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Artigo: Grande bobagem em Brasília – Marco Antonio de Oliveira Camargo

Por Marco Antonio de Oliveira Camargo *

Peço aos colegas mais sensíveis, a nossos representantes de classe e ainda aos leitores que eventualmente venham a sentir-se incomodados ou preocupados  com a divulgação destas ideias, assim em público e acessível a pessoas má-intencionadas com relação à atividade notarial e registral, mas parece-me evidente que o assunto tratado neste texto é mesmo uma enorme bobagem.

Nesta mesma data em que faço publicar este artigo em nosso blog, está prevista a realização de uma audiência pública para debater o Projeto de Lei nº 1983/15, de autoria do deputado Hildo Rocha, do PMDB do Estado do Maranhão.

A bobagem, por evidente, não é a realização da audiência pública, convocada pela Comissão Especial daquela casa legislativa, bobagem é o próprio projeto de lei. (*)

O autor do projeto de lei pretende fazer alterar um artigo da Lei nº 8935/1994 de modo a submeter notários e registradores a um teto de rendimento. Tal valor seria idêntico ao aplicável aos subsídios pagos pelo poder público a seus funcionários.

Se afirmo assim, tão simplificadamente que é uma bobagem esta proposta, o faço porque vejo nela uma enorme  incoerência.

Teto salarial para funcionário público existe unicamente para preservar o tesouro nacional  (em última análise, a sociedade como um todo, o verdadeiro patrão do funcionalismo) da tentação a que a administração pode sucumbir de elevar imoderadamente o vencimento de seus representantes.

O ente privado, que presta serviço público sob o regime de delegação ou concessão, regra geral não onera o tesouro. Muito diferentemente, na grande maioria dos casos, além de desobrigar o Estado de prestar um serviço que haveria de representar ônus, a concessão ou delegação representa fonte de receita para os cofres públicos, o que se dá através do pagamento de taxas, contrapartidas e, evidente, impostos, com base nos serviços prestados e rendimentos auferidos.

Pelo absurdo de sua concepção, as questões e provocações a seguir ilustram para o leitor o motivo pela qual se deu o título deste despretensioso artigo.

Alguém concebe como possível cogitar-se em alteração legal como esta proposta para o serviço público de notas e registo, vir a ser aplicada na prestação do serviço (igualmente público) de telefonia e energia elétrica?

Que tal propor limite de rendimentos para os empresários que prestam serviços de transporte coletivo nas grandes cidade?

Ou ainda –  a melhor de todas as propostas – que tal limitar-se, na forma de lei, os ganhos líquidos de pessoas e instituições titulares de serviços de radio e de televisão?

Ora, ora, seria uma rematada bobagem propor tais limitações da liberdade do exercício econômico representado pela prestação de um serviço que, sendo público,  por sua natureza é prestado aos usuários por entres privados autorizado pelo Estado. Além da uma imensa dificuldade prática para sua correta e justa aplicação, este tipo de concepção que iguala o prestador de um serviço público a um funcionário público  não tem sentido algum na ordem econômica existente em nosso país.

São situações diferentes e que, portanto, merecem um tratamento diferenciado.

Não custa ressalvar o óbvio: o funcionário público, para garantir o seu salário, não precisa produzir valor econômico algum, mas o particular que presta serviço público, muito diferentemente,  se não produzir por meio de seu trabalho, valor econômico suficiente para cobrir as despesas e encargos necessários à realização do serviço que lhe foi concedido (ou delegado) além de nada receber, poderá se ver obrigado  a suportar com seu patrimônio pessoal as despesas a que se obrigou quando assumiu a obrigação de realizar o serviço público a ele concedido.

Na ciência econômica existe um aforismo conhecido de todos e inegavelmente verdadeiro: não existe almoço grátis!

Se é evidente que nas sociedades modernas nenhuma situação com alguma complexidade e valor pode ser verdadeiramente gratuita, também parece se impor como inquestionável o fato de que é incoerente o Estado transmitir para um cidadão ou instituição  todos os ônus da prestação do serviço público e manter para si os ganhos e bônus que o serviço prestado possa gerar. A participação do Estado no resultado econômico que eventualmente se apure deve se dar através da cobrança de impostos e taxas e nunca pela apropriação  direta do próprio ganho obtido.

É bom que se diga, de fato, na proposta de alteração da lei o seu autor reconheceu que a maioria dos cartórios brasileiros não consegue prover para seus titulares rendimentos vultosos  e que, portanto, a alteração da lei haveria de atingir um universo reduzido de notários e registradores. É inquestionavelmente verdadeira esta afirmação.

 Acaso aprovada esta alteração na lei 8935/94, este colunista, assim como a imensa maioria de seus colegas, não seriam efetivamente atingidos por nenhuma restrição em seus ganhos líquidos com a atuação profissional (confesso, entretanto, que até gostaria de estar do outro lado da moeda, preocupado em reduzir meu ganhos apenas a um valor igual ao subsídio mensal do Ministros do STF).

Mas o fato da proposta atingir um universo pequeno de tabeliães e registradores, não tira dela sua característica essencialmente incoerente.

A concepção está errada em seu princípio e, portanto, não pode ser aceita pacificamente por nenhum tabelião. Mesmo por aqueles que nem de longe serão atingidos por ela.

Analisando a situação pela ótica do usuário – que em relação a funcionários, concessionários e delegatários de serviço público, de todos é o  patrão – é possível afirmar com segurança que o seu interesse é receber a prestação de serviços de forma mais eficiente e econômica possível.

Se alguns cartórios rendem muito dinheiro para os seus titulares, tal fato, em si mesmo, não representa problema algum, se o serviço é prestado de forma satisfatória para o usuário.

Talvez, entretanto, unicamente por uma questão de melhor distribuição de renda,  fosse interessante o desmembramento de cartórios muito rentáveis;  mas isso deve ser analisado com muito cuidado, pois em algumas situações é mais interessante para o usuário manter a centralização da prestação do serviço em um único cartório e a mudança da situação atual não traria nenhuma espécie de ganho para ele.

(*) A íntegra da proposta pode ser acessada pelo link: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=D7E3B3999366CE53A1096468D9CC8971.proposicoesWeb1?codteor=1350417&filename=PL+1983/2015 – das justificativas apresentadas ao Congresso Nacional, para a necessidade da alteração da Lei 8935/94 , é extraída a seguinte afirmação do autor daquele projeto de lei: … Desse modo, restando inquestionável a natureza pública das atividades desempenhadas pelos notários e oficiais registradores, devem eles se submeter ao teto remuneratório aplicável aos servidores públicos, atualmente, o valor do subsídio mensal dos Ministros do STF, devendo a soma dos emolumentos que superar esse valor, bem como as despesas com pessoal, com custeio em geral e com investimentos, ser alocada em serviços públicos essenciais, como, por exemplo, a saúde, cujas verbas destinadas, ano após ano, revelam-se manifestamente insuficientes para prestar um atendimento minimamente digno à população.

* Marco Antonio de Oliveira Camargo é Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de  Sousas
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O presente artigo é uma reflexão pessoal do colunista e não a opinião institucional do CNB-CF.