Número é maior do que em outras capitais do país, como Rio de Janeiro e São Paulo. Assunto divide opiniões dos moradores da capital gaúcha.
Porto Alegre tem mais de 5 mil imóveis protegidos pelo Patrimônio Histórico e Cultural. É um número bem maior em comparação com outras capitais do país. Cerca de 7% dos imóveis da capital gaúcha tem algum grau de preservação. No Rio de Janeiro, o percentual é de 6,3%. Em São Paulo, 0,1%.
Os prédios protegidos em Porto Alegre estão distribuídos em 40 bairros. Quase 80% se concentram no Centro Histórico, Floresta, Iapi, Cidade Baixa e São Geraldo.
"Porto Alegre é uma das únicas cidades do Brasil que trabalha com o inventário como forma de proteção. Historicamente, o inventário tem essa conotação. Ele é um levantamento de dados sobre determinadas residências de onde sai uma seleção do que vai ser protegido, mas como consta na constituição que os bens culturais podem ser protegidos através de tombamentos, inventários, registros, então em Porto Alegre se criou uma lei específica, onde o inventário passou a ser uma forma de proteção", afirma o coordenador da Memória Cultural da Secretaria Municipal da Cultura, Eduardo Hahn.
A lei prevê duas formas de proteção de imóveis: o tombamento, normalmente aplicado para construções de grande importância, como o Paço Municipal, o Palácio Piratini e o Mercado Público, e o inventário, para prédios residenciais e comerciais. A proteção é definida por leis municipais, com critérios próprios.
5,5 mil imóveis inventariados
A família de Elias Scalco e Maria Helena Scalco é dona de três casas que ficam lado a lado, em uma rua do bairro Petrópolis, em Porto Alegre. A ideia deles era demolir os imóveis e construir um edifício. Mas, quando deram entrada com o projeto na prefeitura, tiveram uma surpresa, conforme relata Elias.
"Responderam que nós não poderíamos fazer um projeto porque havia um tal de inventário. Então, em 2013, nós começamos a trabalhar no inventário. Hoje, nós não somos mais proprietários das casas"
As residências fazem parte de uma lista com 5,5 mil imóveis inventariados em Porto Alegre, e por isso, não podem ser demolidas e precisam seguir regras rigorosas no caso de reformas.
O levantamento dos prédios históricos de Porto Alegre começou pela área central e com o passar do tempo se estendeu para outras regiões da cidade. Até que em 2012, técnicos do Patrimônio Histórico chegaram ao bairro Petrópolis. Isso causou uma divisão entre os moradores. Até hoje, o inventário do bairro não foi concluído.
No Centro Histórico de Porto Alegre existe um exemplo claro do impasse criado entre poder público e proprietários de imóveis inventariados. Um casarão que corre o risco de desabar fez com que uma importante rua da cidade fosse bloqueada, mas os proprietários alegam não ter dinheiro para reformar o prédio, e a prefeitura ainda cobra dívida de R$ 200 mil em IPTU.
Tema divide opiniões
Mais de 400 imóveis estão na lista de interesse do Patrimônio Histórico no Petrópolis. O assunto divide opiniões entre os moradores. Alguns criticam a forma como a prefeitura conduziu o processo.
"A Amai (Associação dos Moradores Atingidos pelo Inventário do Petrópolis) não é contra a preservação, e sim, a falta de critérios. A prefeitura simplesmente disse 'o imóvel de vocês é bacana, ele vai ficar inventariado, mas todo o custo de manutenção é de vocês'", afirma o presidente da Amai, Márcio Divino.
Outros moradores são a favor da preservação. "A questão da preservação do bairro era unânime entre todos os moradores. Se dizia que era um bairro tradicional com casas que remontavam aos anos 40, 50, 30 e o pessoal gostava de morar aqui. Isso valorizava o bairro porque as pessoas queriam vir para o Petrópolis", explica o presidente do movimento Proteja Petrópolis, Álvaro Arrosi.
O dono de uma casa inventariada defende a preservação para não perder a qualidade de vida.
"Nós viemos para cá em 1995 e quando nós viemos não tinham prédios na rua, era só casas. Aí começaram a construir prédios e nós estamos preocupados porque se isso aqui continuar vai acabar a nossa rua", afirma o médico José Roque Guimarães.
Mas, o grupo contrário reclama da desvalorização dos imóveis e da perda da autonomia sobre o patrimônio.
"Todo esse jogo atrapalhou a vida das pessoas. O bairro morreu, o bairro perdeu autonomia. Se tu percorrer o bairro hoje, tem terrenos a venda, terrenos abandonados, casas abandonadas, caindo aos pedaços, está envelhecendo o bairro sem vida", relata o aposentado Fernando Pires.
Para o Instituto dos Arquitetos do Brasil, não existe conflito entre a preservação da história e a modernização das cidades.
“A gente tem, me parece, uma falsa dicotomia de que o antigo, de que o patrimônio é um entrave ao desenvolvimento econômico e, especificamente, ao mercado da construção civil, ao mercado imobiliário, quando na verdade a gente tem diversos exemplos de que podem muito bem se aliar e agregar valor um ao outro”, explica o presidente do Instituto Arquitetos Brasil RS, Rafael Passos.
O processo de inventário do Petrópolis está parado e sem previsão de continuar. A pedido do Ministério Público, a Justiça determinou que os imóveis sigam bloqueados. Quem descumprir, pode levar uma multa de R$ 100 mil por dia. Impasse gera preocupação dos dois lados da história.
"Eu moro nesse bairro há 20 anos. É o único imóvel que eu tenho. Hoje, eu não vejo perspectiva nenhuma em relação ao bairro. Então, nós estamos com as mãos amarradas", afirma a empresária Marli Trevisol.
"Isso é um estilo de vida. O que é o progresso afinal? As pessoas constroem edifícios e depois vão para o campo", relata o aposentado Edmundo Dantas.
Fonte: G1