Introdução
A questão mostra-se intrigante. O presente trabalho não tem a pretensão de abordar a matéria de forma definitiva, nem tampouco exaurir a temática. Presta-se, tão somente, a suscitar a discussão, incentivar a partilha de outras ideias, abrir o debate. Não tem como objetivo estabelecer verdades conclusivas, mas apenas expor, de forma objetiva, os avanços sociais e a preocupação do Poder Judiciário, não só no âmbito federal, abrindo um precedente histórico e importante, ao reconhecer a união de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar (ADI 4277/DF e ADPF 132/RJ), como também do Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais, através da Egrégia Corregedoria de Justiça, baixando Provimento que regula e uniformiza os " atos notariais e de registro relativos à matéria" (Provimento no. 223/CGJ/2011).
Nesse sentido, no contexto histórico e sociológico, sem entrar na seara religiosa, que não é objetivo desse trabalho, necessário se torna reconhecer que, longe de falar-se em "orientações sexuais" diversas do que convencionou-se chamar de "normais", deparamos com pessoas, gênero humano, dotadas de direitos e deveres, merecedoras, portanto, da tutela jurisdicional e do amparo estatal. A esses, a quem são chamados homossexuais e outras denominações menos honrosas, não seria correto tratá-los simplesmente como seres humanos, dotados de sentimentos, sexualidade, afetividade e sonhos, como todas as pessoas? Alain Touraine, citando os clássicos da política, Locke, Rousseau e Tocqueville, reforça "a ideia de que a democracia não se resume a um mero apelo por uma igualdade de direitos abstrata, mas significa o combate à desigualdade, à partir do acesso às decisões públicas" .(Garcia, Loreley , in "Direito da Minorias: Cidadania Universal ou Provilégio") Mas deixemos o campo filosófico para debruçar-nos sobre as reflexões práticas, nas linhas subsequentes acerca desse assunto, tão complexo , polêmico e de grande repercussão, não só nos meios sociais e familiares, como também nos meios jurídicos, legislativos e religiosos.
Os avanços na garantia dos Direitos na relação homoafetiva
Pela ADI no. 4277 e a ADPF n°.132, o Supremo Tribunal Federal reconhece, a 05 de maio de 2011, a UNIÃO ESTÁVEL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO como entidade familiar, equiparando essa união à união estável entre homem e mulher ,prevista no art. 266, parágrafo 3°. da Constituição Federal , que diz :" Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher, como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento". Dessa forma, o STF, acolhe no conceito de entidade familiar as uniões entre pessoas do mesmo sexo, dando uma interpretação mais abrangente ao artigo supramencionado.
Sendo o Supremo Tribunal Federal o órgão mais alto na hierarquia do poder judiciário brasileiro, suas decisões são vinculantes, ou seja, devem ser acatadas "erga omnes", não só pelas instâncias inferiores, como também pela administração pública.
A Lei 9.278, de 1996, que dispõe sobre a união estável, em seu art. 8o. preceitua: "os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da circunscrição de seu domicílio". Ora, com o reconhecimento da união estável homoafetiva, muitos ingressam com o pedido de conversão da união em casamento.
No Brasil, o primeiro casamento dessa forma foi feito na cidade paulista de Jacareí, em 28 de junho de 2011. No mesmo dia, em Brasília, a Juíza Junia de Souza Antunes, da 4ª. Vara, converteu em casamento a união entre duas mulheres.
E, em 25 de outubro de 2011, a 4ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça reconhece o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Isso não cria regras para os casos parecidos, mas abre precedente importante, de vez que tal decisão deverá ser seguida por tribunais de instâncias inferiores.
Recentemente o Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) chancelou a proposição de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que estabelece o casamento entre pessoas do mesmo sexo e outros assuntos pertinentes.
União Estável e Casamento
Indubitável afirmar que, embora no campo das ideias a intensão do legislador constituinte foi equiparar a entidade da união estável com a do casamento civil, na prática não é isso que ocorre. A começar pela forma. Enquanto a primeira navega no campo fático, a segunda carece de formalidade, ou seja, da celebração do casamento, ato mais solene do direito civil pátrio, presidido por Juiz Direito ou Juiz de Paz, conforme a organização judiciária de cada estado. Da mesma forma, o modo de dissolver-se a entidade, dá-se de forma diversa, conforme a sua natureza: informalmente, da mesma maneira como começou, no caso da união estável e através de ação judicial de divórcio ou divórcio administrativo, em cartório de notas, em se tratando da dissolução do casamento civil. E as diferenças não param por aí. No direito sucessório, enquanto o cônjuge é considerado herdeiro (art. 1.829 C.C.), o companheiro não o é, participando, apenas como meeiro, no caso da aquisição onerosa de bens, durante a convivência com o "de cujus". Isso só para elencar algumas diferenças de ordem prática
Assim, em se tratando de união homoafetiva, já se reconhece a união estável entre os conviventes, mas casamento, nos moldes como preceitua o ordenamento jurídico pátrio, ainda não.
Da polêmica em torno da matéria: argumentos prós e contra
Aqueles que são a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo, invocam os princípios jurídicos constitucionais, quais sejam os direitos fundamentais, tais como o direito à igualdade, à liberdade e a proibição de quaisquer formas de discriminação.
De outra banda, alegam que, se o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo, mister seja reconhecido o casamento, caso queiram os conviventes, transformar tal união em casamento, com fulcro no art. 8°. da Lei 9.278 de 1996: "os conviventes podem requerer a conversão da união estável em casamento…"
Em contrapartida, há aqueles que posicionam-se contrariamente a conversão da união estável de casais do mesmo sexo em casamento, alegando que o texto constitucional fala em "…união estável entre o homem e a mulher…" E ainda afirmam que somente o Congresso Nacional tem legitimidade para alterar a Constituição Federal.
Desnecessário dizer que a matéria requer estudo, não só no âmbito jurídico, constitucional, mas também no âmbito sócio cultural, histórico, religioso e moral.
– PROVIMENTO No. 223/CGJ/2011
Diante das indagações de tamanha complexidade, a Egrégia Corregedoria de Justiça de Minas Gerais, dando cumprimento às atribuições que lhe são conferidas por lei, no sentido de orientar, regulamentar e uniformizar os atos notariais e registrais, no tocante à matéria, baixou o Provimento no. 223/CGJ/2011, que veio em socorro aos Tabeliães de Notas e Registradores, sanando assim, tantas dúvidas decorrentes de tais mudanças.
Referido provimento, define união estável, facultando aos conviventes lavrarem escritura pública declaratória de união estável, que poderá ser registrada no serviço de títulos e documentos do domicílio dos conviventes, além dos mesmos poderem fazer, junto ao serviço de registro de imóveis, o registro da instituição de bem de família e averbação da escritura acima referida, desde que devidamente registrada no serviço de registro de títulos e documentos.
Ressalta, ainda, o dever do tabelião em orientar os declarantes para fazer constar da referida escritura a ressalva quanto a eventuais erros, omissões ou direitos de terceiros.
Conclusão
Conforme dito no início, a discussão acerca da matéria ainda não terminou. Tal discussão requer fundamentação mais criteriosa, de vez tratar-se de aspectos inerentes à célula mater da sociedade – a família. No dizer da desembargadora do TJ-RJ, Maria Berenice Dias: "A família não se define exclusivamente em razão do vínculo entre homem e mulher ou da convivência dos ascendentes com seus descendentes, ligados por laços afetivos, sem conotação sexual. (…) Assim, a prole ou a capacidade proativa não são essenciais para que a convivência de duas pessoas mereça a proteção legal, descabendo deixar fora do conceito de família às relações homoafetivas…".
E ainda, nesse mesmo sentido, Tiago Batista Freitas: "(…) na sociedade brasileira contemporânea, o fenômeno da união estável homossexual está claramente evidenciado e aceito. Cabe, então, aos magistrados, advogados e doutrinadores, o entendimento desse fenômeno como parte do meio social para a utilização dos princípios e métodos adequados à defesa dos interesses dessas pessoas".
Sabendo-se que é dever do Estado zelar pela dignidade do ser humano e "esse dever configura-se pela exigência de o indivíduo respeitar a dignidade de seu semelhante tal qual a Constituição Federal exige que lhe respeitem a própria". E, ainda, " a concepção dessa noção de dever fundamental resume-se a três princípios do Direito Romano: honestere vivere (viver honestamente), alterum non laedere (não prejudicar ninguém) e suum uique tribuere (dê a cada um o que lhe é devido)" (Moraes, Apud Freitas, 2002, p.129) consideramos que, necessário se torna tutelar os direitos e deveres oriundos das relações humanas, independentemente da conotação religiosa que se possa ter e que também deverá ser respeitada.
Assim, o reconhecimento da união estável entre homossexuais é uma realidade. A discussão está aberta. Quanto ao casamento, acreditamos que a matéria só estará plenamente pacificada quando assim o dispuser o nosso ordenamento jurídico máximo – a Constituição Federal.
Referências
-www.tjmg.jus.br/corregedoria/apresentacao/atribuicoes.html
-www.IBDFAM.org.br
.wikipedia.org/wiki/casamento_entre_pessoas_do_msmo_sexo
– Folha de São Paulo (www.folha.com.br)
-noticias.terra.com.br>brasil
-www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo-178931
– Garcia ,Loreley – Direitos das Minorias : Cidadania Universal ou Privilegio
-www.ccj.ufpb.br/nepgd/images/…/ensaio_direito_das_minorias_pdf
-Touraine, Alain, O que é Democracia? Petrópolis, Ed. Vozes 1996
-Moraes, Apud Freitas,2002,p.129
-Freitas, Tiago Batista. União Homoafetiva e rgime de bens. HTTP.://www 1.jus.com.br/doutrina/texto as?id=3441)
-Costa, Rubeval Pinheiro – Homofobia.
Autor: Yara Maria Cabral Sarmento é Tabeliã do 2° Tabelionato de Notas – Cartório Sarmento. Itajubá-MG