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Jurisprudência STJ – Tributário – Recurso especial – ISS – Atividade notarial e de registro público

EMENTA

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISS. ATIVIDADE NOTARIAL E DE REGISTRO PÚBLICO. REGIME DE TRIBUTAÇÃO FIXA. ARTIGO 9º, § 1º, DO DECRETO-LEI N. 406/68. AUSÊNCIA DE PESSOALIDADE NA ATIVIDADE. INAPLICABILIDADE. 1. A controvérsia do recurso especial cinge-se ao enquadramento dos cartórios no regime de tributação fixa, conforme disposição do artigo 9º, § 1º, do Decreto-Lei 406/68, cuja vigência é reconhecida pela jurisprudência deste Tribunal Superior. Precedentes: REsp 1.016.688/RS, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJe de 5.6.2008; REsp 897.471/ES, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 30.3.2007. 2.Os serviços notariais e de registro público, de acordo com o artigo 236 da Constituição Federal, são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público. 3. Ainda que essa delegação seja feita em caráter pessoal, intransferível e haja responsabilidade pessoal dos titulares de serviços notariais e de registro, tais fatores, por si só, não permitem concluir as atividades cartoriais sejam prestadas pessoalmente pelo titular do cartório. 4. O artigo 20 da Lei n. 8.935/94 autoriza os notários e os oficiais de registro a contratarem, para o desempenho de suas funções, escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados. Essa faculdade legal revela que a consecução dos serviços cartoriais não importa em necessária intervenção pessoal do tabelião, visto que possibilita empreender capital e pessoas para a realização da atividade, não se enquadrando, por conseguinte, em prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, nos moldes do § 1º do artigo 9º do Decreto-Lei n. 406/68.5. Recurso especial não provido. (STJ – REsp nº 1.185.119 – SP – 1ª Turma – Rel. Min. Benedito Gonçalves – DJ 20.08.2010)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Luiz Fux, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Luiz Fux (voto-vista) e Teori Albino Zavascki votaram com o Sr. Ministro Relator.

Não participou do julgamento o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima (RISTJ, art. 162, § 2º, primeira parte)

Brasília, 10 de agosto de 2010 (data do julgamento).

MINISTRO BENEDITO GONÇALVES – Relator.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO BENEDITO GONÇALVES (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por Francisco de Assumpção Pereira da Silva, com fundamento no artigo 105, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, consubstanciado nos termos da seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL- Ação Declaratória – ISS incidente sobre serviços prestados por notórios e oficiais de registro – Serviços delegados exercidos em caráter privado – Natureza sui generis da contraprestação, sendo taxa o valor direcionado ao Estado e remuneração o montante direcionado ao agente delegado, passível de sujeição ao ISS Diferenciação com outros serviços públicos não permitida pela norma constitucional, sob pena de violação ao princípio da isonomia – Matéria julgada pelo STF na ADI 3089, decidindo pela constitucionalidade da incidência do ISS sobre os serviços prestados pelos notórios e registradores – Inaplicabilidade da regra contida no art 9º do Decreto-lei n° 406/68 – Serviços que não são desenvolvidos com a mesma pessoalidade inerente a outras profissões, como médico, advogado etc – Recursos oficial e voluntário da Municipalidade providos.

Noticiam os autos que Francisco de Assumpção Pereira da Silva ajuizou declaratória contra o Município de São Carlos para impugnar a cobrança de ISS incidente sobre os serviços cartorários, notariais e de registro. Em suma, o autor se insurgiu contra a Lei Complementar n. 116/2003 e a Lei Municipal n. 13.263/2003, que fixou a alíquota em 2% (dois por cento) sobre o valor dos serviços prestados.

O Juízo singular julgou procedente o pedido para reconhecer a inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.11 da Lista de Serviços da Lei Municipal n. 13.263/03 e, por conseguinte, declarar a inexistência de relação jurídica e condenar o Município ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em R$ 800,00 (sentença às fls. 152-164).

O Tribunal de origem deu provimento ao apelo do município e reformou a sentença por entender que a incidência do ISS sobre os serviços cartórios é constitucional e rechaçou o enquadramento do autor na previsão contida no artigo 9º, § 1º, do Decreto-Lei n. 406/68 por se tratar de uma atividade empresarial, nos termos do acórdão de fls. 266-280.

Em sede de recurso especial, o recorrente sustenta a negativa de vigência ao artigo 9º, § 1º, do Decreto-Lei n. 406/68, nestes termos (fl. 292):

Note-se que a mencionada Lei Complementar adota alíquota mínima de 2% e a máxima de até 5%, estabelecendo como base de cálculo a receita bruta auferida em caso de pessoas jurídicas no que tange às pessoas físicas que exercem trabalho pessoal, como é o caso do recorrente, a lei estabeleceu como base de cálculo um valor fixo, tendo em vista a vigência do artigo 9º do Decreto-Lei 406/68, conforme veremos adiante.

Referida exação foi instituída pela Lei Municipal n. 13.263/03, que fixou a alíquota de 2% (dois por cento) sobre o valor dos serviços prestados pelo Recorrente.

Porém, a Requerida vem tentando cobrar o ISS sobre o rendimento bruto do Recorrente, e não como pessoa física, como deveria ser. Sendo assim, o recorrente não pode concordar com tal cobrança nestes moldes, uma vez que a tributação em face dos serviços notariais e registrais deve ser revogada pela Lei Complementar 116/03 e é perfeitamente aplicável aos notários e registradores.

Aduz que o 9º do Decreto-Lei 406/68 não foi revogado pela Lei Complementar 116/2003. Defende que o referido dispositivo trata da tributação dos profissionais autônomos e liberais e, portanto, deve ser aplicado aos notários e registradores.

Contrarrazões às fls. 330-336.

Juízo negativo de admissibilidade às fls. 338-339. Contra essa decisão, o recorrente interpôs o Agravo de Instrumento n.1.162.017/SP, o qual foi dado provimento para determinar a subida do recurso especial.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO BENEDITO GONÇALVES (Relator):

Preenchidos os requisitos de admissibilidade recursal, passo ao exame do recurso.

Prefacialmente, quadra registrar que a questão relativa à incidência do ISS sobre os serviços de registros públicos, cartorários e notariais previstos nos itens 21 e 21.01 da Lista de serviços anexa à Lei Complementar n. 116, de 31 de julho de 2003 foi consolidada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3089/DF, que reconheceu a constitucionalidade da exação. Esta é a ementa do referido julgado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ITENS 21 E 21.1. DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 116/2003. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISSQN SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. CONSTITUCIONALIDADE. Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra os itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003, que permitem a tributação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. Alegada violação dos arts. 145, II, 156, III, e 236, caput, da Constituição, porquanto a matriz constitucional do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza permitiria a incidência do tributo tão-somente sobre a prestação de serviços de índole privada. Ademais, a tributação da prestação dos serviços notariais também ofenderia o art. 150, VI, a e §§ 2º e 3º da Constituição, na medida em que tais serviços públicos são imunes à tributação recíproca pelos entes federados. As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, § 3º da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva. A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados. Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente (ADI 3089, Relator Min. Carlos Britto, Relator p/ Acórdão Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 13/2/2008, DJe-142 Divulg 31/7/2008 Public 1/8/2008).

A controvérsia do recurso especial cinge-se ao enquadramento dos cartórios na disposição do artigo 9º, § 1º, do Decreto-Lei 406/68, cujo teor se transcreve a seguir:

Art 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.

§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.

O Tribunal julgou inaplicável o referido dispositivo, nestes termos (fls. 278-280):

No tocante à incidência tributária à luz do art 9º do Decreto-lei n° 406/68, este dispositivo, no § Iº, autoriza o cálculo do imposto por meio de "alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes o que não se aplica no caso dos cartórios, pois se trata de uma entidade empresarial, que se distancia da condição de prestação de serviços na forma de trabalho pessoal, na medida em que é possível a contratação de terceiros para atuar em seu nome, posto que o art. 20 da Lei n° 8.935/94 autoriza a delegação de poderes a escreventes para a prática de determinados atos para os quais forem investidos de autoridade pelo titular, nada impedindo, ainda, a designação de substituto para responder pelo serviço na ausência ou impedimento do titular.

De sorte que, em que pese a existência de responsabilidade pessoal, isso não implica que o trabalho seja desenvolvido com a mesma pessoalidade inerente, por exemplo, ao médico, ao advogado, ao engenheiro etc, sobretudo porque, em caso de danos causados por seus prepostos, é assegurado o direito de regresso e, ainda, a responsabilidade criminal será sempre individualizada, atribuindo-se a cada um a culpa que lhe couber. No caso de outras profissões não há como delegar as tarefas atinentes ao profissional, pois, enquanto o notário ou oficial de registro pode delegar a prática dos atos de sua incumbência aos escreventes substitutos e auxiliares, ao médico, ao advogado, ao engenheiro, por exemplo, esta prática é absolutamente inviável, dada a natureza pessoal das atividades desenvolvidas, o que não se observa no caso dos notários e registradores.

Com efeito, um serviço cartorário pode ser realizado por um escrevente contratado, mas uma cirurgia jamais poderá ser feita senão pelo próprio médico, diferenciando aí a pessoalidade da relação estabelecida entre um e outro, o que, no caso em tela, desaconselha a aplicação do § Iº do art 9º do Decreto-lei n° 406/68. Diga-se, ainda, que não se cogita do enquadramento no § 3º do art. 9º, na medida em que este é específico ao discriminar as atividades que, quando prestadas por sociedades, ficam sujeitas ao ISS na forma do § Iº do referido dispositivo legal, não se encontrando ali mencionada a atividade de notórios e de oficiais de registro.

De forma que, feitos estes esclarecimentos, pode-se concluir que dúvida não há quanto à incidência do tributo sobre os serviços prestados pelo autor.

Face ao exposto, dá-se provimento aos recursos oficial e voluntário da Municipalidade, invertendo-se os ônus da sucumbência.

Os serviços notariais e de registro público, de acordo com o artigo 236 da Constituição Federal, são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público.

Este é o teor do mencionado dispositivo:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§ 1º – Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

§ 2º – Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

§ 3º – O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

Primeiramente, quadra ponderar a plena vigência do artigo 9º, § 1º, do Decreto-Lei n. 406/68, conforme jurisprudência de ambas as Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte Superior.

Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL. ISS FIXO. 1. Inexistência de incompatibilidade entre os §§ 1º e 3º do artigo 9º do Decreto-Lei n. 406/68 e o art. 7º da LC n. 116/03. 2. Sistemática de ISS fixo para as sociedades uniprofissionais que não foi modificada. 3. A LC 116, de 2003, não cuidou de regrar a tributação do ISS para as sociedades uniprofissionais. Não revogou o art. 9º do DL 406/68. 4. Precedentes: REsp 649.094/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 07/03/2005; REsp 724.684/RJ, Rel. Min. Castro Meira, DJ 01/07/2005; entre outros. 5. Recurso especial provido (REsp 1.016.688/RS, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJe de 5.6.2008).

TRIBUTÁRIO – PROCESSUAL CIVIL – ISS – ART. 9º, DO DECRETO-LEI 406/68 – ADVENTO DA LEI COMPLEMENTAR N. 116/2003 – REVOGAÇÃO – NÃO-OCORRÊNCIA – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL – AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. 1. Inexiste incompatibilidade entre os dispositivos da Lei Complementar 116/2003 e os §§ 1º e 3º, do art. 9º, do Decreto-lei n. 406/68. A contrariedade capaz de produzir a revogação de lei anterior por lei posterior, ainda que tratando de matérias semelhantes, há de ser absoluta e não meramente dedutiva. 2. O legislador pátrio externou a vontade indiscutível, no sentido de demonstrar quais os dispositivos legais do Decreto-lei n. 406/68, a serem revogados, dos quais não se encontra o art. 9º e seus parágrafos, tratantes exatamente do recolhimento do ISS sob alíquotas fixas ou variáveis e pelo número de profissionais habilitados. Precedente: REsp 713752/PB; Rel. Min. João Otávio de Noronha – SEGUNDA TURMA, DJ 18.8.2006 p. 371. 3. A divergência jurisprudencial não pode ser conhecida, porquanto foi colacionado acórdão paradigma alusivo ao não-cabimento da alíquota fixa delineada no art. 9º, do Decreto-lei 406/68, na hipótese de sociedade de caráter empresarial, diante da análise do seu contrato social. 4. O acórdão combatido não enfrentou tal matéria, apenas assegurou o direito à referida alíquota fixa de ISS, sem, contudo, deter sobre a natureza empresarial da sociedade formada pelos recorridos. 5. Não há similitude fática e jurídica apta a ensejar o conhecimento do recurso, em face do confronto da tese adotada no acórdão hostilizado e na apresentada no aresto colacionado, nos termos do art. 255, § 2º do RISTJ, a fim de evidenciar a necessidade da uniformização jurisprudencial preceituada na Constituição Federal de 1988. Recurso especial conhecido em parte e improvido (REsp 897.471/ES, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 30.3.2007).

TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. ISS. REVOGAÇÃO. ART. 9º, §§ 1º E 3º, DO DECRETO-LEI N. 406/68. REVOGAÇÃO. ART. 10 DA LEI N. 116/2003. NÃO-OCORRÊNCIA. 1. O art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei n. 406/68, que dispõe acerca da incidência de ISS sobre as sociedades civis uniprofissionais, não foi revogado pelo art. 10 da Lei n. 116/2003. 2. Recurso especial improvido (REsp 713.752/PB, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 18.8.2006).

Ainda que essa delegação seja feita em caráter pessoal, intransferível e haja responsabilidade pessoal dos titulares de serviços notariais e de registro, tais fatores, por si só, não autorizam concluir que seja uma hipótese de tributação sobre o trabalho prestado de forma unipessoal. Os adeptos dessa linha de raciocínio se apoiam no seguinte dispositivo da Lei que Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro, a Lei n. 8.935/94:

Art. 14. A delegação para o exercício da atividade notarial e de registro depende dos seguintes requisitos:

I – habilitação em concurso público de provas e títulos;

II – nacionalidade brasileira;

III – capacidade civil;

IV – quitação com as obrigações eleitorais e militares;

V – diploma de bacharel em direito;

VI – verificação de conduta condigna para o exercício da profissão.

Com efeito, a Lei n. 8.935/94 autoriza a delegação de funções ao escrevente, nestes termos:

Art. 20. Os notários e os oficiais de registro poderão, para o desempenho de suas funções, contratar escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho.

§ 1º Em cada serviço notarial ou de registro haverá tantos substitutos, escreventes e auxiliares quantos forem necessários, a critério de cada notário ou oficial de registro.

§ 2º Os notários e os oficiais de registro encaminharão ao juízo competente os nomes dos substitutos.

§ 3º Os escreventes poderão praticar somente os atos que o notário ou o oficial de registro autorizar.

§ 4º Os substitutos poderão, simultaneamente com o notário ou o oficial de registro, praticar todos os atos que lhe sejam próprios exceto, nos tabelionatos de notas, lavrar testamentos.

§ 5º Dentre os substitutos, um deles será designado pelo notário ou oficial de registro para responder pelo respectivo serviço nas ausências e nos impedimentos do titular.

Denota-se que a unipessoalidade do titular de serviços notariais e de registro não é ínsita à prestação do serviço cartorial, visto que possibilita empreender capital e pessoas para a consecução da atividade, elementos esses, inclusive, inerentes à atividade empresarial.

Na hipótese do médico ou dentista, é inegável que tais profissionais não podem delegar as suas práticas a outrem, exsurgindo o elemento da pessoalidade no serviço prestado para fins de regime de tributação fixa anual. Ocorre que no cartório tal unipessoalidade não se configura, ainda que se considere que a delegação para o serviço de atividade notarial e de registro dependa da habilitação em concurso público, conforme previsão contida no artigo 14 da Lei n. 8.935/94.

Conforme dito, o artigo 20 da Lei n. 8.935/94 autoriza que os notários e os oficiais de registro contratem, para o desempenho de suas funções, escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados. Essa faculdade legal revela que a consecução dos serviços cartoriais não importa em necessária intervenção pessoal do tabelião, visto que possibilita empreender capital e pessoas para a realização da atividade, não se enquadrando, por conseguinte, em prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, nos moldes do § 1º do artigo 9º do Decreto-Lei n. 406/68.

A realidade comprova que, em regra, a atividade cartorária não é prestada de modo direto pelo tabelião, mas, sim por um atendente, principalmente nos grandes centros urbanos, que cumprirá todos os trâmites, como na hipótese do reconhecimento de autenticidade da assinatura. Esse mesmo procedimento pode ter a atuação de duas ou mais pessoas, como nas serventias há maior divisão de atribuições entre os empregados. Percebe-se que tal hipótese fática, corriqueira em qualquer serventia extrajudicial, não há o elemento pessoalidade na prestação do serviço.

A Constituição Federal, em seu artigo 236, determina a natureza jurídica da prestação do serviço como privada, mas não determina a unipessoalidade da prestação de serviço cartorário, como de fato a Lei n. 8.935/94 prevê a contratação de escreventes e auxiliares como empregados. Denota-se tanto do referido dispositivo constitucional como da lei que regulamenta o serviço cartorial que é uma atividade prestada de forma plúrima, abrangendo um rol de pessoas e aparato que não se permite concluir que haja um serviço unipessoal.

Para fins de enquadramento no § 1º do artigo 9º do Decreto-Lei n. 406/68 entende-se que é aquele em que há predominância da aptidão técnica, científica ou artística do prestador de serviço, como na hipótese do médico, haja vista que o paciente orienta sua escolha dentre vários profissionais da área para manifestar sua preferência por aquele que mais lhe transmitir confiança e conhecimento. No caso dos serviços cartoriais, não se busca o profissional, mas o próprio serviço, visto que a procura da atividade cartorária não se dará tendo em vista a aptidão técnica ou científica do tabelião.

Outro fator que não pode ser menosprezado pelo julgador é o desiderato contido no artigo 9º, § 1º, do Decreto-Lei 406/68 que é dar um tratamento diferenciado ao contribuinte que presta o serviço de forma pessoal em face do princípio da capacidade contributiva. Não se afigura razoável conferir essa benesse aos serviços cartorários.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX:

Consoante exposto pelo E. Relator:

Cuida-se de recurso especial interposto por Francisco de Assumpção Pereira da Silva, com fundamento no artigo 105, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, consubstanciado nos termos da seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL- Ação Declaratória – ISS incidente sobre serviços prestados por notórios e oficiais de registro – Serviços delegados exercidos em caráter privado – Natureza sui generis da contraprestação, sendo taxa o valor direcionado ao Estado e remuneração o montante direcionado ao agente delegado, passível de sujeição ao ISS Diferenciação com outros serviços públicos não permitida pela norma constitucional, sob pena de violação ao princípio da isonomia – Matéria julgada pelo STF na ADI 3089, decidindo pela constitucionalidade da incidência do ISS sobre os serviços prestados pelos notórios e registradores – Inaplicabilidade da regra contida no art 9o do Decreto-lei n° 406/68 – Serviços que não são desenvolvidos com a mesma pessoalidade inerente a outras profissões, como médico, advogado etc – Recursos oficial e voluntário da Municipalidade providos.

Noticiam os autos que Francisco de Assumpção Pereira da Silva ajuizou declaratória contra o Município de São Carlos para impugnar a cobrança de ISS incidente sobre os serviços cartorários, notariais e de registro. Em suma, o autor se insurgiu contra a Lei Complementar n. 116/2003 e a Lei Municipal n. 13.263/2003, que fixou a alíquota em 2% (dois por cento) sobre o valor dos serviços prestados.

O Juízo singular julgou procedente o pedido para reconhecer a inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.11 da Lista de Serviços da Lei Municipal n. 13.263/03 e, por conseguinte, declarar a inexistência de relação jurídica e condenar o Município ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em R$ 800,00 (sentença às fls. 152-164).

O Tribunal de origem deu provimento ao apelo do município e reformou a sentença por entender que a incidência do ISS sobre os serviços cartórios é constitucional e rechaçou o enquadramento do autor na previsão contida no artigo 9º, § 1º, do Decreto-Lei n. 406/68 por se tratar de uma atividade empresarial, nos termos do acórdão de fls. 266-280.

Em sede de recurso especial, o recorrente sustenta a negativa de vigência ao artigo 9º, § 1º, do Decreto-Lei n. 406/68, nestes termos (fl. 292):

Note-se que a mencionada Lei Complementar adota alíquota mínima de 2% e a máxima de até 5%, estabelecendo como base de cálculo a receita bruta auferida em caso de pessoas jurídicas no que tange às pessoas físicas que exercem trabalho pessoal, como é o caso do recorrente, a lei estabeleceu como base de cálculo um valor fixo, tendo em vista a vigência do artigo 9º do Decreto-Lei 406/68, conforme veremos adiante.

Referida exação foi instituída pela Lei Municipal n. 13.263/03, que fixou a alíquota de 2% (dois por cento) sobre o valor dos serviços prestados pelo Recorrente.

Porém, a Requerida vem tentando cobrar o ISS sobre o rendimento bruto do Recorrente, e não como pessoa física, como deveria ser. Sendo assim, o recorrente não pode concordar com tal cobrança nestes moldes, uma vez que a tributação em face dos serviços notariais e registrais deve ser revogada pela Lei Complementar 116/03 e é perfeitamente aplicável aos notários e registradores.

Aduz que o 9º do Decreto-Lei 406/68 não foi revogado pela Lei Complementar 116/2003. Defende que o referido dispositivo trata da tributação dos profissionais autônomos e liberais e, portanto, deve ser aplicado aos notários e registradores.

Contrarrazões às fls. 330-336.

Juízo negativo de admissibilidade às fls. 338-339. Contra essa decisão, o recorrente interpôs o Agravo de Instrumento n.1.162.017/SP, o qual foi dado provimento para determinar a subida do recurso especial.

É o relatório.

Assiste razão ao E. Relator ao assentar em seu voto:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISS. ATIVIDADE NOTARIAL E DE REGISTRO PÚBLICO. REGIME DE TRIBUTAÇÃO FIXA. ARTIGO 9º, § 1º, DO DECRETO-LEI N. 406/68. AUSÊNCIA DE PESSOALIDADE NA ATIVIDADE. INAPLICABILIDADE. 1. A controvérsia do recurso especial cinge-se ao enquadramento dos cartórios no regime de tributação fixa, conforme disposição do artigo 9º, § 1º, do Decreto-Lei 406/68, cuja vigência é reconhecida pela jurisprudência deste Tribunal Superior. Precedentes: REsp 1.016.688/RS, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJe de 5.6.2008; REsp 897.471/ES, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 30.3.2007. 2.Os serviços notariais e de registro público, de acordo com o artigo 236 da Constituição Federal, são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público. 3. Ainda que essa delegação seja feita em caráter pessoal, intransferível e haja responsabilidade pessoal dos titulares de serviços notariais e de registro, tais fatores, por si só, não permitem concluir as atividades cartoriais sejam prestadas pessoalmente pelo titular do cartório. 4. O artigo 20 da Lei n. 8.935/94 autoriza os notários e os oficiais de registro a contratarem, para o desempenho de suas funções, escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados. Essa faculdade legal revela que a consecução dos serviços cartoriais não importa em necessária intervenção pessoal do tabelião, visto que possibilita empreender capital e pessoas para a realização da atividade, não se enquadrando, por conseguinte, em prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, nos moldes do § 1º do artigo 9º do Decreto-Lei n. 406/68. 5. Recurso especial não provido.

Ademais, ressalte-se que o Excelso Supremo Tribunal Federal concluiu pela higidez do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN sobre serviços de registros públicos, cartorários e notariais, nos seguintes termos:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ITENS 21 E 21.1. DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 116/2003. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISSQN SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. CONSTITUCIONALIDADE. Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra os itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003, que permitem a tributação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. Alegada violação dos arts. 145, II, 156, III, e 236, caput, da Constituição, porquanto a matriz constitucional do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza permitiria a incidência do tributo tão-somente sobre a prestação de serviços de índole privada. Ademais, a tributação da prestação dos serviços notariais também ofenderia o art. 150, VI, a e §§ 2º e 3º da Constituição, na medida em que tais serviços públicos são imunes à tributação recíproca pelos entes federados. As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, § 3º da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva. A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados. Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente. (ADI 3.089-2/DF, Rel. Min. Carlos Britto, Rel. p/ Acórdão: Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 13/02/2008, DJe-142 DIVULG 31-07-2008 PUBLIC 01-08-2008 EMENT VOL-02326-02 PP-00265 LEXSTF v. 30, n. 357, 2008, p. 25-58)

Com essas considerações, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial, acompanhando o voto do E. Relator.
Fonte : Grupo Serac

Jurisprudência STJ – Civil e processual civil – Direito de família – Alteração de regime de bens – Casamento celebrado na vigência do Código Civil de 1916 – Possibilidade

EMENTA

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS. CASAMENTO CELEBRADO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. POSSIBILIDADE. ARTIGO 1.639, §2°, CC/2002. SÚMULA 7/STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça já firmou orientação no sentido de aplicar o art. 1.639, § 2°, do Código Civil de 2002, para matrimônios celebrados na vigência do CC/1916, autorizando a mudança do regime de bens, desde que cumpridas as demais exigências legais e respeitados os direitos de terceiros. 2. O art. 1.639, §2° do CC/2002 exige autorização judicial antecedida de pedido motivado por ambos os cônjuges, sendo apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros. 3. Todavia, o exame dos requisitos previstos no art. 1.639, §2° do CC para alteração do regime de bens entre os cônjuges envolve a análise de aspectos fático-probatórios. Aplicação da Súmula 7/STJ. 4. Recurso especial não provido.(STJ – REsp nº 996.151 – RJ – 4ª Turma – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJ 26.05.2011)

DECISÃO MONOCRÁTICA

1. Cuida-se de recurso especial interposto com fundamento nas alíneas "a" e "c" do artigo 105, III da Constituição Federal.

Na origem, M.M.A. e A.V.S. interpuseram demanda de alteração de regime de bens do casamento. Sustentam que, quando estavam noivos, acordaram de forma não solene que o regime de bens a ser adotado pelo casal seria o de separação de bens. Todavia, quando receberam a certidão de casamento do "despachante" (procurador) contratado, verificaram que o matrimônio havia sido celebrado no regime de comunhão parcial de bens, em desacordo com suas vontades. Requereram a alteração do regime de bens, passando do regime de comunhão parcial para o de separação de bens, a homologação da partilha do único bem do casal e a expedição de carta de sentença para averbação no registro civil.

Por sentença (fls. 63-65), homologou-se a partilha apresentada, bem como o pedido de alteração do regime de bens dos suplicantes, e determinou-se a expedição de carta de sentença para devida alteração no registro civil, ressalvados eventuais direitos de terceiros.

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, interpôs recurso de apelação (fls. 69-78), argumentando que o casamento dos recorrentes foi celebrado anteriormente ao Código Civil de 2002 e que o princípio da imutabilidade do regime de bens contido no art. 230 do CC/1916 encontrava-se em vigor quando da celebração do matrimônio, constituindo um óbice para a alteração do regime de bens postulada pelo casal.

Sustentou também o Parquet Fluminense que não haveria como considerar apenas as vontades das partes diretamente envolvidas, pois o regime de bens teia direta influência nas transações patrimoniais e financeiras realizadas por estes junto a terceiros. Ressalvou que, no caso, a alteração do regime de bens não encontraria justificativa satisfatória a alicerçar a pretensão formulada e ao final requereu a reforma da sentença recorrida, a fim de julgar extinto o feito, sem resolução do mérito, em razão da impossibilidade jurídica do pedido.

O Tribunal a quo deu provimento à apelação, por unanimidade, para julgar improcedente o pedido, sendo que o respectivo acórdão (fls. 106-113) recebeu a seguinte ementa:

Família. Alteração de regime de bens do matrimônio. Sentença de Procedência. Apelação.

Casamento realizado sob a égide do Código Civil de 1916, quando vigorava o Princípio da Imutabilidade dos Regimes de Bens.

Possibilidade.

Apesar da grande controvérsia existente a propósito do tema, quando do advento do Código Civil de 2002, a questão vem se pacificando no sentido de que a alteração do regime de bens se tornou possível até mesmo àqueles casamentos celebrados sob a égide do Código de 1916, época em que vigorava o Princípio da Imutabilidade do Regime de bens, em decorrência do mesmo do princípio, de assento constitucional, da equal protection of law.

A leitura do §2°, do art. 1.639, do Código Civil, conduz, necessariamente, à conclusão no sentido de que a alteração do regime de bens do matrimônio, guarda certa excepcionalidade, vinculada que se encontra à relevância da respectiva motivação, sindicável pela autoridade judicial.

Não fica ao exclusivo talante dos cônjuges, mas na dependência de motivação razoável, considerados os fins do matrimônio e do respectivo regime de bens.

Não se confunde, em absoluto, com pedidos de homologação da vontade das partes, mas implica em juízo de valor a propósito das razões invocadas, tanto mais porque, eventualmente, importa em riscos a direito de terceiros.

Dessa forma, escusas de ordem pessoal tal como o equívoco no momento da celebração do matrimônio quanto à escolha do regime — com que se acena no caso destes autos — não se constituíam, data máxima venia, em causa suficiente à respectiva alteração.

Recurso provido.

Os recorrentes opuseram embargos de declaração, aos quais negou-se provimento à unanimidade (fls. 125-135), tendo-se mencionado no acórdão que:

Escusas de ordem, pessoal tal como o equívoco no momento da celebração do matrimônio não se constitui, no entendimento do Órgão Julgador, em causa suficiente à respectiva alteração, senão que à eventual ação ordinária onde, sob o crivo do contraditório, se decidisse a propósito do alegado vício de consentimento, porque de defeito do ato jurídico é sobre que versa o motivo apresentado pelas partes.

Não era assim possível que em pleito de alteração de regime de bens, de jurisdição voluntária, se editasse provimento judicial de nítido cunho anulatório, que, em verdade, demandava amplo debate probatório.

Inconformados, M.M.A. e A.V.S. interpuseram recurso especial, alegando violação aos artigos 535, II do Código de Processo Civil e 1.639, §2° do CC/2002 e divergência jurisprudencial.

Aduzem que se negou aplicação ao art. 1.639, §2° do CC/2002, quando exigiu a excepcionalidade e extraordinariedade para a alteração do regime de bens, apesar do disposto no referido dispositivo, que exigiria apenas pedido motivado de ambos os cônjuges e apuração da procedência das razões invocadas por qualquer meio de prova, ressalvados direitos de terceiros.

Argumentam que o acórdão dos embargos de declaração, ao não suprir as omissões do acórdão recorrido, teria afrontado o art. 535, II do CPC.

No que tange à divergência jurisprudencial, sustentam que as escusas de ordem pessoal, tal como erro de terceiro no momento da celebração do casamento, não foram capazes de gerar qualquer obstáculo apto a impedir a alteração do regime de bens nos casos mencionados nos acórdãos paradigma, diferentemente do que ocorreu no acórdão recorrido.

Requerem a admissão e provimento ao recurso especial para julgar procedente a aplicação do instituto da alteração do regime de bens no caso em tela; ou, pelo menos, fixando a interpretação de desnecessidade de motivos extraordinários para aplicação da alteração do regime de bens, determinar-se …" a baixa dos autos desta demanda para que as instâncias ordinárias prossigam na análise do pedido, à luz do que dispõe o art. 1.639, §2° do CC/2002"… .

Nas contrarrazões (fls. 183-191), o MP/RJ alega não haver omissão a sanar, deficiência da fundamentação (a ensejar a incidência da Súmula 284/STF) e não demonstração do dissídio, por não ter sido colacionado pelos recorrentes a cópia do inteiro teor do julgado, descumprindo-se o art. 255 e parágrafos do RISTJ, e pelo fato de as diferenças entre os julgados serem fáticas e não jurídicas. Pugna pela inadmissão do recurso e, no mérito, seu desprovimento.

Em parecer apresentado às fls. 203-208, o Ministério Público Federal manifesta-se pelo conhecimento do recurso e afirma que o STJ já sinalizou quanto à possibilidade de modificação do regime de casamentos realizados na vigência do código anterior, desde que ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas pelos cônjuges para o pedido.

Explica que o debate que se faz necessário seria em torno da análise de quais circunstâncias preencheriam os requisitos legais, sendo que, a teor do art. 1.639, §2° da Lei Susbstantiva Civil, exige-se "autorização judicial antecedida de pedido motivado por ambos os cônjuges, sendo apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros."

Argumenta o MPF que:

(…) Partindo do fato de que o pedido é conjunto, entendo que é de se presumir que se faz em benefício do casal e no interesse da família e a exigência da atuação jurisdicional para modificação visa conferir ao poder judiciante a possibilidade de verificação da razoabilidade do pleito do casal, que deve ter o direito de gerir o seu patrimônio da forma que melhor lhe aprouver, para preservação dos direitos dos cônjuges e ressalvando-se os de terceiros. Não há que se exigir situação excepcional para o deferimento do pleito, até porque, se assim fosse, persistiria a situação de fomento às práticas fraudulentas, um dos argumentos postos por essa Corte Superior para fundamentar a possibilidade de modificação de regime para os casamentos realizados antes do Código Civil de 2002.

(…)

Ante o exposto, entendendo ponderáveis as razões postas pelo casal, de modo a cumprir o requisito da motivação de que trata a lei, a manifestação é pelo provimento do recurso.

2. É o relatório. Decido.

De início, registre-se que não há que se falar em violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, pois o Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. Além disso, basta ao órgão julgador que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais.

A questão em tela, como bem delimitou o Parquet Federal, diz respeito a quais circunstâncias preencheriam os requisitos legais para alteração do regime de bens, conforme o artigo 1.639, §2° da Lei Susbstantiva Civil. Nesse sentido, preliminarmente vale frisar que o Superior Tribunal de Justiça já firmou orientação no sentido de aplicar o aludido dispositivo legal para matrimônios celebrados na vigência do CC/1916, autorizando a mudança do regime de bens, desde que cumpridas as demais exigências legais e respeitados os direitos de terceiros. Vejamos:

CIVIL – CASAMENTO – REGIME DE BENS – ALTERAÇÃO JUDICIAL – CASAMENTO CELEBRADO SOB A ÉGIDE DO CC/1916 (LEI Nº 3.071) – POSSIBILIDADE – ART. 2.039 DO CC/2002 (LEI Nº 10.406) – PRECEDENTES – ART. 1.639, § 2º, CC/2002. I. Precedentes recentes de ambas as Turmas da 2ª Seção desta Corte uniformizaram o entendimento no sentido da possibilidade de alteração de regime de bens de casamento celebrado sob a égide do Código Civil de 1916, por força do § 2º do artigo 1.639 do Código Civil atual. II. Recurso Especial provido, determinando-se o retorno dos autos às instâncias ordinárias, para que, observada a possibilidade, em tese, de alteração do regime de bens, sejam examinados, no caso, os requisitos constantes do § 2º do artigo 1.639 do Código Civil atual. (REsp 1112123/DF, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/06/2009, DJe 13/08/2009)

CIVIL. CASAMENTO. CÓDIGO CIVIL DE 1916. COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. ALTERAÇÃO DE REGIME. COMUNHÃO UNIVERSAL. POSSIBILIDADE JURÍDICA. I. Ambas as Turmas de Direito Privado desta Corte assentaram que o art. 2.039 do Código Civil não impede o pleito de autorização judicial para mudança de regime de bens no casamento celebrado na vigência do Código de 1916, conforme a previsão do art. 1.639, § 2º, do Código de 2002, respeitados os direitos de terceiros. II. Recurso especial não conhecido. (REsp 812.012/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 02/12/2008, DJe 02/02/2009)

Todavia, conforme já salientado no Resp 868.404/SC, da relatoria do Ministro Hélio Quaglia Barbosa, o exame dos requisitos previstos no art. 1.639, §2° do CC para alteração do regime de bens entre os cônjuges envolve a análise de aspectos fático-probatórios. Traz-se à colação excerto do acórdão:

Entretanto, a autorização para a mudança deverá estar condicionada ao preenchimento de determinados requisitos legais, a teor do disposto no art.1.639, § 2º, do Novo Código Civil; o dispositivo exige autorização judicial antecedida de pedido motivado por ambos os cônjuges, sendo apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

Estas circunstâncias, notadamente a procedência das razões invocadas e as medidas de proteção aos direitos de terceiros, demandam do julgador um exame do suporte fático-probatório, atuação típica das instâncias ordinárias de jurisdição, cuja competência não pode ser suprimida por esta Corte, como almejam os recorrentes, desde logo, na via especial (fl. 81).

Diante do exposto, conheço do recurso especial e lhe dou parcial provimento para, afastando a impossibilidade de modificação do regime de bens matrimonial, determinar a remessa dos autos às instâncias ordinárias, para que procedam ao exame do pedido, nos termos do artigo 1.639, § 2º, do Código Civil de 2002.(grifei) (REsp 868404/SC, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 12/06/2007, DJ 06/08/2007, p. 519)

Conquanto o Ministério Público Federal tenha entendido serem ponderáveis as razões aduzidas pelos recorrentes, de modo a cumprir o requisito da motivação, presente no art. 1.639, § 2º do Código Civil, constata-se que o parecer do MP/RJ, adotado no acórdão recorrido como razões de decidir (fl. 106-113), manifesta-se no sentido de não ser crível o motivo apresentado pelos recorrentes para alteração do regime de bens. Confira-se:

Contudo, no caso sub judice, o pedido dos cônjuges não se encontra devidamente motivado, já que estas se limitara a alegar escusa de ordem pessoal, ou seja, que houve equívoco no momento da celebração do matrimônio quanto à escolha do regime.

Ora, se os requerentes realmente pretendiam casar-se pelo regime da separação de bens, deveriam ter realizado convenção por escritura pública, nos termos do que previa o art. 256, inciso I do CC/16.

Assim, além do motivo apresentado não ser crível, não pode de qualquer forma ser considerado suficiente e razoável para a mudança do regime de bens, pois não expressa qualquer interesse jurídico das partes ou situação excepcional a justificar a pretensão.

(…)

5. Com tais considerações, e adotando-se, na forma regimental, como razões de decidir as do parecer ministerial transcrito, dá-se provimento ao recurso para julgar improcedente o pedido. (grifei)

Portanto, conclui-se que a pretensão recursal implica revolvimento do quadro fático-probatório, o que não se admite por força da Súmula 7 desta Corte: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial."

3. Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 16 de março de 2011.

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO – Relator.
 

Fonte : Grupo Serac