EMENTA
ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROVIMENTO N.° 05/2002 DA CORREGEDORIA–GERAL DE JUSTIÇA DA PARAÍBA. AUSÊNCIA DE ATRIBUIÇÕES PARA INTERFERIR NA FIXAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO ITBI. ILEGALIDADE. 1. A entidade sindical impetrou mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar, contra ato supostamente abusivo e ilegal do Corregedor–Geral de Justiça do Estado da Paraíba, consubstanciado no Provimento n.º 5/2002, que impôs aos notários o dever de exigir a complementação do ITBI, quando do registro da escritura pública, sempre que o valor avençado entre as partes contratantes superar àquele indicado pela municipalidade e aferido na sua avaliação. 2. O "valor venal", base de cálculo do ITBI, é o valor de mercado do imóvel transacionado, que pode, ou não, coincidir com o valor real da operação. 3. Cabe ao município – e não ao Corregedor–Geral de Justiça e, muito menos, aos notários – aferir, em cada caso, se o valor real da operação, ou seja, aquele indicado no contrato, coincide, ou não, com o valor de mercado (venal) do imóvel negociado. 4. O provimento n.º 05/2002 da Corregedoria–Geral de Justiça do Estado da Paraíba, ato apontado como coator, invadiu competência administrativa exclusiva do município ao impor aos notários que exijam, sempre e em qualquer situação, o pagamento complementar do ITBI quando o valor do negócio jurídico imobiliário levado a registro superar aquele indicado pela própria Municipalidade como valor venal do imóvel. 5. A ilegalidade do ato coator é tamanha que impõe aos notários o dever de desconsiderar a própria avaliação administrativa do imóvel, muitas vezes realizada, justamente, para aferir o seu valor venal e possibilitar ao contribuinte o cálculo do imposto a recolher antes do registro. 6. A ilegalidade não deriva do fato de se adotar como base de cálculo do imposto, eventualmente, o valor real da operação. Como dito, é possível que, em certas ocasiões, haja uma correspondência entre valor venal e valor indicado no contrato imobiliário. A ilegalidade origina–se de outro fato, não atrelado aos elementos da obrigação tributária do ITBI, mas às competências próprias da autoridade fiscal, que não podem ser delegadas, ainda que implicitamente, ao Corregedor–Geral de Justiça e, por tabela, aos notários, sobretudo, quando o pagamento realizado pelo contribuinte estriba–se em avaliação administrativa realizada pela própria municipalidade. 7. O ato impugnado é ilegal, pois extrapola o âmbito de atribuições da Corregedoria–Geral de Justiça, avançando sobre competências exclusivas do município, a quem compete, por meio de seus agentes fiscais, estabelecer o valor venal do imóvel para fins de pagamento do ITBI, arbitrar a base de cálculo desse imposto quando houver desconformidade, e autuar no caso de ausência de pagamento ou pagamento a menor do que o devido. 8. O Provimento n.º 05/2002 acabou por fixar uma base de cálculo única para o ITBI, de observância obrigatória para os notários, qualquer que seja o caso, independentemente da existência de avaliação administrativa realizada pela própria Prefeitura com o objetivo de aferir o valor venal do imóvel. 9. Recurso ordinário provido. (STJ – RMS nº 36.966 – PB – 2ª Turma – Rel. Min. Castro Meira – DJ 06.12.2012)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Diva Malerbi (Desembargadora convocada TRF 3a. Região) votaram com o Sr. Ministro Relator. Dr(a). Isis Petrusinas, pela parte Recorrente: Sindicato da Construção Civil em João Pessoa.
Brasília, 27 de novembro de 2012 (data do julgamento).
MINISTRO CASTRO MEIRA– Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator):
O SINDICATO DA CONSTRUÇÃO CIVIL EM JOÃO PESSOA impetrou mandado de segurança preventivo com pedido de liminar contra ato supostamente abusivo e ilegal do Corregedor–Geral de Justiça do Estado da Paraíba, consubstanciado no Provimento n.º 05/2002, que impõe a complementação do ITBI, quando do registro da escritura pública, sempre que o valor avençado entre as partes contratantes superar àquele indicado pela municipalidade e aferido na sua avaliação.
O ato impugnado tem a seguinte redação:
Art. 1º. Quando nas transmissões de bens imóveis e direitos a eles relativos, ITBI, a avaliação feita pela Edilidade for menor que o valor declarado por ocasião da lavratura da escritura, o Tabelião de Notas somente poderá efetuar o ato jurídico translatício de direitos, após o pagamento da complementação do tributo devida ao município.
A impetrante alega, em síntese, que "o Código Tributário Nacional, artigo 38, e o Municipal, artigo 205, delimitam que a base de cálculo do tributo ITBI é o valor venal do imóvel e entende–se como valor venal o valor de mercado. Todavia, alargando esta interpretação de "valor venal", a Corregedoria ao interpretar o § 2º do artigo 207 do Código Tributário do Município instituiu um Provimento determinando que o ITBI seja calculado sobre o valor negociado pelas partes quando esta for superior à avaliação realizada pelo Fisco (valor venal)" (e–STJ fl. 203).
Afirma que a base de cálculo do ITBI não corresponde necessariamente ao valor pelo qual se efetuou a transação.
Aponta ofensa a diversos princípios constitucionais (capacidade contributiva, legalidade, vedação ao confisco) e, também, ao art. 110 do CTN, pois, segundo entende, a expressão "valor venal", utilizada pela CF/88 para definir competência tributária, não pode ser utilizada fora de seu contexto usual (valor de mercado), não sendo legítimo equipará–lo a valor real do negócio jurídico.
A Corte local denegou a segurança, "considerando que o Excelentíssimo Desembargador Corregedor Geral de Justiça detém competência para expedir atos normativos para disciplinar a atuação dos Tabelionatos de Notas, que os oficiais de registros têm o dever de fiscalizar o pagamento de impostos, que os Juízos de Registro Público têm competência para fazer correição e fiscalização nos livros de registro e que a determinação consubstanciada no Provimento n.º 05/2002 da Corregedoria Geral de Justiça está em harmonia com a ordem jurídica vigente no que diz respeito á base de cálculo do ITBI do Município de João Pessoa" (e–STJ fl. 192).
Reproduzido os argumentos da inicial, a impetrante interpôs o presente recurso ordinário.
Não houve contrarrazões (e–STJ fl. 214).
O Ministério Público Federal, na pessoa do ilustre Subprocurador–Geral da República
Dr. Antônio Fonseca, opina pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator):
O SINDICATO DA CONSTRUÇÃO CIVIL EM JOÃO PESSOA impetrou mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar, contra ato supostamente abusivo e ilegal do Corregedor–Geral de Justiça do Estado da Paraíba, consubstanciado no Provimento n.º 5/2002, que impõe a complementação do ITBI, quando do registro da escritura pública, sempre que o valor avençado entre as partes contratantes superar àquele indicado pela municipalidade e aferido na sua avaliação.
O ato impugnado tem a seguinte redação:
Art. 1º. Quando nas transmissões de bens imóveis e direitos a eles relativos, ITBI, a avaliação feita pela Edilidade for menor que o valor declarado por ocasião da lavratura da escritura, o Tabelião de Notas somente poderá efetuar o ato jurídico translatício de direitos, após o pagamento da complementação do tributo devida ao município.
A Corte local denegou a segurança, afirmando a legalidade do ato coator, por entender que, "considerando que o Excelentíssimo Desembargador Corregedor–Geral de Justiça detém competência para expedir atos normativos para disciplinar a atuação dos Tabelionatos de Notas, que os oficiais de registros têm o dever de fiscalizar o pagamento de impostos, que os Juízos de Registro Público têm competência para fazer correição e fiscalização nos livros de registro e que a determinação consubstanciada no Provimento n.º 05/2002 da Corregedoria–Geral de Justiça está em harmonia com a ordem jurídica vigente no que diz respeito à base de cálculo do ITBI do Município de João Pessoa" (e–STJ fl. 192).
A impetrante, ora recorrente, afirma que a base de cálculo do ITBI não corresponde, necessariamente, ao valor pelo qual se efetuou a transação. Assim, entende que a Corregedoria jamais poderia impor aos notários o dever de somente registrarem escrituras de imóveis quando pago o imposto com base no valor real da operação, independentemente do valor de mercado (venal).
O recurso preenche os requisitos para sua admissão, motivo por que passo, incontinente, ao exame da pretensão recursal.
Com razão a impetrante, embora por fundamentos diversos dos que foram declinados na petição de recurso.
A ilegalidade do ato coator não decorre, propriamente, de discussão quanto à base de cálculo do ITBI, mas do fato de ter o Provimento n.º 5/2002, da Corregedoria–Geral de Justiça do Estado da Paraíba, avançado em competência restrita ao Município, impondo aos agentes cartorários:
(a) o dever de somente aceitar o registro da escritura pública de imóvel quando adotado como base de cálculo do ITBI o valor do negócio declarado no contrato; e
(b) desconsiderar o valor venal do imóvel indicado em avaliação administrativa realizada pela própria municipalidade.
Dito de outra forma, o ato apontado como coator impõe aos agentes notariais que desconsiderem o valor venal do imóvel indicado pela própria Municipalidade para se valerem do valor real do negócio jurídico, vale dizer, aquele efetivamente indicado no contrato entabulado entre as partes contratantes.
Não há dúvida de que o "valor venal", base de cálculo do ITBI, é o valor de mercado do imóvel transacionado, que pode, ou não, coincidir com o valor real da operação, como se observa dos seguintes precedentes, de ambas as Turmas de Direito Público desta Corte:
TRIBUTÁRIO. ITBI. BASE DE CÁLCULO. VALOR DE MERCADO. POSSIBILIDADE DE ARBITRAMENTO PELO FISCO. 1. Hipótese em que o Tribunal de origem extinguiu a Execução Fiscal por entender que a base de cálculo do ITBI deve coincidir com a do IPTU, o que foi observado pelo contribuinte. 2. A base de cálculo do ITBI é o valor real da venda do imóvel ou de mercado. Precedentes do STJ. 3. Afastada a premissa em que se fundou o acórdão recorrido, os autos devem retornar à origem para que o Tribunal aprecie se o Fisco, ao lançar o ITBI, adotou o valor de mercado. 4. Agravo Regimental não provido (AgRg no Ag 1.120.905/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11.09.09).
ITBI. BASE DE CÁLCULO. VALOR DE MERCADO. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 535, II, E 458, II, DO CPC. INOCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO DO ART. 146 DO CTN. INOCORRÊNCIA. REEXAME DE PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. I – Compulsando os autos, observo que todos os pontos alavancados pela ora agravante nos embargos declaratórios perante o tribunal a quo foram devidamente analisados pelo v. acórdão. II – A suposta violação ao art. 146 do CTN não foi devidamente prequestionada. O efeito devolutivo integral do reexame necessário não tem o condão de prequestionar toda a matéria, conforme aduz a agravante. Ademais, o Município foi sucumbente apenas no tocante à inconstitucionalidade das alíquotas progressivas. No ponto, completamente descabida a argumentação da agravante. Esta, em suas razões de apelação, ao não apresentar a referida matéria ao Tribunal a quo, impossibilitou sua apreciação. Na via do apelo especial, não se pode apreciar matéria não debatida pelo tribunal a quo, sob pena de se incorrer em supressão de instância. III – É cediço na doutrina majoritária e na jurisprudência dessa Corte que a base de cálculo do ITBI é o valor real da venda do imóvel ou de mercado, sendo que até nos casos em que não houve recolhimento, pode–se arbitrar o valor do imposto, por meio de procedimento administrativo fiscal, com posterior lançamento de ofício. Segundo HUGO DE BRITO MACHADO: em se tratando de imposto que incide sobre a transmissão por ato oneroso, tem–se como ponto de partida para a determinação de sua base de cálculo na hipótese mais geral, que é a compra e venda, o preço. Este funciona no caso, como uma declaração de valor feita pelo contribuinte, que pode ser aceita, ou não, pelo fisco, aplicando–se, na hipótese de divergência, a disposição do art. 148 do CTN. ("CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO", Machado, Hugo de Brito, Ed. Malheiros, 29ª Edição, p. 398) IV – Conforme consignado no v. acórdão, houve a devida intimação da complementação do lançamento, fato que a agravante alega não ter ocorrido. Entretanto, a análise da alegada irregularidade do procedimento administrativo fiscal demanda reexame de provas, o que éinadmissível pela via eleita do especial, a teor da Súmula 07/STJ. V – Agravo regimental improvido (AgRg no REsp 1.057.493/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 04.09.08).
Caso o imóvel seja negociado, por exemplo, a preço inferior ao que vale no mercado, nada impede a municipalidade de desconsiderar o valor indicado no contrato, para arbitrar o valor do imposto, procedimento que encontra lastro no art. 148 do CTN.
Portanto, cabe ao município – e não ao Corregedor–Geral de Justiça e, muito menos, aos notários – aferir, em cada caso, se o valor real da operação, ou seja, aquele indicado no contrato, coincide, ou não, com o valor de mercado (venal) do imóvel negociado.
Existindo equivalência, o município atestará a suficiência do pagamento. Em caso negativo, caberá à municipalidade proceder ao arbitramento da base de cálculo do imposto, se ainda não foi pago, ou autuar o contribuinte, caso já tenha sido efetuado o pagamento.
O Provimento n.º 5/2002 da Corregedoria–Geral de Justiça do Estado da Paraíba, ato apontado como coator, invadiu competência administrativa exclusiva do município ao impor aos notários que exijam, sempre e em qualquer situação, o pagamento complementar do ITBI quando o valor do negócio jurídico imobiliário levado a registro superar aquele indicado pela própria Municipalidade como valor venal do imóvel.
A ilegalidade do ato coator é tamanha que impõe aos notários o dever de desconsiderar a própria avaliação administrativa do imóvel, muitas vezes realizada, justamente, para aferir o seu valor venal e possibilitar ao contribuinte o cálculo do imposto a recolher antes do registro.
É importante frisar que a ilegalidade não deriva do fato de adotar–se como base de cálculo do imposto, eventualmente, o valor real da operação. Como dito, é possível que, em certas ocasiões, haja uma correspondência entre valor venal e valor indicado no contrato imobiliário. A ilegalidade origina–se de outro fato, não atrelado aos elementos da obrigação tributária do ITBI, mas às competências próprias da autoridade fiscal, que não podem ser delegadas, ainda que implicitamente, ao Corregedor–Geral de Justiça e, por tabela, aos notários, sobretudo, quando o pagamento realizado pelo contribuinte estriba–se em avaliação administrativa realizada pela própria municipalidade.
Assim, o ato impugnado é ilegal, na medida em que extrapola o âmbito de atribuições da Corregedoria–Geral de Justiça, avançando sobre competências exclusivas do município, a quem compete, por meio de seus agentes fiscais, estabelecer o valor venal do imóvel para fins de pagamento do ITBI, arbitrar a base de cálculo desse imposto quando houver desconformidade, e autuar no caso de ausência de pagamento ou pagamento a menor do que o devido.
O Provimento n.º 5/2002 acabou por fixar uma base de cálculo única para o ITBI, de observância obrigatória para os notários, qualquer que seja o caso, independentemente da existência de avaliação administrativa realizada pela própria Prefeitura com o objetivo de aferir o valor venal do imóvel.
Em outras palavras, o Provimento malsinado transformou cada notário em "fiscal ad hoc" das receitas municipais decorrentes do ITBI, com poderes especiais, inclusive, para desprezara própria avaliação administrativa do imóvel realizada pelo município.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário.
É como voto.
MINISTRO CASTRO MEIRA– Relator.
Fonte: Boletim INR