Em julgado pelo TJ-SC, o entendimento do Desembargador Joel Dias Figueira Júnior foi acompanhado pelo Relator Rodolfo Cezar Ribeiro da Silva Tridapalli no sentido de que cabe a demonstração da culpa por descumprimento de dever conjugal em ação de divórcio, para que o cônjuge culpado perca o direito à pensão alimentícia. (Apelação Cível 0303856-50.2014.8.24.0005, 4ª Câmara de Direito Civil, j. 18/05/2018)
Um dos pontos centrais, consignado apropriadamente pelo Desembargador Joel Dias Figueira Júnior, foi o de que a discussão sobre a culpa pelo rompimento do vínculo conjugal não foi superada com a edição da Emenda Constitucional n. 66/2010, havendo, ainda, implicação na fixação da pensão alimentícia.
A referência à Emenda Constitucional n. 66/2010 deve-se à modificação do divórcio por ela operada ao reconhecer que a separação não é mais requisito prévio para o divórcio, mas isso não significa, em absoluto, que foi eliminada a dissolução culposa do casamento.
De fato, ao considerar o teor dos arts. 1.702 (1) e 1.704 (2) do Código Civil de 2002, aplicáveis ao caso em questão, a inobservância das normas de conduta que regulam o casamento deve ser considerada diante da possibilidade de perda do direito à pensão alimentícia.
A fixação de pensão alimentícia quando é demonstrada a culpa pelo descumprimento de dever do casamento é excepcional e somente compreende um valor indispensável à sobrevivência, o que poderíamos chamar de “cesta básica”, conforme estabelece o parágrafo único do art. 1.704, CC (3). Esse valor indispensável não tem como parâmetro o padrão de vida do casal, mas somente o que é essencial à subsistência.
É preciso lembrar, ainda, que existem outras formas de sanções civis para aqueles que descumprem os deveres conjugais, como a reparação de danos morais e materiais (art. 186, CC) e a perda do direito de utilização do sobrenome conjugal (art. 1.578, CC).
Alheios a essas possibilidades, há entendimentos jurisprudenciais e doutrinários que buscam eliminar a culpa de nosso ordenamento brasileiro. Tais ideias, no entanto, decorrem de equívoco na conceituação de culpa e de sua finalidade no direito. Como comento, a culpa é fundamento da responsabilidade civil, havida como inexecução consciente de uma norma de conduta, na ciência do direito. (Curso de Direito Civil, 2. Direito de Família. Whashington de Barros Monteiro, Regina Beatriz Tavares da Silva. 43ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016. P. 378)
Em outras palavras, o casamento é uma relação jurídica, que gera deveres ou normas de conduta, e, como em qualquer outra relação jurídica, o descumprimento dessas normas deve gerar sanções civis, como a perda do direito à pensão alimentícia.
Negar a possibilidade de decretação da culpa na dissolução do casamento equivale a retirar toda e qualquer eficácia dessas normas de conduta entendidas como deveres jurídicos do casamento, como a fidelidade, o respeito à integridade física e moral do cônjuge e a mútua assistência imaterial e material (Código Civil, art. 1.566). Essas normas passariam a ser meras recomendações ou faculdades, e não mais deveres jurídicos.
No caso referido, não ficou comprovado qualquer tipo de culpa da esposa pelo rompimento da relação conjugal, razão pela qual ela não perdeu o direito à pensão alimentícia. No entanto, o debate ocorrido no julgamento em tela, muito bem conduzido pelo Professor e Desembargador Joel Figueira Júnior, esclarece muito bem a questão da culpa pelo descumprimento de dever conjugal e a consequente perda do direito à pensão alimentícia.
(1) Art. 1.702. Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no art. 1.694
(2) Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial
(3) Art. 1.704. Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência
*Regina Beatriz Tavares da Silva é presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Doutora em Direito pela USP e advogada
Fonte: O Estado de S. Paulo