carregando ...
logo-menu Notários
logo-whatsapp WhatsApp

ARTIGO: O Decálogo Notarial – Felipe L. Rodrigues

O Diário das Leis Imobiliário (Revista n°. 18 de 1998) trouxe no Boletim Cartorário como tema, a “CORREÇÃO DE ERROS MATERIAIS EM ESCRITURA PÚBLICA. COMO CORRIGÍ-LOS. APRECIAÇÕES SOBRE ATA NOTARIAL”, de autoria do mestre e professor Antônio Albergaria Pereira, ex-tabelião de notas na cidade de São Paulo.
Só agora o li (em razão de pesquisa feita sobre o tema) e no qual o autor deixa para o alvitre dos leitores alguns pontos sobre o tema em destaque.

Por algo havia, é certo, de meter-me a tecer alguns comentários aos itens propostos.

Antes, porém, cumpre-me ressaltar a admiração que tenho pelo também doutrinador Antônio Albergaria Pereira.
O conheci em 2005 quando veio ao 26º Tabelionato de Notas de São Paulo para conhecer o cartório e saber como era lavrado a ata notarial eletrônica. Para simplificar, peço vênia, e assim o resumo: pessoa simples e humilde, com notório saber jurídico e defensor ferrenho da classe cartorária.

Parabenizo-o por mais um de tantos artigos que refletem a pratica viva de um excelente notário e agradeço pelos ensinamentos que, certamente posso chamá-los de obras.

Adiante, teço breves comentários sobre os pontos propostos.

1. É um instrumento notarial criado pela Lei n. 8.935/94.

Para o tabelião Paulo Roberto G. Ferreira, provavelmente no século XI, a ata notarial talvez tenha surgido em razão de um ato ilícito proveniente da inadimplência dos contratos de câmbio e do conseqüente protesto cambial, onde o protestado era notificado por uma espécie de ata notarial.

No Brasil, típica ata notarial encontrava-se implicitamente no art. 364 do Código de Processo Civil (1973), cujos tabeliães a intitulavam geralmente de Escritura (p.ex. Escritura de Abertura Forçada de Cofre ou Escritura de Comparecimento).

Por forças de leis estaduais da República, os Tribunais de Justiça passaram a legislar. Em 1990, a Corregedoria Geral da Justiça do Rio Grande do Sul integrou a ata notarial dentre o rol dos atos notarias – visão de vanguarda advinda dos países vizinhos.

Em 1994, ata notarial integrou de forma definitiva na competência exclusiva do Tabelião de Notas, conforme dispõe os arts. 6º e 7º, incisos III, da Lei Federal n. 8.935/94.

Pese embora, inexista regulamentação sobre a lavratura da ata em algumas normas administrativas extrajudiciais, p.ex. o Estado de São Paulo, nada impede a sua lavratura, pois há uma lei autorizando a sua redação.

2. Assemelha-se à escritura pública, mas com ela não se confunde, muito menos com as chamadas escrituras de declaração.

A semelhança se dê talvez pela forma técnica ou tecnicidade (formalização do ato). Mas ambos os atos (escritura e ata) carregam objetos totalmente distintos.

A escritura notarial legaliza atos e negócios jurídicos lato sensu.

A ata notarial registra atos-fatos jurídicos, isto é, acontecimentos naturais ou voluntários lato sensu, bem como atos-fatos jurídicos que se inter-relacionam em atos e fatos jurídicos (desde um contrato verbal e até uma marca comercial exposta numa página da internet).

A escritura pública de declaração ou declaratória é instrumento notarial no qual geralmente são lavradas declarações de cunho obrigacional, p.ex. escritura de compromisso e manutenção, de dependência econômica, constituição de renda, etc.

A ata notarial de declaração, por sua vez, é utilizada para a pré-constituição de prova sobre um fato presenciado por alguém. Essa declaração divide-se em própria e imprópria.

Na ata de declaração própria, o notário verifica e autentica a declaração feita pelo solicitante (sob as penas da lei) de fatos que ele (solicitante) próprio presenciou. A imprópria, por sua vez, é a declaração feita pelo solicitante sobre fatos que tomou conhecimento por terceiros.

Essas declarações sofrem um efeito probatório mitigado, ficam a critério do juiz, valorar seus efeitos. 
Ligeira conclusão:    

Escritura pública de declaração: dizeres de cunho obrigacional.

Ata notarial de declaração: dizeres sobre fatos presenciados por alguém ou que tomou conhecimento deles por meio de terceiros.

3. Pela sua finalidade deve ser muito bem redigida e em hipótese alguma, deve ser redigida sob minuta. A minuta descaracteriza a ata notarial.

Concordo com o autor, a ata notarial deve ser muito bem redigida, do contrário, pode surgir à responsabilidade civil, a indenizações ou dar ares a exegese confusa para com outras legislações.

A forma e a natureza da ata notarial nos dão à falsa idéia que ela não possa ser redigida sob minuta, ressaltamos evidentemente que algumas espécies não são possíveis de se fazer sob minuta, p.ex. atas em diligência, inspeção, etc.

No entanto, algumas espécies podem ser escritas sob minutas-estruturais, onde se preenche alguns campos pré-determinados, p.ex. a ata de herdeiro legal ou de estado civil.

4. O notário com a ata notarial narra um fato que ele constatou pessoalmente e por solicitação de alguém interessado no registro desse fato.

Por meio de tecnologia de alto padrão, a pedido do solicitante, tabelião pode constatar a existência de vários sítios (páginas ou sites) simultaneamente. Isso é possível por meio de programa de computador próprio, através do qual se procura, localiza e captura várias páginas da internet ao mesmo tempo.

O tabelião necessita verificar página a página? Não, o próprio programa se encarrega de fazê-lo. Em resumo, quero dizer que o tabelião pode constatar fatos por meios robóticos ou eletrônicos.

Quanto à parte interessada, cito um exemplo: João está sendo difamado numa página da internet. Maria a pedido verbal ou escrito de João comparece e solicita ao tabelião a lavratura de uma ata notarial para autenticar o fato alegado.

Maria poderia figurar como solicitante? Sim. Diz o brocardo jurídico: “O direito não socorre aqueles que dormem”, o fato não espera o tabelião, e em razão da sua finalidade e para o objeto não ‘perecer’ o solicitante pode ser qualquer pessoa – declarando apenas que está ali, a pedido de outrem.

Pelo contrário, a delonga poderia frustrar a diligência notarial.

5. É documento público e como tal, dele pode ser extraída certidão.

Por se tratar de ato notarial proveniente de serviço público, cuja forma é pública (que é diferente de publicidade), é obrigatória a emissão de certidão das atas notarias.

Entendo, porém, que em certas circunstâncias devidamente motivadas, o solicitante pode requerer a confidencialidade de alguns dados ou da própria ata em si, que fica a critério o tabelião, negar ou aceitar a confidencialidade (art. 5º, inc. X, da CF).

Cito um exemplo prático. Uma mulher requer uma ata notarial para constatar a existência de uma mensagem eletrônica (e-mail) que se encontra no seu computador na sua residência. O tabelião ao constatar a mensagem verifica a existência de arquivos anexos nos quais há imagens pornográficas da solicitante supostamente ‘manipuladas’ e enviados por seu ex-marido.   

Sabemos que toda ata notarial em diligência deve conter o seu endereço diligencial, porém, no caso acima proposto seria altamente prejudicial lançar o endereço residencial da solicitante na ata notarial.

A solicitante não desejando que o seu ex-marido tenha conhecimento do seu endereço residencial, já que constituíra nova família, pode requerer ao tabelião que não conste o seu endereço no preâmbulo da ata. O tabelião analisará as circunstâncias e os motivos – deferindo ou negando o pedido.

Deferido o pedido, o requerimento constará obrigatoriamente o endereço que deixou de constar na ata, que ficará arquivado em pasta própria no Tabelionato e sua emissão só poderá ser feita à solicitante -no caso- ao seu procurador e às autoridades judiciária ou policial.

Outro exemplo típico é a constatação de pedofilia, nesse caso, não se pode a qualquer pretexto emitir certidão desse ato, por seu conteúdo nefasto.

6. A competência do notário para lavrar ata notarial é funcional e territorial. O notário deve estar legalmente investido nas suas funções e só registrar fatos ocorridos ou existentes nos limites do seu território (art. 9, da Lei Federal n. 8.935/94).

Faço um parêntese na imutabilidade da competência territorial (exceção à regra). Para nós, se um cidadão solicita uma ata notarial em caráter urgente sob pena da perda do fato e o(s) tabelião(es) originário(s) do local declina(m) da diligência, cremos pela possibilidade de um tabelião de localidade diversa constatar os fatos, dês que, após a constatação e a correspondente minutagem da ata notarial, o solicitante juntamente com o tabelião, oficiem os juizes-corregedores de ambos os locais sobre a conveniência de sua lavratura, assim, evitando eventuais punições administrativas.

A título de informação, em alguns países da América do Sul, o notário da cidade X pode oficiar o notário da cidade Y para que este constate determinado fato na cidade X, em virtude de conveniência administrativa, inconvenientes de tempo ou até por falta de experiência em determinado ato; ou ainda, se a constatação tiver múltiplos locais e uma das verificações se der no território de sua competência, ata será válida (nesse sentido, Paulo Roberto Gaiger Ferreira; Nora E. Rugna e Angélico G. E. Vitale).

7. É uma prova pré-constituída de um fato, cujo valor jurídico será apreciado pela autoridade judiciária quando for apreciar o direito alegado com base na mesma.

O intuito da ata notarial é autenticar algo e a sua finalidade é a pré-constituição de prova que poderá ser utilizada administra, extra ou judicialmente.

Sobre o aspecto da eficácia probatória concedida ao instrumento público em geral, pode ser diverso segundo se admita uma presunção iuris et de iure de exatidão de quanto afirma o tabelião, ou meramente uma presunção iuris tantum susceptível de prova em contrário.

O instrumento público considerado em si tem pleno valor e eficácia, porque a intervenção notarial abona em conseqüência a certeza que legitima o documento como expressão da verdade de um fato, ato ou circunstância com relevância jurídica no caso das atas.

Assim, a força probatória do instrumento público ampara as declarações e certificações que procedem do próprio tabelião a respeito dos fatos que pode e deve comprovar com seus próprios sentidos.

8. A ata registra um fato que pode gerar direitos. Conseqüentemente não assegura e nem reconhece direitos.
Comungo com a opinião do autor, a ata notarial não constitui nada, somente autentica fatos para a sua preservação. Nessa esteira, é também possível o registro de fatos ilícitos que ocorrem perante o tabelião, que na maioria o é.
Evidente que o tabelião deve manter o direito na sua normalidade (em respeito aos princípios que regem o sistema jurídico pátrio), porém, ocorrendo esses casos, o tabelião deve assessorar sobre os atos ilícitos e suas possíveis conseqüências, mas nada impede que esses fatos sejam constatados – friso, o tabelião é terceiro alheio às manifestações dinâmicas da realidade, isto é, os fatos!

Quando o notário consigna na ata notarial fatos ilícitos, estes fatos não inquinam a ata de nulidade, muito menos lhe retiram os efeitos, tampouco porque são autenticados nesse instrumento notarial. Em contraponto, esta circunstancia por si só não retira a validade ata notarial, e o tabelião não viola os seus deveres impostos por lei (Lei 8.935/94).
A finalidade essencial da ata notarial é a de documentar e servir ad probationem, independente da classificação (licito ou ilícito) do fato, até porque a Lei Orgânica dos Notários e Registradores (Lei nº 8.935/94) nenhuma ressalva fez a respeito.

Discutiu-se muito na doutrina notarial espanhola se ata notarial poderia conter relato de fatos ilícitos e, vozes tão autorizadas (Giménez Arnau, Sancho Tello ou Sanahuja) entenderam que os fatos presenciados pelo notário não implica no conhecimento de sua licitude ou ilicitude.

Exceto, evidentemente, o fato oposto à norma proibitiva expressa; contrário a moral e os bons costumes; por razão da matéria em vilipendiar competência de outros órgãos (p.ex.: polícia judiciária nos caos de ilícitos penais, p.ex. homicídio, dentre outros) ou de outros delegatários do Poder Público (p.ex.: tabelião de protesto nas atas de protesto); ou ainda em razão da pessoa (art. 27, da Lei nº 8.935/94), etc.

9. O interessado na formalização da ata notarial deve ter capacidade civil pelo Código Civil.

Creio que pela finalidade da ata e por motivo justo e motivado, basta o interessado ter capacidade relativa e discernimento, ou como bem mencionado na doutrina estrangeira, “basta o interessado ter habilidade ou aptidão intelectual”.

10. É imprópria para registro de atos jurídicos.

Em contraponto: é própria para autenticar acontecimentos naturais ou voluntários com ou sem interferência humana, lícitos ou não, dês que não tenha por escopo o ato ou negócio jurídico.
Sob censura.