Não há que se falar em inalienabilidade do imóvel gravado exclusivamente com as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade. O entendimento é da 4ª turma do STJ, e foi proferido em processo relatado pelo ministro Marco Buzzi.
A controvérsia era definir a interpretação a ser dada ao caput do art. 1.911 do CC, se restritiva ou extensiva, diante da nítida limitação ao pleno direito de propriedade, para concluir se a aposição da cláusula de impenhorabilidade e/ou incomunicabilidade em ato de liberalidade importa automaticamente, ou não, na cláusula de inalienabilidade. O dispositivo prevê:
“Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.
Parágrafo único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros.”
No caso concreto, a recorrente recebeu, por meio de doação, imóvel gravado com instituição de usufruto vitalício e cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade; a doadora faleceuPor não estar presente a cláusula de inalienabilidade, a recorrente vendeu o imóvel a terceiro, mas não conseguiu formalizar o negócio perante o serviço registral, diante do entendimento de que a presença dos gravames de impenhorabilidade e incomunicabilidade importaria automaticamente também na impossibilidade de alienação.
Possibilidade de alienação
Ao analisar o caso, o ministro Marco Buzzi consignou no voto que a leitura do dispositivo do CC permite afirmar que as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade são restrições voluntárias ao direito de propriedade, estipuladas tanto por ato de liberalidade inter vivos (doação) como por causa mortis (testamento).
“Partindo-se da simples leitura do artigo de lei, depreende-se que o legislador estabeleceu apenas um comando, isto é, que a imposição da inalienabilidade presume a impenhorabilidade e incomunicabilidade. Em outras palavras, a lei civil não estabeleceu, prima facie, que a impenhorabilidade ou a incomunicabilidade, gravadas de forma autônoma, importaria na inalienabilidade.”
Após citar doutrinadores, o relatou apontou que, sendo a inalienabilidade de maior amplitude, é decorrência natural que implique na proibição de penhorar e comunicar – na lógica de que “in eo quod plus est semper inest et minus” (quem pode o mais, pode o menos).
“Porém, o contrário não se verifica. A impenhorabilidade e a incomunicabilidade possuem objetos mais limitados, específicos. A primeira se volta tão somente para os credores e a segunda impõe-se ao cônjuge do beneficiário (donatário ou herdeiro). Nessa seara, é consectário lógico que a previsão de cláusula mais restritiva não possa abranger objeto mais extenso.”
Dessa forma, concluiu Buzzi, a exegese que se extrai do artigo do CC é a de que “a proibição de alienar implica não penhorar e não comunicar o bem porque é disposição mais abrangente; no entanto, o gravame autônomo da impenhorabilidade ou da incomunicabilidade não impede a alienação, na medida em que seus objetos são mais limitados do que o daquela cláusula”.
O ministro concluiu que a melhor interpretação do dispositivo é aquela que conduz ao entendimento de que:
a) há possibilidade de imposição autônoma das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, a critério do doador/instituidor;
b) uma vez aposto o gravame da inalienabilidade, pressupõe-se, ex vi lege, automaticamente, a impenhorabilidade e a incomunicabilidade;
c) a inserção exclusiva da proibição de não penhorar e/ou não comunicar não gera a presunção da inalienabilidade;
d) a instituição autônoma da impenhorabilidade não pressupõe a incomunicabilidade e vice-versa.
O ministro lembrou por fim que a doadora no caso concreto, livre e conscientemente, adotou uma medida que exigiu uma efetiva providência de sua parte, daí porque não se pode, onde a lei não determina, dar ao ato que a doadora cometeu, onerosidade e restrições mais amplas do que aquelas que ela própria pretendeu instituir.
“Pode-se concluir pela possibilidade de alienação do bem gravado somente com as cláusulas de impenhorabilidade e/ou incomunicabilidade sem necessidade de sub-rogação do produto da venda.”
Assim, o ministro votou por autorizar o cancelamento dos gravames. A decisão da 4ª turma foi unânime.
• Processo: REsp 1.155.547
Fonte: Migalhas