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Artigo – Aquisição de terras por estrangeiro vive impasse

A aquisição e arrendamento de imóvel rural por estrangeiro e empresas brasileiras controladas por estrangeiro no Brasil é tema que tem gerado grande discussão entre os operadores do direito e investidores estrangeiros em decorrência das diferentes interpretações feitas pela Advocacia Geral da União acerca da Lei Federal 5.709/1971 e do Decreto 74.965/1974, as quais impõem restrições e limitações à aquisição de imóveis rurais.
 
A publicação do último Parecer da AGU, em 23 de outubro de 2010, que ratificou as disposições restritivas da lei e do decreto mencionado, quase que inviabilizou os investimentos estrangeiros em imóveis rurais e em empresas brasileiras proprietárias de imóveis rurais.
 
No entanto, recentes notícias veiculadas pela mídia acerca da flexibilização do Parecer da AGU trouxeram mais uma vez à tona novas dúvidas e incertezas acerca das restrições e limitações impostas à aquisição e arrendamento de imóveis rurais, conforme refletimos no presente artigo.
 
Por força da interpretação contida no Parecer, as restrições impostas aos estrangeiros e às empresas brasileiras controladas por estrangeiros ficaram mais rígidas, vinculando toda a administração pública, inclusive e diretamente os Cartórios de Registro de Imóveis e os Tabelionatos de Notas, os quais ficam impedidos de registrar e lavrar escritura de aquisição e arrendamento de imóveis rurais, sob pena de nulidade dos atos.
 
Dentre as implicações trazidas pelo Parecer, a principal foi a interpretação de que as empresas brasileiras controladas por estrangeiros devem ser tratadas, para fins de aquisição e arrendamento de imóvel rural, como empresas estrangeiras propriamente ditas e, desse modo, sujeitas a todas a limitações e restrições impostas pela Lei Federal 5.709/1971 e pelo Decreto 74.965/1974.
 
Em síntese, empresas estrangeiras e empresas brasileiras controladas por estrangeiros apenas podem adquirir e arrendar imóveis rurais com uma área inferior ao equivalente a 100 Módulos de Exploração Indefinida (MEIs — que pode variar entre 5 a 100 hectares dependendo da região e atividade explorada no imóvel), desde que obtidas autorizações do Ministério da Agricultura, Instituto Nacional de Reforma Agrária, dentre outros. Na prática, os procedimentos para obtenção dessas autorizações ainda não foram determinados, e, portanto, não há como precisar como solicitar as autorizações e tão pouco o prazo para obtenção das mesmas.
 
A aquisição e arrendamento de imóveis rurais com área superior ao equivalente a 100 MEIs é ainda mais complicada e morosa, pois, além de estar sujeita às autorizações do Ministério da Agricultura, Incra etc., fica sujeita à aprovação do Congresso Nacional.
A aplicação das restrições impostas em decorrência da interpretação do Parecer também abrange as aquisições e arrendamento de imóveis rurais de modo indireto, incluindo aquelas resultantes de incorporação, fusão e aquisição de empresa brasileira proprietária de imóvel rural, em que ocorra a alteração do controle acionário para pessoa física ou jurídica estrangeira.
 
Não obstante, em 12 de setembro de 2012, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo publicou uma decisão prolatada no Mandado de Segurança 0058947-33.2012.8.26.0000, autorizando a averbação na matrícula do imóvel dos atos societários de incorporação de uma empresa (hipótese de aquisição indireta de imóvel), proprietária de imóveis rurais, por uma companhia brasileira controlada por capital estrangeiro. O mandado de segurança foi impetrado contra o Corregedor Geral de Justiça do Estado de São Paulo que negou a averbação da incorporação societária da empresa impetrante (cuja incorporação foi devidamente realizada antes da vinculação do Parecer, sendo, desta forma, um ato jurídico perfeito que não afrontou a interpretação da lei à sua época). No mais, ressalte-se tratar-se de uma decisão inter partes, vale dizer, que gera efeitos apenas para a autora da ação.
 
Ainda, em 11 de dezembro de 2012, a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo reviu o posicionamento contido no Parecer, passando a entender que o artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei 5.709/1971 não foi recepcionado pela Constituição Brasileira, de modo que as limitações impostas pela lei somente diriam respeito às pessoas físicas e jurídicas estrangeiras e não às empresas brasileiras controladas por estrangeiro.
 
Nesse sentido, referida decisão dispensou os Cartórios de Registro de Imóveis e os Tabelionatos de Notas do Estado de São Paulo (não incluindo os demais estados do Brasil) de observarem as restrições e as determinações impostas pela Lei 5.709/1971 e pelo Decreto 74.965/1974, afastando a aplicação da interpretação contida no Parecer.
 
Embora esta recente decisão dispense os Cartórios de Registro de Imóveis e os Tabelionatos de Notas do Estado de São Paulo de observarem as restrições impostas às empresas brasileiras controladas por estrangeiros, a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo não desvinculou os demais órgãos relacionados à questão de aquisição de imóveis rurais, tais como o Ministério da Agricultura, o Incra e o Congresso Nacional. 
 
Desta feita, é indiscutível o progresso que referida decisão da Corregedoria trouxe para o assunto, porém ainda não é suficiente para viabilizar a segurança jurídica nas aquisições/arrendamento de imóveis rurais por empresas com controle estrangeiro.
 
Assim, as recentes decisões abrem um precedente positivo para solução da quase que impossibilidade de investimento estrangeiro em imóveis rurais no Brasil, demonstrando a existência de uma crescente corrente no Judiciário e na doutrina que visa flexibilizar ditas restrições e limitações. Contudo, essas decisões ainda não se apresentam como uma solução definitiva e eficaz ao tema, pois desvincula das obrigações apenas os Registros de Imóveis e Tabelionatos de Notas do Estado de São Paulo.
 
Por fim, vale ainda pontuar que alguns projetos de leis sobre esse assunto estão em pauta e sob análise do Congresso Nacional, não sendo possível prever qual será o efetivo texto da lei que será aprovado, uma vez que existem projetos divergentes sobre o assunto.
 
Embora referidos projetos de leis já estejam sob análise e possam melhor definir o tema, seja por uma maior restrição à aquisição de imóveis rurais ou uma maior flexibilização, ainda não é possível mensurar um prazo para a solução do impasse, o que acaba gerando grande insegurança jurídica para empresas com controle estrangeiro que visam investir no país.
 
Autor: Nathália de Oliveira Dias Soares é sócia do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados. Matheus de Moura Doria Grande é advogado