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Artigo: Considerações sobre a cláusula de reversão – José Flávio Bueno Fischer

Por José Flávio Bueno Fischer*
Hoje vamos falar um pouco sobre a cláusula de reversão, que pode ser instituída em doações, que são contratos gratuitos por excelência, nos quais uma das partes transfere bens ou vantagens para o patrimônio de outra.

A cláusula de reversão deve ter estipulação expressa e está prevista no Artigo 547 do Código Civil: “O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário. Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro”.

A doutrina explica: a doação com cláusula de reversão é negócio jurídico bilateral sob condição resolutiva. Portanto, enquanto não se realizar a condição – que no caso é o retorno da propriedade ao doador, caso este sobreviva ao donatário – vige plenamente o negócio jurídico celebrado. Nesse contexto, o Colégio Registral do Rio Grande do Sul, conforme ensinamento contido em http://www.colegioregistralrs.org.br/associado_perguntaeresposta_resposta.asp?codArea=5&codPerg=852, contribui para o nosso entendimento: "A reversão admitida na generalidade dos códigos, é uma condição resolutiva. Os bens doados, passam desde o momento da tradição, ou da transcrição, para o domínio do donatário; verificada a condição, revertem ao domínio do doador, resolvendo-se, com a reversão, os direitos reais concedidos pelo donatário (art. 547 do Código Civil)."

O parágrafo único do Art. 547 deixa muito claro, também, que a cláusula de reversão somente pode ser estabelecida em favor do doador, jamais em prol de qualquer outra pessoa, que não o(s) proprietário(s) do bem por ocasião da prática da liberalidade.

Tal modalidade de doação tem origem no direito romano e a doutrina também menciona que o doador, em recebendo de volta o patrimônio, deverá contentar-se em recebê-lo no estado em que se encontra, conforme ensina Serpa Lopes: “Os frutos percebidos no período da vigência da condição pertencem ao donatário, não cabendo qualquer obrigação de restituição por parte dos herdeiros. Esse direito aos frutos representa uma consequência, própria ao direito outorgado ao donatário”.

Assim, em caso de retorno do bem doado ao patrimônio do doador, em razão da morte do donatário, aquele receberá o imóvel, eventualmente, em condições diversas daquela de quando fez a doação, e via de regra não poderá exigir dos sucessores do donatário restituição em relação a eventuais prejuízos, desvalorização do bem etc. Da mesma forma, os frutos produzidos pelo bem durante o tempo em que esteve na titularidade do donatário, pertencem a ele ou aos seus sucessores, inexistindo qualquer obrigação de restituição dos mesmos ao doador, em caso de este reaver o imóvel.

Via de regra, o procedimento para o retorno do imóvel ao patrimônio do(s) doador(es), em caso de morte do donatário (e estando o imóvel ainda em nome deste último!), é relativamente simples. O(s) doador(es) podem fazer um requerimento, solicitando a averbação do óbito do donatário na matrícula do imóvel e a reversão da doação. Para tanto, deverão anexar o documento comprobatório – no caso, a via original ou cópia autenticada da certidão de óbito respectiva. Tal encontra-se narrado nos ensinamentos contidos em http://grupogilbertovalente.blogspot.com.br/2009/09/doacao-com-clausula-de-reversao.html:  “…sobrevindo a resolução, isto é, ocorrendo a morte do donatário, o doador apresentará certidão de óbito ao Oficial, requerendo a devida averbação. Não há necessidade de novo registro para que o imóvel volte ao patrimônio do interessado, pois não se trata de negócio novo e sim de restauração da situação primitiva… bastando, como foi dito simples averbação do óbito da donatária, sem incidência de imposto”.

Por tratar-se de um contrato bilateral com condição resolutiva, existem entendimentos doutrinários de que o donatário não poderia dispor da propriedade, livremente, do bem recebido em doação. Entretanto, tal não se aplica à hipótese, conforme podemos verificar no parecer dado pelo Colégio Registral do Rio Grande do Sul, quando consultado a respeito da disponibilidade do imóvel, em http://www.colegioregistralrs.org.br/associado_perguntaeresposta_resposta.asp?codArea=5&codPerg=852: "Poderá o donatário dispor da coisa?

"Tomada esta expressão no sentido de alienação (disposição jurídica), nenhum embaraço vemos, podendo ele vender, doar, dar em pagamento, sendo, porém, resolúvel a propriedade do adquirente”… Portanto, ao donatário, embora a existência da cláusula, é permitida a livre disposição patrimonial, devendo, contudo, ser mencionada, na transmissão a ser efetivada, a cláusula de reversão existente. Porque permanece a premissa em relação à doação anteriormente contratada: vindo a falecer o donatário antes do doador, a transação feita pelo primeiro com terceiro é resolúvel, podendo o imóvel voltar ao patrimônio do doador!

Recentemente, tivemos uma situação na qual o adquirente do imóvel, em negociação onerosa, ficou apreensivo com a notícia da existência da cláusula de reversão relativa ao imóvel, constante das negativas de ônus e de ações reais e pessoais reipersecutórias referentes ao bem objeto do negócio.
Com a intenção de dar fim àquela condição resolutiva, o comprador do imóvel buscou saber se a doadora e a donatária – contratantes da doação anteriormente efetivada tendo por objeto o imóvel, onde foi instituída a cláusula de reversão-, ainda eram vivas. Felizmente, sim, e também predispostas a firmarem o cancelamento da cláusula instituída para a devida averbação junto à matrícula do bem. Assim, lavramos escritura pública de declaração, na qual filha e mãe – a filha era a doadora e a mãe a donatária, na doação anteriormente realizada – revogaram a cláusula de reversão, expressamente, requerendo, ao Registrador de Imóveis competente, a averbação de tal cancelamento na matrícula do imóvel. Portanto, cancelou-se a condição resolutiva a que estava sujeito o bem. No caso em questão, veja-se, que a doadora (a filha), muito mais jovem do que a donatária (a mãe), pela ordem natural da vida, teria grandes chances de sobreviver à donatária. Nesta hipótese, o imóvel poderia retornar à propriedade da doadora, caso ela assim o reivindicasse e, obviamente, dependeria do resultado de eventual discussão judicial sobre o destino do bem.

Embora não muito frequente a imposição de tal cláusula nas doações, é importante orientar os contratantes quanto ao caráter resolutivo a que fica submetida a liberalidade então praticada, e, por extensão, o bem objeto do negócio. Recomenda-se, por esse motivo, às partes, que, no futuro, em caso de venda do imóvel a terceiro pelo donatário, na hipótese de ser vivo ainda o doador, estes (doador e donatário) procedam na revogação da cláusula, solicitando a averbação de tal cancelamento na matrícula do imóvel perante o ofício imobiliário competente. Assim, o futuro comprador do imóvel poderá ter a tranquilidade de que aquela condição resolutiva a que estava sujeito o bem não vige mais, estando o patrimônio adquirido, pelo menos nesse quesito, livre de ameaças futuras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 – RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Lei nº 10.406, de 10.01.2002. Atualizado de acordo com o Novo Código Civil.  4. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005.
2 – JUNIOR, Nelson Nery e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 8. ed., rev., ampl. e atual, até 12.07.2011. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
3 – COLÉGIO REGISTRAL DO RIO GRANDE DO SUL. Perguntas e Respostas. Registro de Imóveis. Disponível em http://www.colegioregistralrs.org.br/associado_perguntaeresposta_resposta.asp?codArea=5&codPerg=852. Acesso em 10 de abril de 2015.
4 – GRUPO GILBERTO VALENTE.  Doação Com Cláusula de Reversão. Disponível em http://grupogilbertovalente.blogspot.com.br/2009/09/doacao-com-clausula-de-reversao.html. Acesso em 10 de abril de 2015.

*José Flávio Bueno Fischer
1º Tabelião de Novo Hamburgo
Ex-presidente do CNB-CF
Membro do Conselho de Direção da UINL