Em texto publicado no Migalhas de 13 de dezembro de 2011 (clique aqui), Erasmo Valladão (clique aqui)suscita contra o Projeto de Código Comercial argumentos "ad hominem". Neste texto, encontram-se também argumentos de outro tipo, mas deles não cuidarei por enquanto.
Argumentos "ad hominem" são aqueles em que a pertinência de certa ideia é posta em questão não pelo seu conteúdo, mas exclusivamente em razão dos atributos ou das circunstâncias da pessoa que a defende. Claro, trata-se de falácia lógica não-formal (Irving Copi, Introduction to Logic, pg. 75), porque nenhuma ideia é melhor ou pior, certa ou errada, pertinente ou despropositada, apenas por ter se originado de uma pessoa em particular. Sob o ponto de vista lógico, argumentos desta natureza são absolutamente equivocados.
Nas democracias, o debate público não é pautado por ninguém. É a força das ideias que define a agenda institucional. No ambiente democrático, ninguém, nem mesmo o governo, consegue envolver o país numa discussão irrelevante ou inconsistente. Do mesmo modo, numa democracia, ninguém, nem mesmo o governo, consegue impedir que ideias pertinentes e substanciais sejam debatidas pela sociedade, país a fora.
Se o Brasil, hoje, discute a necessidade de um novo Código Comercial, isto se deve exclusivamente à força desta ideia, no rico momento econômico e jurídico por que estamos passando. Há tempo, já não é mais importante quem a propôs.
Um dos muitos aspectos altamente positivos da democracia consiste em que qualquer cidadão tem o direito de lançar qualquer ideia, por mais despropositada que ela possa parecer a outras tantas pessoas. É plenamente legítimo, ademais, expressar-se a ideia, quando for o caso, sob a forma de minuta de anteprojeto de lei.
De qualquer forma, uma vez divulgada a ideia, os outros só irão discuti-la se ela, por si, tiver força suficiente para motivar o debate. Todos são livres para fazerem o que querem, dentro da lei, inclusive recusarem-se a gastar seus preciosos tempos com assuntos que não lhes parecem relevantes. Mais uma vez, numa democracia, o debate somente se institucionaliza em função de questões objetivas (a ideia em si) e não subjetivas (quem é a favor e quem é contra).
Numa democracia, em suma, argumentos "ad hominem" perdem-se no meio do debate.
Por fim, insisto que nenhum Código pode ser escrito por uma única pessoa! E, decididamente, não corremos este risco em relação ao Projeto de Código Comercial. Ao longo da tramitação do projeto de lei, não só uma, mas várias comissões de juristas contribuirão com o aperfeiçoamento do texto normativo.
O Presidente da AMB, Des. Nelson Calandra, anunciou a constituição de uma comissão de juristas, composta por magistrados, para, sob a presidência do Ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, analisar o Projeto de Código Comercial ("Valor Econômico", de 07/12/2011).
O Ministério Público de São Paulo igualmente formou sua comissão de juristas, composta pelos promotores Alberto Camiña Moreira, Alexandre Demetrius Pereira, Eronides Aparecido Rodrigues dos Santos, Eurico Ferraresi e José Vicente de Pierro (D.O.E. de 02/12/2011).
A Comissão Especial criada pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Dep. Marco Maia, para a discussão do novo Código Comercial, deve, seguindo o mesmo procedimento da instalada para tratar do projeto de CPC, contar com o auxílio de uma comissão de juristas, que atuará articulada com a laboriosa e competente Consultoria Legislativa desta Casa de Leis.
Registro, enfim, que o aparecimento espontâneo de diversas comissões de juristas, no seio de instituições públicas e da sociedade civil organizada, voltadas ao estudo de um projeto de Código em tramitação, bem como à elaboração de propostas visando o seu aperfeiçoamento, é algo absolutamente inédito no Brasil. Revela, uma vez mais, o caráter amplamente democrático do debate instalado em torno desta iniciativa legislativa de inegável importância para o país. Certamente, das diversas comissões de juristas virão as contribuições que possibilitarão aos brasileiros contarem com um Código Comercial à altura do extraordinário momento econômico e histórico por que passam.
Autor: Fábio Ulhoa Coelho é jurista e professor da PUC/SP
Fonte: Migalhas