Vejamos a seguinte situação: João era casado com Maria, pelo regime da comunhão universal de bens, com quem tinha dois filhos, Lúcio e Tiago. João faleceu em 10/02/2016, num grave acidente de carro, deixando como patrimônio um único imóvel, no valor de R$120.000,00.
Caso a partilha fosse realizada de acordo com o que estabelece a lei, Maria ficaria com a meação, no valor de R$60.000,00, e a herança seria dividida entre os filhos na mesma proporção, ficando o valor de R$30.000,00 para cada um.
Só que Lúcio, já formado médico e bem estabelecido financeiramente, resolveu ceder sua parte na herança ao seu irmão, Tiago, que ainda é estudante. Para isso, Lúcio decidiu renunciar a herança, pois ficou sabendo que tal ato não é gerador de ITCD, enquanto que na cessão de direitos hereditários a título gratuito há incidência da alíquota de 3%, considerando o seu quinhão de R$30.000,00. Vejamos a tabela abaixo, da Secretaria da Fazenda do RS, para doações ocorridas a partir de 01.01.2016[1]:
Faixa | Valor do quinhão (em UPF-RS)[2] | Alíquota | |
Acima de | Até | ||
I | 0 | 10.000 (R$174.441,00) | 3% |
II | 10.000 (R$174.441,00) | 4% |
O que Lúcio não sabia é que, com a renúncia de direitos hereditários, o quinhão de seu irmão, que era de R$30.000,00 e, portanto, isento de pagamento de ITCD pelo fato gerador morte (menor que 2.000 UPF/RS), passou a ser de R$60.000,00 e, assim, sujeito a tributação de 3%. Vejamos a tabela abaixo, da Secretaria da Fazenda do RS, vigente para os óbitos ocorridos a partir de 01.01.2016:[3]
Faixa | Valor do quinhão (em UPF-RS) | Alíquota | |
Acima de | Até | ||
I | 0 | 2.000 (R$34.888,20) | 0% |
II | 2.000 (R$34.888,20) | 10.000 (R$174.441,00) | 3% |
III | 10.000 (R$174.441,00) | 30.000 (R$523.323,00) | 4% |
IV | 30.000 (R$523.323,00) | 50.000 (R$872.205,00) | 5% |
V | 50.000 (R$872.205,00) | 6% |
Ou seja, se Lúcio tivesse optado pela cessão de direitos hereditários em favor de seu irmão, o ITCD de 3% incidiria apenas sobre o quinhão transmitido (R$30.000,00), resultando na quantia a pagar de R$900,00. Com a renúncia de direitos, todavia, o quinhão de Tiago, que antes era isento (R$30.000,00), passou a ser de R$60.000,00 e, desta forma, sujeito a tributação de 3% sobre a integralidade do quinhão, gerando um imposto a pagar de R$1.800,00.
Neste caso, a renúncia de direitos hereditários, eleita com o objetivo de evitar tributação, acabou por gerar o dobro de ITCD.
Ademais, é importante destacarmos que a renúncia de direitos hereditários, além de poder gerar pagamento de imposto a maior, é um ato que pode causar sérias consequências patrimoniais. Por exemplo, no caso de Lúcio e Tiago. Se Lúcio renuncia a herança no intuito de beneficiar o irmão e posteriormente “aparece” outro filho do “de cujus”, como fica? Nós sabemos a resposta: o terceiro filho que “apareceu” será beneficiado com a renúncia, pois dividirá com Tiago toda a herança. Entretanto, se Lúcio faz a cessão de seu quinhão em benefício de Tiago, honrando seu objetivo inicial de beneficiar o irmão estudante, não haverá risco do terceiro filho ser agraciado com o quinhão de Lúcio.
Tudo o que aqui foi explanado demonstra como é preciso que nós, tabeliães, tenhamos cuidado e atenção com a renúncia de direitos hereditários, que, muitas vezes é tida com um ato simples e de fácil elaboração, mas que pode ter consequências patrimoniais e tributárias sérias para as partes envolvidas.
* José Flávio Bueno Fischer – 1º Tabelião de Novo Hamburgo/RS, ex-presidente do CNB-CF, membro do Conselho de Direção da UINL
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O presente artigo é uma reflexão pessoal do colunista e não a opinião institucional do CNB-CF.