, publicada em 2006. Disponível em: < http://www.reinaldovelloso.not.br/>. Acesso em: 14 de jun. 2017.
1 Carlos Magno Alves de Souza é Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do Subdistrito de Brotas – Comarca de Salvador/BA; Especialista em Direito Notarial e Registral pela Universidade Anhanguera; e Especialista em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
 
REFERÊNCIAS
ALVARES, Luís Ramon. O que você precisa saber sobre a legalização e o registro de documentos estrangeiros. Boletim Eletrônico do Portal do RI nº. 59/2013, de 05/07/2013. Disponível em: <http://www.portaldori.com.br/2013/07/05/o-que-voce-precisa-saber-sobre-a-legalizacao-e-o-registro-de-documentos-estrangeiros/>. Acesso em: 14 de jun. 2017.
BRASIL. Decreto nº 8.660, de 29 de janeiro de 2016. Promulga a Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros, firmada pela República Federativa do Brasil, em Haia, em 5 de outubro de 1961. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8660.htm>. Acesso em: 14 de jun. 2017.
BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015compilada.htm>. Acesso em: 14 de jun. 2017.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Convenção da Apostila de Haia. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/poder-judiciario/relacoes-internacionais/convencao-da-apostila-da-haia>. Acesso em: 14 de jun. 2017.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Parte Geral e LINDB. 10ª ed., rev., atual. e ampl., Salvador: JusPODIVM, 2012.
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