PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação n° 0023763-70.2013.8.26.0100
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0023763-70.2013.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante JUNJI HISA, é apelado 5º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:"NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 26 de agosto de 2014.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Apelação n°: 0023763-70.2013.8.26.0100
Apelante: Junji Hisa
Apelado: 5º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital
VOTO N° 34.072
Registro de imóveis – Dúvida – Escritura pública de venda e compra de imóvel – Aquisição do imóvel na constância do casamento – Regime de separação obrigatória de bens – Presunção da comunicação dos aquestos nos termos da súmula 377 do supremo tribunal federal – Necessidade de prévia retificação do registro – Princípio da continuidade – Recusa do registro mantida – Recurso não provido.
Trata-se de apelação interposta por Junji Hisa contra a sentença das fls. 64/68, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 5º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital para manter a recusa de registro da escritura pública de compra e venda outorgada perante o 3º Tabelião de Notas da Comarca da Capital, em 23/03/1998, pela qual Dulce Eliza de Campos Ferreira do Amaral vendeu a Junji Hisa o imóvel objeto da matrícula 5.332, sob o fundamento de que referido imóvel foi adquirido em 24/08/76, por ato oneroso, pela outorgante Dulce, ao tempo em que era casada sob o regime de separação obrigatória com Estanislau Ferreira do Amaral, não havendo qualquer notícia que afaste a presunção de que esse aquesto decorre de esforço comum e que, portanto, comunicar-se-ia ao patrimônio de ambos, por força da Súmula n. 377 do Supremo Tribunal Federal. Além disso, ainda que o R.2 da matrícula n. 5.332 tenha sido lavrado em erro, necessária sua retificação, em atenção ao princípio da continuidade.
O adquirente do bem, ora apelante, insiste na possibilidade do registro, sob o argumento de que não se aplica ao caso o disposto na Súmula 377 do STF e que se acha atendido o princípio da continuidade porque comprovado que o imóvel objeto da matrícula em questão não pertencia ao cônjuge de Dulce, Estanislau Ferreira do Amaral, por força do regime de casamento adotado e pelo fato deste último ter comparecido na escritura de compromisso apenas como assistente de sua mulher e não como compromissário vendedor, como induz, erroneamente, o registro R. 2 da matrícula n. 5.332, somado ao fato de que o imóvel não foi arrolado no inventário dos bens por esse deixados, o que implicaria na aceitação tácita, tanto pelo então marido, quanto pelo Espólio, de que o imóvel pertencia exclusivamente à viúva, sendo ainda relevante o fato de a escritura de compra e venda haver sido outorgada em cumprimento de compromisso anteriormente assumido e quitado, quando ainda vivo o marido (fls. 88/95).
Processado o recurso, a Procuradoria Geral de Justiça apresentou parecer pelo não provimento do recurso (fls. 105/108).
É o relatório.
O recurso não merece provimento.
A vendedora Dulce Eliza de Campos Ferreira do Amaral, casada sob o regime da separação obrigatória de bens com Estanislau Ferreira do Amaral, comprou, juntamente com seu cônjuge, em 24/08/76, o imóvel acima descrito, conforme R.1/M. 5.332 (fl. 06), compromissando-o posteriormente à venda a Junji Hisa, conforme R. 2/M. 5.332.
Ainda que se pudesse questionar o erro na lavratura do registro, quando na escritura de compromisso de compra e venda que fundamentou o R. 2 acima citado constou que a vendedora era Dulce Eliza, assistida por seu cônjuge Estanislau (fls. 29/31), mostra-se imperiosa a retificação prévia do registro, atendendo-se ao princípio da continuidade, sob pena de aquele agora perseguido comprometer o exato encadeamento subjetivo das sucessivas transmissões e aquisições de direitos reais imobiliários.
Indispensável, pois, observar o artigo 225, § 2°, da Lei de Registros Públicos, que consagra o princípio da continuidade, que é corolário do princípio da especialidade.
Afrânio de Carvalho, ao tratar do tema, observa:
"…importa lembrar que o título atual só é admissível no registro quando aí encontre outro pretérito a que possa ligar-se: o encadeamento há de ser ininterrupto. Essa afirmação não é senão um corolário de preceito latente do sistema, por mim realçado no anteprojeto atrás aludido, segundo o qual a pré-inscrição de titular antigo é indispensável à inscrição de novo titular." (Revista dos Tribunais 643/20 – "Títulos Admissíveis no Registro")
O mesmo doutrinador ensina:
"O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente." e acrescenta: "Ao exigir-se que todo aquele que dispõe de um direito esteja inscrito como seu titular no registro, impede-se que o não-titular dele disponha. A pré-inscrição do disponente do direito, da parte passivamente interessada, constitui, pois, sua necessidade indeclinável em todas as mutações jurídicos-reais."(Registro de Imóveis, 4ª ed., Ed. Forense, 1998, p. 254).
Correta, pois, a recusa de se registrar o mencionado título negocial, pois, se os bens adquiridos na constância do casamento, segundo a Súmula 377 da Suprema Corte, comunicam-se mesmo no regime da separação obrigatória de bens, o marido tornou-se comunheiro da propriedade comprada pela mulher e, no caso de seu falecimento, seus herdeiros têm direito sobre a meação.
Em outras palavras: se entre cônjuges vigorava o regime da separação obrigatória de bens e se houve aquisição onerosa de bens durante a sociedade conjugal, o aquesto presume-se decorrente do esforço comum de ambos e, portanto, comunica-se, nos termos da Súmula n. 377 do Supremo Tribunal Federal. Em tal caso, se um dos cônjuges falecer, para que se possa saber, com relação ao aquesto, qual poder de disposição restou em mãos do cônjuge supérstite, é necessário que se demonstre que comunicação não houve ou que, por outra causa, na partilha ou adjudicação, o bem coube todo ao supérstite, o que só poderia ser resolvido a partir da apresentação do formal de partilha.
Como consignado no acórdão proferido na Apelação Cível n. 990.10.094.271-9 deste Conselho (relator o Desembargador Marco César Müller Valente, julg. 30/06/2010 in DJ: 24/09/2010), "determinar o registro sem o inventário, traria o risco de prejudicar possíveis herdeiros dele, sem que tenham tido oportunidade de manifestar-se. No processo de inventário se decidirá se afinal o imóvel comunicou-se ou não, e só então haverá a segurança jurídica necessária que se exige para a promoção do registro".
No mesmo sentido, este Conselho Superior da Magistratura já se pronunciou nos seguintes precedentes: Ap. Cível n. 990.10.017.203-4 (Relator Des. Marco César Müller Valente); Ap. Cível n. 094159-0/8 (Des. Luiz Tâmbara); Ap. Cível n. 077870-0/8 (Relator Des. Luís de Macedo); Ap. Cív. n. 62.111-0/0 e 63.914-0/2 (Relator Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição).
Portanto, não há como afastar a presunção de comunicabilidade dos aquestos nesta via administrativa, da forma pretendida.
Posto isso, nego provimento ao recurso.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR (D.J.E. de 21.10.2014 – SP)