Por José Flávio Bueno Fischer*
[…] Plasmar a tutela estatal na esteira de relações privadas voluntárias, com vistas a realizar Segurança jurídica de base preventiva, evitando e prevenindo litígios por meio de atos de sua competência”[1]: eis a importância da instituição notarial.
Pois foi fazendo jus à importância do notário e buscando garantir a proteção estatal a uma relação privada, que a tabeliã de Tupã, cidade do interior de São Paulo, Cláudia do Nascimento Domingues, lavrou a primeira escritura brasileira de união poliafetiva, que declarou a convivência pública e duradoura, como entidade familiar, de três pessoas solteiras, maiores e capazes, um homem e duas mulheres.
Tal evento, ocorrido em meados de agosto de 2012, desassossegou a comunidade jurídica brasileira, gerando impasses e opiniões divergentes. Enquanto alguns manifestaram-se favoráveis ao tema, afirmando não existir qualquer impedimento legal à lavratura do ato, outros chegaram a suscitar a nulidade absoluta da escritura pública, por entenderem se tratar de poligamia, situação vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro entre pessoas casadas.
Tamanha é a polêmica envolvendo o assunto que a Corregedoria Nacional de Justiça, neste ano de 2016, sugeriu aos cartórios que aguardem para lavrar novas escrituras declaratórias de uniões poliafetivas até a conclusão de estudo sobre o tema que está sendo realizado pela Corregedoria.
Situação semelhante, de mesma polêmica, já ocorreu no Brasil há uns quinze anos, quando os primeiros tabeliães começaram a lavrar escrituras de declaração de união homoafetiva. Naquela época, o tema era tão ou mais controvertido que a união poliafetiva, e, mesmo assim, as escrituras declaratórias de união homoafetiva nunca foram objeto de análise legislativa e muito menos consideradas ilegais pelo Judiciário. Pelo contrário, recentemente, o Supremo Tribunal Federal “bateu o martelo”, reconhecendo a união homoafetiva como união estável para todos os fins de direito.
A despeito das controvérsias, especialmente de cunho moral e religioso, que pendem sobre assuntos de tal natureza, como são a união homoafetiva e a união poliafetiva, o que é indiscutível é que o tabelião é peça-chave no reconhecimento destes “novos” direitos, destas novas formas de família, garantindo que o ordenamento jurídico acompanhe a evolução da sociedade de forma célere, pois muitos atos notariais são lavrados sem ter legislação específica a respeito, como é o caso destes dois tipos de união.
E mesmo que o Congresso Nacional fosse dinâmico e rápido na produção legislativa, quem poderia pensar que a lei deveria e poderia prever e dispor sobre tudo quanto os particulares fizessem ou deixassem de fazer? Pois já dizia aquela máxima: os movimentos sociais são lebres e o direito é tartaruga.
Deste modo, o notário exerce função precípua na sociedade contemporânea: a de conferir proteção legal às mais variadas relações entre particulares, reconhecendo em um documento público um fato social individual, portando por fé-pública aquilo que os particulares precisam preservar e codificar para assegurar direitos e obrigações, independente de existir ou não lei disciplinando a matéria.
Salienta-se que a ausência de legislação não prescinde da análise da legalidade e constitucionalidade do ato, que são sempre verificadas de forma cuidadosa pelo tabelião na lavratura de qualquer escritura pública. O notário, ao colher a vontade das partes, interpreta-as à luz da moral, da justiça e da lei, e propõe a solução de maior conveniência sob o aspecto jurídico. Essa atividade de consultor tem como resultado a escritura pública, “[…] onde ele coordena, autentica e legitima os interesses dos contratantes, assegurando a eficácia jurídica necessária à correta aplicação dos direitos gerados pelo acordo de vontades”.[2]
Assim fez a tabeliã de Tupã: colheu a vontade das partes, interpretou-as à luz da justiça e da lei, e, verificando não existir qualquer impedimento legal, lavrou a escritura pública de declaração poliafetiva, onde as partes intentaram estabelecer as regras para a garantia de seus direitos e deveres, pretendendo vê-las reconhecidas e respeitadas social, econômica e juridicamente em caso de questionamentos ou litígios surgidos entre si ou com terceiros, tendo por base os princípios constitucionais da liberdade, dignidade e igualdade.
Veja-se que, de fato, não há impedimento legal à lavratura do ato. A monogamia é princípio aplicável no ordenamento jurídico brasileiro às pessoas casadas. Entretanto, não há estipulação legal que a aplique às uniões de fato. Neste sentido, a ilustre jurista Maria Berenice Dias destaca que “ […] o princípio da monogamia não está na constituição, é um viés cultural. O código civil proíbe apenas casamento entre pessoas casadas […]”[3], o que não é o caso, pois todos os declarantes eram solteiros.
Neste sentido, também leciona Erick Wilson Pereira[4], afirmando que “ […] no universo das composições de famílias, conceitos juridicamente sedimentados e a injunção da monogamia ainda exercem peso considerável na idealização e na formação dos vínculos.” Todavia, continua Pereira, a extensão dos reflexos sociais da monogamia, faz esquecer que ela não é “[…] princípio jurídico aplicável como dever às circunstâncias eleitas pelos protagonistas que dela prescindem em entidades familiares […]”, a exemplo da simultaneidade conjugal e da união poliafetiva.
Aliás, a respeito das entidades familiares, é irrefutável que elas constituem base formadora da personalidade de seus membros, “ […] função indissociável do fundamento jurídico da dignidade da pessoa humana, e do respeito e proteção à liberdade de escolha dos cidadãos, princípios caros ao Estado democrático de direito”[5]. Desta forma, sendo o pluralismo a marca das constituições republicanas, não há como se permitir que o Estado laico interfira “ […] na vontade de membros de entidades ou arranjos familiares que auxiliam a concretizar a norma de proteção à pessoa.” [6]
Assim, se barreiras jurídicas não existem, é indispensável se desprender das amarras morais e dogmas religiosos para entender que nas relações pessoais, no “direito de família”, a verdade é o limite. De consequência, se de fato houver uma união poliafetiva, sem dominação ou subjugação de um indivíduo por outro(s), se existe uma forma de viver a própria vida que seja pacífica e que não cause prejuízo à sociedade e a terceiros, não existe motivo para não aceitar esta verdade como algo juridicamente relevante e proporcionar alguma espécie de proteção legal.
E, aceitar a verdade como algo juridicamente relevante, reconhecendo em um documento público um fato social individual, é tarefa do tabelião, o qual, como agente da paz social, tem o dever de auxiliar na proteção das normas que visem à dignidade da pessoa humana.
Ademais, a importância do pioneirismo da escritura pública de união poliafetiva, não se restringe à proteção das relações não monogâmicas, “ […] mas a buscar sua inserção entre as entidades familiares acolhidas pelo ordenamento mediante solução oriunda do Judiciário ou do Legislativo”.[7]
Denota-se deste contexto, portanto, que o tabelião é o operador do direito com maior legitimidade para construir direitos individualmente considerados, proporcionando segurança jurídica aos cidadãos. Sua função de prevenir litígios e acautelar por força própria é “ […] fenômeno que, dado o dinamismo atual da sociedade, há de ser compreendido como a expressão da paz preventiva”.[8]
Tal função social de assegurar a paz e prevenir litígios está ligada de forma umbilical à necessidade contemporânea de proporcionar soluções rápidas àqueles que necessitam da tutela estatal, sem qualquer abondono ao manto da segurança nas relações. E, a resposta célere às demandas populares é possível em razão da competência material do notário não ser derivada somente da lei positiva, mas dos princípios essenciais e basilares do direito.
Isso porque os princípios, conhecidos como mandamentos nucleares de um sistema, “ […] hão de ser entendidos como os sustentáculos que dão suporte ao arcabouço do direito”[9], orientando a compreensão do ordenamento jurídico, quer para sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas.
Neste sentido, a Comissão número nove da XI Jornada Nacional de Direito Civil, realizada em Buenos Aires, no ano de 1987, sobre a premissa “Princípios gerais de direito: sistema latino americano”, considerou que os códigos civis latino americanos: I) impõem aos princípios gerais de direito como pautas integradoras ou interpretativas das leis; II) que os princípios são normas axiológicas de inestimável valor; e, III) a referência legislativa aos princípios gerais do direito necessariamente remetem a obra dos jurisconsultos romanos, a jurisprudência de onde se assentam as modernas legislações.[10]
Percebe-se, portanto, que a função integrativa dos princípios, que possibilita a exata compreensão e inteligência das normas positivadas, é premissa nuclear dos Códigos Civis latino americanos, e também foi considerada premissa essencial pela União Internacional do Notariado, que em Reunião realizada em janeiro de 2005, na cidade de San José da Costa Rica, elegeu dez princípios norteadores da atividade notarial: preparação profissional, função notarial, relação com os colegas e os órgãos profissionais, concorrência, publicidade, escolha do notário, caráter pessoal da intervenção notarial, segredo profissional, imparcialidade e independência, e diligência e responsabilidade.[11]
Na esteira destes dez princípios, a União Internacional do Notariado conferiu, ainda, eficácia extraterritorial aos documentos notariais que atendam estas normas axiológicas, estipulando que tais documentos deverão ser reconhecidos em todos os Estados e produzir os mesmos efeitos probatórios, executivos e constitutivos de direitos e obrigações de seu país de origem [12].
Como se vê, a União Internacional do Notariado erigiu os dez princípios referidos à categoria de normas essenciais a serem seguidas na lavratura de qualquer ato notarial. Assim, pode-se dizer que a competência notarial, além de ser derivada da lei, é ungida pelos princípios notariais e pelos princípios basilares de direito, o que, em última análise, determina que não necessariamente deve haver uma lei positiva e vigente para que uma situação fática mereça o amparo legal da escritura pública. Ao contrário. É sabido que uma grande quantidade de atos notariais lavrados apenas com base nos princípios acompanham, de forma célere, o crescimento das demandas populares, eis que a noção própria da função notarial está encaminhada a obter o bem comum.[13]
Com efeito, na busca do bem comum como magistério da paz social, exercendo de forma plena sua função social e calcada nos princípios notariais e nos princípios gerais do direito, foi que a tabeliã de Tupã lavrou a escritura pública de união poliafetiva, possibilitando que as três pessoas envolvidas na união estabelecessem de forma clara e precisa, em um documento dotado de fé pública, as regras a serem aplicadas à sua convivência, evitando e dirimindo futuros litígios. Assim fazendo, a notária atendeu uma demanda popular, de forma célere, e prestigiou a justiça. Não a noção de justiça repressiva que não consegue preservar o mandamento constitucional da celeridade, “ […] mas a Justiça Notarial, uma Justiça pragmática e de caráter preventivo, uma Justiça que prima pela celeridade e eficácia dos atos submetidos à sua tutela”.[14]
Vê-se, destarte, que a função social do tabelião, em uma breve síntese, é aceitar a verdade como algo juridicamente relevante, desprovido de qualquer amarra moral e religiosa, e fundado na lei e nos princípios notariais e gerais de direito, reconhecendo em um documento público um fato social individual, portando por fé-pública aquilo que os particulares precisam preservar e codificar para assegurar direitos e obrigações, de forma a auxiliar na proteção das normas que visem à dignidade da pessoa humana e na prevenção de litígios.
Assim, dada a essencialidade e a importância da função notarial na sociedade contemporânea, espera-se que esta seja cada vez mais reconhecida como ferramenta para o reconhecimento de novos direitos, a exemplo da união poliafetiva, e, por consequência, como ferramenta para proteção da dignidade da pessoa humana.
Pois foi fazendo jus à importância do notário e buscando garantir a proteção estatal a uma relação privada, que a tabeliã de Tupã, cidade do interior de São Paulo, Cláudia do Nascimento Domingues, lavrou a primeira escritura brasileira de união poliafetiva, que declarou a convivência pública e duradoura, como entidade familiar, de três pessoas solteiras, maiores e capazes, um homem e duas mulheres.
Tal evento, ocorrido em meados de agosto de 2012, desassossegou a comunidade jurídica brasileira, gerando impasses e opiniões divergentes. Enquanto alguns manifestaram-se favoráveis ao tema, afirmando não existir qualquer impedimento legal à lavratura do ato, outros chegaram a suscitar a nulidade absoluta da escritura pública, por entenderem se tratar de poligamia, situação vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro entre pessoas casadas.
Tamanha é a polêmica envolvendo o assunto que a Corregedoria Nacional de Justiça, neste ano de 2016, sugeriu aos cartórios que aguardem para lavrar novas escrituras declaratórias de uniões poliafetivas até a conclusão de estudo sobre o tema que está sendo realizado pela Corregedoria.
Situação semelhante, de mesma polêmica, já ocorreu no Brasil há uns quinze anos, quando os primeiros tabeliães começaram a lavrar escrituras de declaração de união homoafetiva. Naquela época, o tema era tão ou mais controvertido que a união poliafetiva, e, mesmo assim, as escrituras declaratórias de união homoafetiva nunca foram objeto de análise legislativa e muito menos consideradas ilegais pelo Judiciário. Pelo contrário, recentemente, o Supremo Tribunal Federal “bateu o martelo”, reconhecendo a união homoafetiva como união estável para todos os fins de direito.
A despeito das controvérsias, especialmente de cunho moral e religioso, que pendem sobre assuntos de tal natureza, como são a união homoafetiva e a união poliafetiva, o que é indiscutível é que o tabelião é peça-chave no reconhecimento destes “novos” direitos, destas novas formas de família, garantindo que o ordenamento jurídico acompanhe a evolução da sociedade de forma célere, pois muitos atos notariais são lavrados sem ter legislação específica a respeito, como é o caso destes dois tipos de união.
E mesmo que o Congresso Nacional fosse dinâmico e rápido na produção legislativa, quem poderia pensar que a lei deveria e poderia prever e dispor sobre tudo quanto os particulares fizessem ou deixassem de fazer? Pois já dizia aquela máxima: os movimentos sociais são lebres e o direito é tartaruga.
Deste modo, o notário exerce função precípua na sociedade contemporânea: a de conferir proteção legal às mais variadas relações entre particulares, reconhecendo em um documento público um fato social individual, portando por fé-pública aquilo que os particulares precisam preservar e codificar para assegurar direitos e obrigações, independente de existir ou não lei disciplinando a matéria.
Salienta-se que a ausência de legislação não prescinde da análise da legalidade e constitucionalidade do ato, que são sempre verificadas de forma cuidadosa pelo tabelião na lavratura de qualquer escritura pública. O notário, ao colher a vontade das partes, interpreta-as à luz da moral, da justiça e da lei, e propõe a solução de maior conveniência sob o aspecto jurídico. Essa atividade de consultor tem como resultado a escritura pública, “[…] onde ele coordena, autentica e legitima os interesses dos contratantes, assegurando a eficácia jurídica necessária à correta aplicação dos direitos gerados pelo acordo de vontades”.[2]
Assim fez a tabeliã de Tupã: colheu a vontade das partes, interpretou-as à luz da justiça e da lei, e, verificando não existir qualquer impedimento legal, lavrou a escritura pública de declaração poliafetiva, onde as partes intentaram estabelecer as regras para a garantia de seus direitos e deveres, pretendendo vê-las reconhecidas e respeitadas social, econômica e juridicamente em caso de questionamentos ou litígios surgidos entre si ou com terceiros, tendo por base os princípios constitucionais da liberdade, dignidade e igualdade.
Veja-se que, de fato, não há impedimento legal à lavratura do ato. A monogamia é princípio aplicável no ordenamento jurídico brasileiro às pessoas casadas. Entretanto, não há estipulação legal que a aplique às uniões de fato. Neste sentido, a ilustre jurista Maria Berenice Dias destaca que “ […] o princípio da monogamia não está na constituição, é um viés cultural. O código civil proíbe apenas casamento entre pessoas casadas […]”[3], o que não é o caso, pois todos os declarantes eram solteiros.
Neste sentido, também leciona Erick Wilson Pereira[4], afirmando que “ […] no universo das composições de famílias, conceitos juridicamente sedimentados e a injunção da monogamia ainda exercem peso considerável na idealização e na formação dos vínculos.” Todavia, continua Pereira, a extensão dos reflexos sociais da monogamia, faz esquecer que ela não é “[…] princípio jurídico aplicável como dever às circunstâncias eleitas pelos protagonistas que dela prescindem em entidades familiares […]”, a exemplo da simultaneidade conjugal e da união poliafetiva.
Aliás, a respeito das entidades familiares, é irrefutável que elas constituem base formadora da personalidade de seus membros, “ […] função indissociável do fundamento jurídico da dignidade da pessoa humana, e do respeito e proteção à liberdade de escolha dos cidadãos, princípios caros ao Estado democrático de direito”[5]. Desta forma, sendo o pluralismo a marca das constituições republicanas, não há como se permitir que o Estado laico interfira “ […] na vontade de membros de entidades ou arranjos familiares que auxiliam a concretizar a norma de proteção à pessoa.” [6]
Assim, se barreiras jurídicas não existem, é indispensável se desprender das amarras morais e dogmas religiosos para entender que nas relações pessoais, no “direito de família”, a verdade é o limite. De consequência, se de fato houver uma união poliafetiva, sem dominação ou subjugação de um indivíduo por outro(s), se existe uma forma de viver a própria vida que seja pacífica e que não cause prejuízo à sociedade e a terceiros, não existe motivo para não aceitar esta verdade como algo juridicamente relevante e proporcionar alguma espécie de proteção legal.
E, aceitar a verdade como algo juridicamente relevante, reconhecendo em um documento público um fato social individual, é tarefa do tabelião, o qual, como agente da paz social, tem o dever de auxiliar na proteção das normas que visem à dignidade da pessoa humana.
Ademais, a importância do pioneirismo da escritura pública de união poliafetiva, não se restringe à proteção das relações não monogâmicas, “ […] mas a buscar sua inserção entre as entidades familiares acolhidas pelo ordenamento mediante solução oriunda do Judiciário ou do Legislativo”.[7]
Denota-se deste contexto, portanto, que o tabelião é o operador do direito com maior legitimidade para construir direitos individualmente considerados, proporcionando segurança jurídica aos cidadãos. Sua função de prevenir litígios e acautelar por força própria é “ […] fenômeno que, dado o dinamismo atual da sociedade, há de ser compreendido como a expressão da paz preventiva”.[8]
Tal função social de assegurar a paz e prevenir litígios está ligada de forma umbilical à necessidade contemporânea de proporcionar soluções rápidas àqueles que necessitam da tutela estatal, sem qualquer abondono ao manto da segurança nas relações. E, a resposta célere às demandas populares é possível em razão da competência material do notário não ser derivada somente da lei positiva, mas dos princípios essenciais e basilares do direito.
Isso porque os princípios, conhecidos como mandamentos nucleares de um sistema, “ […] hão de ser entendidos como os sustentáculos que dão suporte ao arcabouço do direito”[9], orientando a compreensão do ordenamento jurídico, quer para sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas.
Neste sentido, a Comissão número nove da XI Jornada Nacional de Direito Civil, realizada em Buenos Aires, no ano de 1987, sobre a premissa “Princípios gerais de direito: sistema latino americano”, considerou que os códigos civis latino americanos: I) impõem aos princípios gerais de direito como pautas integradoras ou interpretativas das leis; II) que os princípios são normas axiológicas de inestimável valor; e, III) a referência legislativa aos princípios gerais do direito necessariamente remetem a obra dos jurisconsultos romanos, a jurisprudência de onde se assentam as modernas legislações.[10]
Percebe-se, portanto, que a função integrativa dos princípios, que possibilita a exata compreensão e inteligência das normas positivadas, é premissa nuclear dos Códigos Civis latino americanos, e também foi considerada premissa essencial pela União Internacional do Notariado, que em Reunião realizada em janeiro de 2005, na cidade de San José da Costa Rica, elegeu dez princípios norteadores da atividade notarial: preparação profissional, função notarial, relação com os colegas e os órgãos profissionais, concorrência, publicidade, escolha do notário, caráter pessoal da intervenção notarial, segredo profissional, imparcialidade e independência, e diligência e responsabilidade.[11]
Na esteira destes dez princípios, a União Internacional do Notariado conferiu, ainda, eficácia extraterritorial aos documentos notariais que atendam estas normas axiológicas, estipulando que tais documentos deverão ser reconhecidos em todos os Estados e produzir os mesmos efeitos probatórios, executivos e constitutivos de direitos e obrigações de seu país de origem [12].
Como se vê, a União Internacional do Notariado erigiu os dez princípios referidos à categoria de normas essenciais a serem seguidas na lavratura de qualquer ato notarial. Assim, pode-se dizer que a competência notarial, além de ser derivada da lei, é ungida pelos princípios notariais e pelos princípios basilares de direito, o que, em última análise, determina que não necessariamente deve haver uma lei positiva e vigente para que uma situação fática mereça o amparo legal da escritura pública. Ao contrário. É sabido que uma grande quantidade de atos notariais lavrados apenas com base nos princípios acompanham, de forma célere, o crescimento das demandas populares, eis que a noção própria da função notarial está encaminhada a obter o bem comum.[13]
Com efeito, na busca do bem comum como magistério da paz social, exercendo de forma plena sua função social e calcada nos princípios notariais e nos princípios gerais do direito, foi que a tabeliã de Tupã lavrou a escritura pública de união poliafetiva, possibilitando que as três pessoas envolvidas na união estabelecessem de forma clara e precisa, em um documento dotado de fé pública, as regras a serem aplicadas à sua convivência, evitando e dirimindo futuros litígios. Assim fazendo, a notária atendeu uma demanda popular, de forma célere, e prestigiou a justiça. Não a noção de justiça repressiva que não consegue preservar o mandamento constitucional da celeridade, “ […] mas a Justiça Notarial, uma Justiça pragmática e de caráter preventivo, uma Justiça que prima pela celeridade e eficácia dos atos submetidos à sua tutela”.[14]
Vê-se, destarte, que a função social do tabelião, em uma breve síntese, é aceitar a verdade como algo juridicamente relevante, desprovido de qualquer amarra moral e religiosa, e fundado na lei e nos princípios notariais e gerais de direito, reconhecendo em um documento público um fato social individual, portando por fé-pública aquilo que os particulares precisam preservar e codificar para assegurar direitos e obrigações, de forma a auxiliar na proteção das normas que visem à dignidade da pessoa humana e na prevenção de litígios.
Assim, dada a essencialidade e a importância da função notarial na sociedade contemporânea, espera-se que esta seja cada vez mais reconhecida como ferramenta para o reconhecimento de novos direitos, a exemplo da união poliafetiva, e, por consequência, como ferramenta para proteção da dignidade da pessoa humana.
[1] CHAVES, Carlos Fernando Brasil, e REZENDE, Afonso Celso F. Rezende. Tabelionato de Notas e o Notário Perfeito. Campinas: Millennium Editora, 2011. p. 12
[2] POISL, Carlos Luiz. Em testemunho da verdade: Lições de notário. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2006. p. 32
[3] JUS BRASIL. Escritura Pública reconhece união afetiva a três. Disponível em: http://coad.jusbrasil.com.br/noticias/100036687/escritura-publica-reconhece-uniao-afetiva-a-tres. Acesso em 25 set. 2016.
[4] PEREIRA, Erick Wilson. União Poliafetiva. Disponível em: http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2012/09/01/uniao-poliafetiva. Acesso em: 25 set. 2016.
[5] PEREIRA, Erick Wilson. União Poliafetiva. Disponível em: http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2012/09/01/uniao-poliafetiva. Acesso em: 25 set. 2016.
[6] PEREIRA, Erick Wilson. União Poliafetiva. Disponível em: http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2012/09/01/uniao-poliafetiva. Acesso em: 25 set. 2016.
[7] PEREIRA, Erick Wilson. União Poliafetiva. Disponível em: http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2012/09/01/uniao-poliafetiva. Acesso em: 25 set. 2016.
[8] CHAVES, Carlos Fernando Brasil, e REZENDE, Afonso Celso F. Rezende. Tabelionato de Notas e o Notário Perfeito. Campinas: Millennium Editora, 2011. p. 15
[9] CHAVES, Carlos Fernando Brasil, e REZENDE, Afonso Celso F. Rezende. Tabelionato de Notas e o Notário Perfeito. Campinas: Millennium Editora, 2011. p. 22
[10] COSOLA, Sebastian Justo. Los fundamentos éticos del derecho notarial – perspectivas jurídico-iusfilosóficas. Pando-San Miguel: Gaceta Notarial, 2010. p. 111
[11] CHAVES, Carlos Fernando Brasil, e REZENDE, Afonso Celso F. Rezende. Tabelionato de Notas e o Notário Perfeito. Campinas: Millennium Editora, 2011. p. 23
[12] UNIÃO INTERNACIONAL DO NOTARIADO. Princípios fundamentais da União Internacional do Notariado. Disponível em: http://www.uinl.org/notariado_mundo.asp?idioma=esp&submenu=NOTAIRE. Acesso em: 25 set. 2016.
[13] COSOLA, Sebastian Justo. Los fundamentos éticos del derecho notarial – perspectivas jurídico-iusfilosóficas. Pando-San Miguel: Gaceta Notarial, 2010. p. 34
[14] CHAVES, Carlos Fernando Brasil, e REZENDE, Afonso Celso F. Rezende. Tabelionato de Notas e o Notário Perfeito. Campinas: Millennium Editora, 2011. p. 14
*José Flávio Bueno Fischer: 1º Tabelião de Novo Hamburgo/RS, Ex-presidente do CNB-CF e Membro do Conselho de Direção da UINL
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O presente artigo é uma reflexão pessoal do colunista e não a opinião institucional do CNB-CF.
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