carregando ...
logo-menu Notários
logo-whatsapp WhatsApp

ARTIGO: Felipe Leonardo Rodrigues

Luiz Carlos Elchin Ferreira da Silva. O co-autor é bacharel em direito e tabelião substituto no 26º Tabelionato de Notas de São Paulo.
Felipe Leonardo Rodrigues. O co-autor é bacharel em direito e atua no 26º Tabelionato de Notas de São Paulo.
 
Alguns dias atrás, uma renomada advogada nos perguntou, se dê alguma forma, o projeto recém aprovado pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), de autoria do Deputado Federal Clodovil Hernandes (PR-SP), recentemente sancionado pelo Presidente da República, equipararia os enteados aos filhos no que tange aos direitos que estes têm em decorrência da sucessoriedade. 
 
Pela alteração legislativa, o enteado ou enteada, havendo motivo ponderável, poderá requerer ao juiz que autorize a alteração do nome no assento de nascimento, com a inclusão do nome familiar do padrasto ou madrasta, sob a condição de haver concordância expressa deles.
 
Sobre o motivo ponderável exigido pela lei, a nos, parece bastar à vontade inequívoca das partes e a ausência de mácula que possa descaracterizar o pedido.
 
Vale lembrar, que desde 1997, pelo Estatuto da Previdência Social, o enteado ou enteada equipara-se ao filho para fins previdenciários, mediante a declaração do segurado e a comprovação da dependência econômica (art. 16, § 2º, da Lei 8.213/91, redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997).
 
Por analogia ou interpretação sistêmica, estaria o enteado equiparado ao filho atinente aos direitos sucessórios do padrasto ou madrasta, em razão da alteração legislativa? 
 
Para encontramos a reposta, devemos citar a paternidade socioafetiva, desconhecida pela população em geral.
 
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 abriu-se uma lacuna interpretativa, elevando os laços de amor em pé de igualdade com os laços sanguíneos.
 
Surgindo daí, a chamada paternidade socioafetiva, que consiste numa legitimação, para que uma paternidade exercida de fato possa figurar legalmente.
 
No Código Civil de 1916, parentesco civil era havido como aquele oriundo somente de adoção, mas o atual Código Civil, em seu art. 1.593 estabelece que:
“O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.” (grifo nosso).
 
Ao mencioná-lo de forma aberta, abriu-se a possibilidade de outras interpretações, que resulta de outra origem que não seja a consanguinidade. E dentre estas interpretações, i.e., podemos citar que o parentesco civil também decorre de relação socioafetiva, que não se restringe só a adoção.
 
A paternidade socioafetiva, portanto, passou a ter apoio legal. E para a sua configuração, é necessária a existência de alguns requisitos, entre eles: i) a inexista vício de consentimento1; ii) o pai trate o filho como seu, de modo a assim ser havido em sociedade2; iii) a existência efetiva de laços de convivência e afetividade. 
 
Sem maiores pretensões acadêmicas, sobre a pertinente pergunta feita por nossa colega, em face da modesta mudança legislativa, cremos que tal alteração não seja ‘suficiente’ para alçar o enteado para o rol dos necessários, isto é, não é possível juridicamente o enteado ou enteada requerer, com base em tal alteração, seja reconhecido o seu direito num eventual inventário do padrasto ou madrasta, com fito exclusivamente patrimonial, por exemplo.
 
A família afetiva transcende os laços de sangue a ponto de o direito autorizar que se dê prevalência sobre a verdade biológica. Entretanto, o vinculo de afeto só pode ser reconhecido na integralidade, com todos os seus efeitos3, e não apenas economicamente.
 
Para que isso ocorra, se faz necessário à averiguação de outros requisitos que alçam o enteado ou enteada à categoria de herdeiro, e assim possa figurar no rol dos necessários.
 
Deveras, o nome familiar concedido ao enteado ou enteada por si só não gera a eles os direitos e deveres como se filhos fossem. Para isso, se faz necessária a verificação de outros elementos caracterizadores da paternidade socioafetiva, mormente a existência de laços de convivência, afetividade e o consequente reconhecimento de filiação em processo judicial próprio.
 
O intuito é alertar e não confundir o direito ao nome familiar do padrasto ou madrasta com o direito sucessório deles; e para que isso ocorra, é necessário o reconhecimento de filiação socioafetiva em procedimento judicial próprio. 
 
Por outro lado, a averbação do nome familiar do padrasto ou madrasta no Registro Civil das Pessoas Naturais gera uma presunção erga omnes de afeição e outros atributos, que facilitará a fase probatória num eventual reconhecimento de paternidade socioafetiva.
 
Vale dizer que a presente alteração legislativa veio em boa hora, pois não só reconhece a troca de amor e afeto, como retoma o convívio em sociedade com dignidade e identidade…
 
Referência:
1Tavares da Silva, Regina Beatriz. Doutora em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Usp. Advogada E Professora. Paternidade Sócio-Afetiva. Sítio www.flaviotartuce.adv.br, Artigos. Acesso 27/03/2009.
 
2Idem.
 
3Desembargador José Siqueira Trindade, da 8ª Câmara Cível do TJRS. Citação ao negar reconhecimento de filiação socioafetiva para direito à herança de madrasta. Sítio do TJRS (www.tjrs.jus.br), Notícias. Acesso 27/03/2009.

ARTIGO: Felipe Leonardo Rodrigues

A CORRELAÇÃO ENTRE SOLICITANTE E NOTÁRIO NAS ATAS NOTARIAIS

Felipe Leonardo Rodrigues*
 
“a profissão notarial é quiçá, entre todas as sociais, aquela cujo exercício maior moralidade demanda…1
 
A classificação das atas não é tarefa das mais fáceis. Uma corrente da doutrina notarial classifica as atas notariais em duas facetas:
 
A primeira faceta depõe que o notário documenta mediante atividade “ativa”, isto é, verifica os fatos subjetivamente, incluindo aí o juízo fático. Nessa classificação, as atas caminham por si só, assim, necessitam tão somente do impulso pelo requerimento feito pelo solicitante.
 
Desta forma, o tabelião age de forma ativa, sem a necessidade de coordenadas ou de pedidos feitos pelo solicitante para o que constatar. Citamos p. ex. as atas de notificação (sem intuito de registro), atas de constatação da compra de produto em estabelecimento comercial, atas de constatação de pagamento de sua recepção ou negativa por parte do credor de um crédito.
 
A segunda faceta diz que o notário documenta mediante atividade “passiva”, ou seja, constata os fatos objetivamente, sem ilações quanto ao assunto de fundo que movimenta os interesses das partes. Nessa classificação, as coordenadas (os pedidos) para o que constatar é feito pelo solicitante, desta forma, o tabelião age conforme os pedidos que lhe são dirigidos e requeridos. Do contrário, o notário pode cometer equívocos descritivos sobre o objeto da constatação, daí podendo incorrer em responsabilidades desnecessárias.
 
Frisamos que as coordenadas (ou pedidos) lançadas pelo solicitante, intervenientes ou requeridos para o que constatar se trata tão somente ao objeto da constatação e não a sua redação, procedimento exclusivo do tabelião.
 
No direito notarial, sabemos que nas atas notariais a intervenção notarial é sempre requerida – o requerimento (verbal ou escrito) é o impulso para o labor notarial.
Não há intervenção de ofício, exceto em casos específicos de direito difuso e coletivo, ao que me consta, somos os únicos que defende tal posição.
 
No direito tabelionar, denomina-se solicitante ou requerente o sujeito de direito que solicita a atuação do tabelião para tutelar (autenticar) um direito ou interesse próprio ou de outrem (pessoa em cujo nome de outrem atua).
 
Os notarialistas lecionam que, pelo principio da inescusabilidade notarial, se o direito ou interesse invocado é legítimo – a juízo do tabelião -, e o requerimento se efetuou, o tabelião que não tenha impedimento justificado vincula-se à solicitação e, portanto, obrigado a realizar a diligência notarial solicitada, do contrário poderá sofrer sanções administrativas.
 
Não é de mais frisar, para a confecção da ata notarial, basta o interesse legitimo do solicitante em preservar e autenticar o fato desejado; não deve imiscuir-se, o notário, em pedidos de provas ou outros elementos para a operação notarial – o assunto de fundo diz respeito ao solicitante e ao requerido.
 
Recebido a solicitação, o notário deve identificar e qualificar o solicitante da ata postulada, em atenção supletivamente ao conteúdo ao art. 215 e incisos (exceto o IV), do Código Civil, bem como as Normas de Serviço Extrajudicial dos Estados que também rege a atividade notarial – no caso das atas – com as devidas adaptações, já que ata notarial não é e nem se parece com escritura pública.
 
Os requeridos não estão obrigados a se identificarem, mas pedem ser convidados a assinar a ata notarial, se se recusarem, basta a declaração de quem são.
Ressaltamos que ata é ata, escritura é escritura. Tínhamos que a técnica nas atas era a mesma que nas escrituras, no entanto a prática cotidiana nos expôs que são práticas distintas, com particularidas individuais e próprias.
 
O notário, ao entrar na atuação notarial, deve agir somente em virtude dos pedidos do solicitante, regra que se afasta quando haja fato de relevância social ou de interesse da justiça, e se a solicitação for contra esses interesses, ela não será atendida. 
 
Na relação entre o solicitante (ou terceiros) e o notário, este deve primar pelo decoro profissional, isto é, na autenticação dos fatos o tabelião deve agir com correção moral; compostura, decência. 
 
Outro aspecto importante é a certeza plena dos fatos que ocorrem e jamais certificar fatos dos quais não esteja plenamente convencido de que ocorreram. Se o tabelião não tem convicção se os fatos efetivamente ocorreram, ele deve ser abster de certificar, sob pena de responsabilidade civil, penal ou administrativa.
 
É frequente (e sumamente necessário) que antes do início de qualquer constatação (especialmente quando se prevê um desenvolvimento dificultoso) se faz necessário instruir pormenorizadamente os atores da ata notarial sobre seus requisitos e efeitos.
 
Esta tarefa quiçá deva continuar no momento em que se autentica o fato; é habitual que o notário se veja obrigado a estar recordando o cliente (leia-se o solicitante) às regras que o regem, especialmente quando se produzem fatos que este considera opostos a seus interesses e devem ser consignados no documento (“tabelião, isso não coloque na ata…”) (E. Jorge Arévalo in Superficial Estudo Das Atas Notariais).
 
O tabelião deve atuar com independência e imparcialidade na verificação dos fatos sem ater-se ao pano de fundo que rege os interesses do cliente, sob pena de quebrar o protocolo e entrar numa seara que poderá, dependendo do caso, custar à própria delegação.
 
Devemos procurar lavrar atas notariais robustas e protegê-las de ataques (incidente de falsidade). Não podemos deixar que banalizem referido instituto aos olhos da população e do judiciário; ato notarial tão importante para a atividade notarial e em franca ascensão.
 
Há outras particularidas das atas notariais, considerados como próprios delas. Mencionam-se:
a) exigência de que a narração do notário se ajuste à verdade;
b) a atuação imparcial por parte do notário que se cumpre, basicamente, atendendo este procedimento:
  • 1. se perguntado, ou a juízo do tabelião, dar-se a conhecer como tal ante terceiros ou requeridos e demais presentes no começo do ato;
  • 2. se perguntado, ou a juízo do tabelião, comunicar a estes o propósito da diligência;
  • 3. informar aos partícipes sobre a possibilidade de fazer constar na ata declarações de toda índole que se relacionem com o objeto da diligência;
  • 4. recordar que, a exceção do solicitante, as demais pessoas podem negar-se a assinar o instrumento notarial, mas deve-se mencionar que houve o convite para a assinatura;
c) a presença do notário como única fonte de narração dos fatos na ata – princípio da imediação notarial;
 
Princípios este que fazem à essência da função notarial e fundamentam suficientemente o afirmado. Mas convém mencionar que, segundo corresponda à instrumentação de atas ou de escrituras, variam certas circunstâncias às quais o notário deve adequar-se.
 
O intuito deste modesto artigo é alertar notários e escreventes sobre os tentáculos de terceiros que rodeiam a redação das atas notariais, especialmente para se beneficiarem com apontamentos e sugestões tendenciosas, que podem por em xeque o ato notarial. O tabelião deve estar atento e vigilante.   
 
Referencia:
1Gutiérrez-Álveres, Jorge. Sobre la ética notarial. http://www.juridicas.unam.mx. Acesso 15/02/2009.
        
*O autor é bacharel em Direito, especializando em Direito Notarial e Registral, colunista do Boletim Eletrônico INR, colaborador do Boletim Cartorário – DLI e atua no 26º Tabelionato de Notas de São Paulo.
 
Ao leitor interessado em conhecer outros assuntos relacionados ao tema notarial, indicamos a consulta a nosso blog Crônica Notarial em http://tabellios.blogspot.com/

 

Artigo: Felipe Leonardo Rodrigues




BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE VALIDAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA DECLARADA INCOMPLETA POR FALTA DE ASSINATURA 

Entende-se por escritura pública a interpretação formal ou instrumental de ato ou negocio jurídico, feita por notário público, a pedido das partes interessadas, em consonância com os preceitos legais1.     

Escritura pública – por trata-se de ato solene – deve conter os requisitos obrigatórios, para então ventilar seus efeitos no mundo jurídico. 

Dentre os requisitos necessários, está à obrigatoriedade de colher as assinaturas das partes presentes ao ato, conforme determina o inciso VII, § 1º, art. 215, do Código Civil Brasileiro, que dispõe in verbis: 

Art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.

§ 1º Salvo quando exigidos por lei outros requisitos, a escritura pública deve conter: 

(…)

VII – assinatura das partes e dos demais comparecentes, bem como a do tabelião ou seu substituto legal, encerrando o ato. (Itálico nosso).

(…) 

Como se extrai da interpretação lógica deste inciso consoante com o seu caput e parágrafo, as assinaturas das partes comparecentes ao ato notarial é requisito solene exigido por lei, que simboliza o consentimento emitido, ou seja, é a manifestação de vontade livre de qualquer coação, induzimento ou constrangimento. 

Paulo Roberto G. Ferreira2, Tabelião de Notas, leciona que: 

“Não se admite ato notarial sem consentimento, salvo a exceção feita à ata notarial3”.  

Na eventual falta de assinatura de uma das partes envolvidas no ato notarial, as Normas de Serviço Extrajudicial da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, precisamente no item 26.1, prevê que: 

 “Na ausência de assinatura de uma das partes, o tabelião declarará incompleta a escritura, consignando as assinaturas faltantes; pelo ato serão devidos emolumentos e custas, ficando proibido o fornecimento de certidão ou traslado sem ordem judicial” (Itálico nosso). 

Dessa forma, confirmada a vontade de uma das partes em não celebrar a escritura, o ato torna-se incompleto por força normativa, cuja eficácia fica suspensa no plano da teoria do fato jurídico, não tendo os seus efeitos ventilados no mundo jurídico.  

Aliás, para nós, esse ato notarial não é anulável nem nulo, uma vez que não preteriu solenidade que a lei considera essencial para a sua validade, consoante estabelece o art. 166, V, do Código Civil Pátrio, isto é, para ser nulo, o instrumento público teria que transitar incompleto no trafego jurídico. 

Ademais, haveria nulidade do ato notarial, se p. ex., houvesse à ausência de advogado na ocasião da lavratura da escritura pública de divórcio ou não sendo ela lida perante as partes, a teor do art. 166, inc. V do Código Civil.  

Vale notar, que o ato notarial nulo não é possível de convalidação, cf. prevê o art. 169 do Código Civil, o qual merece transcrição: 

“Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”. (Itálico nosso). 

Feita estas considerações, a falta de assinatura de uma das partes na escritura pública por si só torna o ato notarial incompleto, exceto se do próprio ato consignar tal exigência.  

Visualizando um caso concreto, a parte vendedora assina a escritura e a parte compradora se recusa a assinar por motivos alheios ao negócio celebrado. Meses depois a parte compradora manifesta a vontade de convalidar o ato declarado incompleto por falta de sua assinatura. Pergunta-se: é possível a lavratura de uma nova escritura de ratificação do negócio pendente de aperfeiçoamento?  

A resposta não é das mais fáceis, não obstante as normas de serviço paulista nada mencionar a respeito, cremos pela possibilidade da ratificação de escritura pública declarara incompleta, desde que a assinatura faltante seja da parte compradora e a parte vendedora tenha assinado a escritura dando quitação do preço; ou se a assinatura faltante for do vendedor, este assinará a escritura de ratificação, inclusive dando quitação do preço. 

Se a parte compradora ou vendedora – de livre e espontânea vontade – deseja validar o ato notarial declarado incompleto, não percebemos vedação nesse sentido.  

Corrobora o nosso entendimento, alguns itens do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná, que prevêem expressamente a possibilidade de validação do ato declarado incompleto:  

11.2.9.4 – Em casos excepcionais a escritura anteriormente declarada incompleta poderá ser ratificada, desde que a assinatura faltante seja da parte compradora e a parte vendedora tenha assinado a escritura dando quitação do preço.

11.2.9.5 – Para a convalidação da escritura o notário deverá lavrar escritura de ratificação, aproveitando o ato praticado, sendo que a parte que não compareceu na data designada para assinatura deverá assumir a responsabilidade civil e criminal pelas declarações inseridas na nova escritura.

11.2.9.6 – Havendo qualquer dúvida ou não podendo entrar em contato com a parte vendedora, o notário deverá abster-se de lavrar a escritura de ratificação, sob pena de responsabilidade.

11.2.9.7 – O notário deverá anotar a lavratura da escritura de ratificação junto à escritura anteriormente declarada incompleta, revalidando o ato. (Itálico nosso).  

Outra questão não menos tormentosa, trata-se do princípio da unicidade do ato notarial. Por ele, ato deve conter uma unicidade de contexto, tempo e lugar4. A nosso ver, tal princípio – no presente caso – dever ser aplicado de forma mitigada por suas peculiaridades, uma vez que os elementos formadores do ato foram observados no ato declarado incompleto, sendo o mesmo aperfeiçoado com a subscrição da assinatura (leia-se consentimento) na escritura validadora. 

Sem mais delongas, para concluirmos, algumas cautelas devem ser tomadas:  

i) o tabelião que declarou incompleto o ato notarial originário deve lavrar a nova escritura de validação, em razão de obter elementos que balizem o novo ato notarial; bem como proceder a devida anotação à margem do ato originário das informações da escritura de validação do negócio;

ii) o notário deve individualizar e especificar a assinatura faltante.

iii) o tabelião não poderá alterar as cláusulas da escritura originária;

iv) o ato notarial tornado sem efeito não é passível de convalidação ou ratificação;

v) no registro, a parte interessada, deve apresentar as duas escrituras (a originária e a ratificadora), ocasião em que o Registrador Imobiliário analisará os atos notariais, em especial, o motivo que levou o tabelião a declará-la incompleta. Convicto do aperfeiçoamento e demais elementos da escritura, o Oficial registrará as escrituras num só registro.

 

Referências:

1MARTINS, Cláudio. Teoria e Prática dos Atos Notariais. Rio de Janeiro: Forense, 1979.

2FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger Ferreira em co-autoria com Francisco José Cahali, Antonio Herance Filho e Karin Regina Rick Rosa. Escrituras Públicas – Separação, Divórcio, inventário e Partilha Consensuais. São Paulo: RT, 2007.

3Na recusa imotivada do solicitante em assinar a ata notarial, o tabelião portará por fé tal circunstância e subscreverá o ato, perfectibilizando-o, já que tal falece de outorga.

4Idem.

 

ARTIGO: Felipe Leonardo Rodrigues




ANOTAÇÕES ACERCA DA POSSIBILIDADE DE REALIZAR SEPARAÇÃO DE CORPOS POR ESCRITURA PÚBLICA 

Luiz Carlos Elchin Ferreira da Silva. O co-autor é Bacharel em Direito e Tabelião Substituto no 26º Tabelionato de Notas de São Paulo. 

Felipe Leonardo Rodrigues. O co-autor é Bacharel em Direito e atua no 26º Tabelionato de Notas de São Paulo.

É sabido que no direito de família há um interesse do Estado em defesa do casamento ou do vínculo conjugal, visto que a instituição familiar é o sustentáculo maior da sociedade e merece atenção e proteção estatal, conforme prescreve o art. 226 da Constituição Federal.

A regra é a consagração e a mantença do núcleo familiar, no entanto há exceções, seja em razão de circunstâncias alheais – como a morte – gerando o inventário e partilha dos bens deixados pelo autor da herança ou por incompatibilidades de gênios – no casamento – que torna a vida em comum insuportável, gerando daí a separação e o divórcio.

Com a edição da Lei nº. 11.441/07, alterou-se dispositivos da Lei nº. 5.869/1973 (Código de Processo Civil), permitindo a realização de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais por via notarial (leia-se Tabelionato de Notas). Tal ato legislativo remeteu para a seara extrajudicial – precisamente ao tabelião de notas – questões intimamente ligadas à jurisdição voluntária do foro judicial.

Essa pequena alteração (de cinco artigos) trouxe muitos benefícios aos cidadãos, dentre eles agilidade no tramite e solvência de questões sensíveis ligados ao direito de família. Pela nova roupagem, substituiu-se o magistrado pelo tabelião, que agora em diante deverá agir como custos legis, fazendo justapor a correta aplicação das leis, e tutelando com imparcialidade o ato notarial realizado, vg. Como muito bem desempenha na área tributária.

A consequência para o sistema jurisdicional é olhar agora em diante para as questões menos amenas, exclusivamente litigiosas, e deixar as ‘controvérsias’ consensuais para um profissional do direito investido de fé pública pelo Estado, como o é o tabelião de notas.

Diga-se de passagem, a presença de advogado nos atos notariais é totalmente dispensável, e que só ‘infla’ o ato notarial. Convém, oportuno, ressaltar que o advogado é figura estranha aos atos notariais desde os tempos das Novelas de Justiniano (forma de governar na época de Justiniano), que agora se tem – por motivos da arte e ciência de governar contemporâneo, constituiu-se – essa anomalia jurídica.

Se temos um profissional do direito (1º) investido de fé pública (2º) agindo em nome do Estado (3º), tutelando o ato notarial praticado (4º), para quê a presença de advogado figurando como ‘testemunha instrumentária’. Porém, esse não é o foco da nossa abordagem.

Voltemos ao tema: o intuito da nova legislação foi desafogar o Poder Judiciário de demandas que possam ser resolvidas com mútuo consenso entre as partes, visando suprimir a intervenção do Poder Judiciário em relações jurídicas entre pessoas maiores e capazes e de acordo sobre questões exclusivamente patrimoniais.

Como noticiamos alhures, o notário está autorizado a lavrar escritura pública de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais, e o objetivo deste modesto artigo é demonstrar a possibilidade de realizar a separação de corpos por escritura pública.

A questão trazida à baila não é de menos importância, já que infelizmente existe ato normativo tratando da matéria como será exposto e discutido neste modesto artigo, e que as reflexões surjam de maneira espontânea ou provocada, para que possamos avançar no seu aperfeiçoamento.

Ipso facto, na separação consensual, as partes1 deverão estar casadas há pelo menos um ano e deverão comparecer no tabelionato firmes deste propósito (acompanhados de advogado comum ou não).

Por outro lado, e se as partes casadas há menos de um ano desejarem romper os laços matrimoniais, porquanto também queiram preservar outros aspectos jurídicos relevantes até a separação consensual. As partes poderiam – convictas desse propósito – se utilizar da escritura de separação de corpos? Ou seriam obrigadas a socorrer-se via judicial?

Para alguns, deste ato (separação de corpos) 2, por dispensar os cônjuges do dever legal de coabitação em sentido amplo, a separação de corpos, ainda que consensual, depende de autorização judicial precedida de acurada análise de sua necessidade, não sendo lícito aos interessados promovê-la extrajudicialmente, por escritura pública, sustentando a aplicação, na espécie, da Lei nº. 11.441, de 04 de janeiro de 2007. (itálico nosso)

Nesse sentido, trazemos a colação, o enunciado nº. 473 relativo à Lei nº. 11.441, de 04 de janeiro de 2007, discutidos no 1° Encontro Nacional de Corregedores Estaduais de Justiça, promovido pela Corregedoria Nacional de Justiça – CNJ, realizado nos dias 14 e 15 de fevereiro de 2007, em Brasília, que prevê: 

“Não se admite separação de corpos consensual por escritura pública”.

Infelizmente, as Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, no item 147, seguiu também esse raciocínio:

“Não se admite separação de corpos consensual por escritura pública”.

Data maxima venia, temos que todo esse raciocínio equivocado baseia-se no art. 1.562, que assim dispõe:

“Art. 1.562. Antes de mover a ação de nulidade do casamento, a de anulação, a de separação judicial, a de divórcio direto ou a de dissolução de união estável, poderá requerer a parte, comprovando sua necessidade, a separação de corpos, que será concedida pelo juiz com a possível brevidade”. (grifo nosso).

Numa hipótese concreta, como está cristalino, o presente dispositivo abarca situações nas quais os cônjuges não se toleram mais; estando prestes a desencadear um conflito com consequências mais graves, que devem ser resolvidas na seara judicial, na qual o juiz poderá ponderar os argumentos apresentados. E este é estritamente ali regulado, sem espaço para tergiversações.  

Assim, não merece prevalecer referido raciocínio supra citado. A lógica do sistema impõe, efetivamente, que o referido artigo não se movimenta em torno das disposições da Lei nº. 11.441/07, até porque, são procedimentos distintos que não se correlacionam.

Nítido, deveras, que tal artigo se presta apenas para a seara judicial, sendo forçoso aplicá-lo às disposições consensuais advindos da Lei nº. 11.441/07. Implicitamente, como o restabelecimento conjugal, a separação de corpos por escritura também está autorizada pela nova lei.

Ademais, para a separação de corpos consensual basta tão-somente a existência de prova do casamento e o animus da separação, já que neste tipo de ato (separação consensual) não se discutem deveres e obrigações do casamento, muito menos alguém está obrigado a coabitar com outrem, sem affectio maritalis.

É de bom alvitre consignar, que a Resolução n.º 35, do Conselho Nacional de Justiça, não veda a realização da separação de corpos por escritura pública. 

Corroborando nosso ponto vista, por imperativo de lógica, temos que é possível a separação de corpos consensual nos termos da Lei nº. 11.441/07, visando resguardar direitos e deveres até a separação consensual ou judicial, como queiram as partes.  

Sendo a separação de corpos um procedimento mais simples que a separação consensual, não se pode negar àquela (separação de corpos) o que se permitiu a esta (separação consensual), já que o intuito da lei foi simplificar o procedimento com dignidade e responsabilidade.  

Nesse passo, vale lembrar – repita-se – se é admissível a reconciliação por escritura pública, a alteração ou não de patronímicos familiares (sobrenome), clausular sobre alimentos, também o é para a separação de corpos por escritura pública. 

Nesse sentido, valiosa a contribuição do Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Professor da Escola da Magistratura da AJURIS, Presidente do IBDFAM-RS, 4Luiz Felipe Brasil Santos, que assim leciona: 

“É possível realizar separação de corpos na forma extrajudicial. Interesse para tanto poderá haver, pois o casal, desejando fazer cessar formalmente a convivência, e não contando com o lapso temporal necessário para obter a separação consensual (mais de um ano de casamento – art. 1.574 do CC), poderá, a qualquer tempo, regularizar a situação no plano jurídico por meio da separação de corpos, que, dispensando o dever de coabitação, (a) elimina qualquer possibilidade de posterior alegação de abandono do lar, (b) passa a contar tempo tanto para eventual separação judicial litigiosa (art. 1.572, parágrafo único, CC), divórcio direto (art. 1.580, § 2°) ou mesmo indireto (art. 1.580, “caput”, do CC), (c) faz cessar a comunicação dos bens adquiridos a partir daí e (d) rompe com a presunção ‘pater est’”.  

Ainda neste ritmo, o civilista e professor Christiano Cassettari5 resguarda nossa posição jurídica em seu livro Separação, Divórcio e Inventário por Escritura Pública: teoria e prática, no qual ficou assentado que: 

“A separação de corpos deve poder ser feita extrajudicialmente, senão, nesse caso, retiraria toda a facilidade que a referida norma tenta implantar. Não podemos esquecer que o Código Civil permite, em seu art. 1.580, que o prazo de um ano para conversão da separação em divórcio possa, também, ser contado da separação de corpos. Isso facilitaria muito a vida das pessoas que são obrigadas por lei a esperar um determinado tempo de ‘castigo’, sem poder se separar do seu cônjuge consensualmente”. 

Insta salientar que os motivos que nos leva a resguardar tal arrimo jurídico serve igualmente de alicerce para as pessoas que vivem em união estável, já que estão amparadas pela Constituição Federal. 

Vale notar, por fim, que é possível lavrar uma ata notarial de presença e declaração, se possível com duas testemunhas probatórias (não instrumentárias), na qual as partes ou uma delas unilateralmente declare(m) que: i) a vida em comum tornou-se insuportável e sem possibilidade de reconciliação; ii) desejando não incorrer nos motivos elencados no artigo 1.573, da Lei nº. 10.406, de 10/01/2002, isto é, I – adultério; II – tentativa de morte; III – sevícia ou injúria grave; IV – abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; V – condenação por crime infamante; VI – conduta desonrosa, faz(em) a presente declaração; iii) desejam evitar a comunicabilidade de dívidas ou obrigações contraídas após a separação de fato; iv) está(ão) aguardando o lapso temporal de um ano estipulado pelo Código Civil para realizar o procedimento da separação consensual ou judicial; v) além dos motivos já citados pelo Desembargador do TJRS, Professor da Escola da Magistratura da AJURIS, Presidente do IBDFAM-RS, Luiz Felipe Brasil Santos.

 

1Os vocábulos parte, ou partes, designam os particulares que buscam os serviços notariais.

2EL MAERRAWI, Maria Isabel. Ponderações relevantes sobre a separação de corpos. Aspectos processuais, substanciais e seu tratamento pela doutrina e jurisprudência modernas. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1594, 12 nov. 2007. Disponível em: http://jus2.uol.com.br. Acesso em: 04 jan. 2009.

3Palestra ministrada por Ronaldo Claret de Moraes, Juiz Auxiliar da Corregedoria-Geral de Justiça responsável pelas atividades de orientação e fiscalização dos serviços notariais e de registro no Estado de Minas Gerais sobre os Enunciados relativos à Lei nº. 11.441, de 04 de janeiro de 2007, discutidos no 1° Encontro Nacional de Corregedores Estaduais de Justiça, promovido pela Corregedoria Nacional de Justiça – CNJ, realizado nos dias 14 e 15 de fevereiro de 2007, em Brasília. (Os enunciados ora divulgados ainda não foram publicados oficialmente, podendo ocorrer algumas modificações em sua redação final). Disponível em http://www.serjus.com.br/eventos/simposio_lei_11441_07/Simposio_11

441_07_Palestra_Dr_Ronaldo_Claret.pdf. Acesso em: 04 jan. 2009.

4SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Anotações acerca das Separações e Divórcios Extrajudiciais (Lei nº. 11.441/07). Disponível em: www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 04 jan. 2009.

5CASSETTARI, Christiano. Separação, Divórcio e Inventário por Escritura Pública: teoria e prática. 3ª Edição, São Paulo, Ed. Método, 2008.

 

 

ARTIGO: Felipe Leonardo Rodrigues

A ata notarial como meio de prova nos atos da vida contemporânea

“O magistrado utiliza os fatos devidamente provados para deduzir aqueles que não foram plenamente provados”

Por decantação, a ata notarial será todo instrumento público lavrado por notário que não tem forma e conteúdo de escritura.

Por tanto, não terão como conteúdo um negócio jurídico; e sim, fatos ou circunstâncias de relevância jurídica dos que se derivem ou declarem direitos ou interesses para as pessoas, ou qualquer outro ato de declaração lícita que por sua natureza não constitua negócio jurídico.

Segundo a nossa legislação interna poderão ser incorporadas ou não ao protocolo (livro de notas). As ata notariais conservam – numa ou outra legislação – imensa variedade, tanto substantiva como formalmente.

Assim, os conceitos e juízos que sobre o tema se sustentem serão simples aproximações à realidade jurídica de cada país enfatizada por sua realidade socioeconômica, cuja essência as atas notariais tentam de alguma maneira recolher.

Em contraposição com a escritura pública onde os outorgantes são protagonistas do ato que se documenta e o notário emite juízos sobre o mesmo para alcançar sua eficácia plena; as atas notariais estão – em princípio – dedicadas a narrar às atuações próprias do notário diante das situações e fatos por ele presenciados.

O solicitante nas atas só desata com seu pedido de atuar do notário, que em adiante se converte em ator principal do procedimento extrajudicial desejado.

Uma consideração – bastante generalizada dentro da doutrina – afirma que o notário em vistas de sua imparcialidade deverá adotar uma posição passiva e indiferente ante os fatos ou circunstâncias que motivam as atas notariais.

Tal passividade e indiferença é preciso traduzi-las como antônimos da atividade notarial modeladora da vontade das partes típica nas escrituras e não precisamente como inatividade.
A natureza do atuar notarial em atas converte o procedimento em adequado e utilizável para o uso frutífero no mundo do mercado, das relações comerciais, da fixação de fatos com relevância jurídica que no mundo jurídico, etc.

Por isso, se se trata de aprofundarmos na utilização das atas nos âmbitos comercial, judicial ou extrajudicial, seria impensável a quantidade de situações que pudessem afetar-se documentalmente com a redação de uma ata notarial, em qualquer de suas modalidades de classificação.

Invariavelmente, além dos meios consagrados de prova no meio processual civil, temos no direito brasileiro um outro meio de comprovar os acontecimentos e coisas relevantes juridicamente.
A ata notarial se presta para materializar e comprovar fatos com intuito de resguardar o direito na sua mais alta validez.

Devido ao progresso humano e tecnológico, há inúmeros acontecimentos nos mundos físico e virtual de difícil comprovação.

Apesar da enorme força probante que a ata notarial contem, são poucos os operadores do direito que conhecem e se utilizam desta ferramenta veraz e eficaz.

Como é sabido, a ata notarial é prevista em nosso ordenamento jurídico por meio da Lei Federal nº 8.935/94, em seus arts. 6º e 7º, incisos III, mas cumpre recordar que ata já era prevista implicitamente no art. 364 do Código de Processo Civil, não com esta roupagem.

Dentro deste enfoque, são diversos os acontecimentos lícitos ou ilícitos que podem se apresentar no âmbito do direito e nas suas ramificações.

Para fins probatórios, a cada caso, o advogado proferirá seu saber jurídico para melhor comprovar o acontecimento e pré-constituir prova a favor da lide e para verdade dos fatos.

Assim, diante dos acontecimentos voláteis e dinâmicos, podemos citar alguns fatos autenticáveis, que os advogados e cidadãos podem se utilizar:

  •     diálogo telefônico em sistema de viva-voz;
  •     acontecimentos na Internet ;
  •     uso e disponibilização indevida de música (MP3);
  •     existência de mensagens eletrônicas (e-mails);
  •     existência e capacidade de uma pessoa natural (atestado de vida);
  •     declarativa;
  •     transmissão e exibição de programa televisivo;
  •     vacância ou abandono de imóvel alugado;
  •     existência de projeto sigiloso e atribuição de autoria (propriedade industrial);
  •     existência de documentários, filmes, propaganda, programas de computador e atribuição de autoria (propriedade intelectual);
  •     cópia e transferência de dados entre disco rígido (HD) como geração de hash;
  •     devolução de chaves de imóvel alugado;
  •     existência de arquivos eletrônicos;
  •     compra de produto em estabelecimento comercial, etc.

Expomos neste modesto e pequeno artigo que a ata notarial é um importante instrumento que deve ser amplamente divulgado entre os operadores do direito e a sociedade em geral, de modo a se tornar útil no sistema jurídico brasileiro.

Desta forma, a ata notarial pode servir como robusto documento público para a comprovação de fatos tangíveis e intangíveis, como por exemplos, os bits.
E, não poderíamos deixar de lembrar, que a fé pública notarial impõe a presunção legal de veracidade, acautela direitos e previne litígios e suspeições.

*O autor é bacharel em Direito, especializando em Direito Notarial e Registral, colunista do Boletim Eletrônico INR, colaborador do Boletim Cartorário – DLI e atua no 26º Tabelionato de Notas de São Paulo.

ARTIGO: Felipe Leonardo Rodrigues




Clique aqui para visualizar o artigo.

ARTIGO: Felipe Leonardo Rodrigues

BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE PELAS ENTIDADES FAMILIARES NÃO INSTITUÍDAS PELO CASAMENTO ANTES DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Sabemos que o Direito de Família é um dos ramos do direito dos mais mutáveis, isso porque o seu objeto tem como ator principal, o ser humano, e como palco, a dinâmica e a evolução da sociedade. Em razão disso, se faz necessário que o Direito acompanhe as evoluções ocorridas nessa seara.

Considerando que o fim primordial do Estado é promover o bem estar de todas as pessoas, e estas quase sempre perseguem a boa fortuna, isto é, as relações de felicidade, sociabilidade e patrimonialidade, patente está o interesse da Constituição Federal em regular as entidades familiares instituídas ou não pelo casamento (art. 226, da CF).

Dessa forma, o art. 226 da Carta Soberana trouxe no seu bojo o reconhecimento de entidades familiares não instituídas pelo casamento.

A entidade familiar acima em comento é a união estável, nova roupagem que ganhou o concubinato puro, que antes da Constituição da República de 1988 não surtia efeitos no âmbito do direito familiar, e sim, no campo do direito obrigacional1.

Nesse sentido, o Professor Álvaro Villaça Azevedo2 exara que o concubinato puro nasceu principalmente por causa do descaso do legislador brasileiro, ao torpedear todas as formas antigas de constituição de família, principalmente o casamento religioso e o casamento de fato, que existiam nas Ordenações Filipinas, de 1603.

Nesta época, segundo Villaça, o casamento seria por palavras, de presente, à porta da igreja ou fora dela, com licença do prelado, tratando-se do casamento religioso; ou, então, per scriptura, perante duas testemunhas, documentado não por um documento ad solemnitatem – porque este não era exigido para validade do ato matrimonial -, mas ad probationen tantum, tão-somente para que as partes tivessem um documento desse ato de união; ou o casamento de conusudos, no qual todos aqueles – homem e mulher – que convivessem per tanto tempo (por muito tempo) ficavam conhecidos como marido e mulher – hoje união estável; naquela época, casamento de fato ou clandestino.

Bastava que um homem convivesse com uma mulher, por algum tempo, como se casados, com ou sem celebração religiosa, para que se considerassem sob casamento. Isso porque, nessa época, o concubinato puro, não adulterino nem incestuoso – que é utilizado hoje como modo de constituição de família – era o casamento de fato. Esse casamento de fato que, sob a singela forma de convivência no lar, selava a união dos cônjuges, sob o pálio do Direito Natural.

Em relação ao patrimônio, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, acolheu a idéia de que bastava a convivência entre os concubinos – concubinato puro, hoje união estável – para que houvesse o somatório dos bens adquiridos onerosamente durante a união concubinária, em igualdade de condições entre os companheiros, salvo estipulação expressa em contrário.

O mesmo posicionamento deu-se no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por acórdão relatado pelo então Des. Carlos Alberto Menezes Direito – hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal. Esse mesmo entendimento foi admitido em decisão do Superior Tribunal de Justiça, e essa posição do Superior Tribunal de Justiça torpedeou a Súmula n. 380 do Supremo Tribunal Federal (Súmula 380 – comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua disssolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum).

Sociedade essa que se criou com fundamento no art. 1.363 do Código Civil, com aquele conceito aristotélico-tomista de que: Celebram contrato de sociedade as pessoas que somam esforços e/ou recursos para obtenção de fins comuns. No caso, o fim comum é a constituição da família de fato, que deve ter os seus parâmetros respeitados.

Pergunta-se: Alguém se negaria a reconhecer o status de companheiro a uma pessoa que permaneceu quarenta anos vivendo com outra em união more uxório antes da CF/88?

Pois bem, se a norma que alça o companheiro em união estável a uma condição equivalente em direitos ao cônjuge retroage, os efeitos patrimoniais podem retroagir, embora não digam diretamente com o conteúdo publicístico da norma.

Isto pode ocorrer porque a Constituição de 1967, com a Emenda nº 1, de 1969, já possuía previsão do Princípio da Isonomia ou da Igualdade. Logo, se a companheira pode ser reconhecida como tal mesmo antes da Constituição e, com maior razão, antes das leis que a regulamentam, e se o que se objetiva é uma equivalência de direitos entre cônjuge e companheiro, incide o princípio da isonomia, já previsto na ordem constitucional anterior, fazendo com que aquele que lá já era companheiro, por força da retroatividade, venha a ser considerada reconhecida a união, inobstante a lei ordinária à época não o considerasse como tal.

A jurisprudência3 se encarregou de sedimentar esse entendimento:

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. EXISTÊNCIA DECLARADA. APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE MESMO ÀS RELAÇÕES INICIADAS ANTE DA CF/88. SUB-ROGAÇÃO ALEGADA SEM INDUVIDOSA COMPROVAÇÃO. 1. A vida em comum aos moldes de uma entidade familiar é reconhecida pela recorrente que não é favorecida pela alegação de que o de cujus se mantinha casado, pois, na contestação, disse que ele se encontrava separado de fato quando se conheceram. 2. O esforço para que o período anterior à CF/88 seja caracterizado como uma sociedade de fato, com aplicação das distintas seqüelas patrimoniais, não vinga porque está sedimentando o entendimento jurisprudencial no sentido de que é possível o reconhecimento de uniões estáveis havidas antes do advento da Constituição de 1988. 3. A sub-rogação, para que gere a exclusão da comunhão parcial de bens, deve estar provada de modo contundente e esta prova não está nos autos. NEGARAM PROVIMENTO, À UNANIMIDADE. (Apelação Cível Nº 70014074009, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 24/05/2006).

AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE DE FATO PÓS MORTE. VÍNCULO EXTINTO ANTES DAS LEIS Nº 8.971/94 E 9.278/96. RETROATIVIDADE. IMPEDIMENTO. PROVA DO VÍNCULO E DA FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO. CONFISSÃO. 1. É reconhecida a existência de sociedade de fato e o direito à partilha, antes mesmo da edição das leis nº 8.971/94 e nº 9.278/96, não havendo o que se falar em aplicação retroativa dos aludidos diplomas normativos, visto que a jurisprudência já assegurava tal direito e a carta magna o consolidou. 2. Os depoimentos prestados demonstram que o relacionamento em apreço observava os requisitos legais, tendo as testemunhas sido uníssonas ao afirmar que o casal viveu como marido e mulher até o falecimento do "de cujus". Ademais, a própria recorrente, em sua peça contestatória reconhece a existência da união estável com o falecido. 3. Embora a recorrente fosse ainda casada no início do vínculo afetivo com o "de cujus", a união formada encontra respaldo legal no §1º do art. 1.723 do código civil, que assegura proteção aos separados de fato ou judicialmente. 4. Se as provas não deixam dúvida de que o falecido era pessoa trabalhadora, é possível se inferir que contribuiu para a constituição do patrimônio do casal. APELO NÃO PROVIDO. Tribunal: TJDF. Publicação no DJU: 13/7/2006. Registro do Acórdão Número: 248172. Relator: FLAVIO ROSTIROLA. Órgão Julgador: 1ª Turma Cível. Classe do Processo: APELAÇÃO CÍVEL 20040310002765APC DF.

CONSTITUCIONAL E FAMÍLIA UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. DISSOLUÇÃO. PARTILHA DE BENS. 1. Para a prova de união estável, mostra-se necessária a efetiva demonstração da convivência pública, contínua e duradoura, nos termos do art. 1.723 do código civil de 2002. 2. Na união estável, presume-se que os bens adquiridos, na constância da convivência marital, sejam frutos do esforço comum das partes, presunção legal a ser elidida com contundente conjunto probatório. Diante da ausência desse, viável a divisão do patrimônio na razão de 50% (cinqüenta por cento) para cada convivente. APELO NÃO PROVIDO. Tribunal: TJDF. Publicação no DJU: 28/3/2006. Registro do Acórdão Número: 239836. Relator: FLAVIO ROSTIROLA. Órgão Julgador: 1ª Turma Cível. Classe do Processo: APELAÇÃO CÍVEL 20040310043280APC DF.

Pese embora nesse lapso temporal (antes da Constituição da República de 1988) não houvera regramento tipificado em lex lata por inúmeros motivos (p.ex. político, religioso, etc.), inegável que a sociedade de fato e a comunhão patrimonial se efetivou.

E se o casamento constituiu-se em decorrência e posterior a união more uxório? Neste caso, não se há de cogitar sobre consentimento judicial para substanciar o reconhecimento do direito pretérito insculpido, perfeito e acabado, ainda mais se as partes são maiores, concordes e consentiram na união (concubinato puro) – já que ninguém é obrigado a litigar caso não haja contenda (litis redemptio, art. 3º, do CPC).

Isto posto, modestamente concluímos, em tese, que os bens adquiridos de forma onerosa, tendo cada um contribuído em comum para a aquisição dos bens na constância da união more uxório –não instituídas pelo casamento antes da Constituição Republicana de 1988 – são comunicáveis, salvo prova em contrário.

Em tempo: Aliás, essa situação fática com contornos jurídicos frequentemente se opera e pode ventilar-se sobre as hipóteses dispositivas da Lei 11.441/07, precisamente nos Inventários e Partilhas extrajudiciais.

Bibliografia
1Eis que com a dissolução da relação concubinária, haveria divisão de bens entre os companheiros desde que comprovada a participação de um ou outro para a formação da fortuna, ou, caso não fosse possível prová-lo, poder-se-ia exigir indenização por prestação de serviços. Concubinato impuro é considerado aquele em que um ou ambos dos partícipes têm vínculo matrimonial com outra pessoa.

2Álvaro Villaça Azevedo é Professor Titular de Direito Civil e Regente de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; Professor Titular de Direito Civil e de Direito Romano da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, em São Paulo; Professor Titular de Direito Romano e Diretor da Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP, em São Paulo; Advogado, Parecerista e Consultor Jurídico.
3Jurisprudência cedida gentilmente pelo professor Francisco José Cahali.
 
                                                     
*Felipe Leonardo Rodrigues é bacharel em Direito, Especializando em Direito Notarial e Registral, colunista do boletim eletrônico INR-SERAC e atua no 26º Tabelionato de Notas de São Paulo.