EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. PRETENSÃO DO IMPETRANTE DE AFASTAR A EXIGÊNCIA DE CERTIDÕES NEGATIVAS DE DÉBITOS FEDERAIS (RECEITA FEDERAL E INSS) PARA A LAVRATURA DE ESCRITURA PÚBLICA DE VENDA E COMPRA DE IMÓVEL. SEGURANÇA DENEGADA NA ORIGEM. INADMISSIBILIDADE. EXIGÊNCIAS CONSTANTES DA LEI Nº 7.711/1988 DECLARADAS INCONSTITUCIONAIS PELO STF NA ADIN N.° 173-6 (ART. 1", I, III E IV SEUS §§ 1º A 3º E ART. 2º). SEGURANÇA DENEGADA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. (TJSP – Apelação Cível nº 0033965-58.2010.8.26.0053 – São Paulo – 3ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Amorim Cantuária – DJ 24.02.2012)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0033965-58.2010.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante OREMA INDUSTRIA E COMERCIO S A sendo apelado OITAVO TABELIAO DE NOTAS DA CAPITAL.
ACORDAM, em 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso, nos termos que constarão do acórdão. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores AMORIM CANTUÁRIA (Presidente), MARREY UINT E RONALDO ANDRADE.
São Paulo, 14 de fevereiro de 2012.
AMORIM CANTUÁRIA – Presidente e Relator.
RELATÓRIO
Apelação tempestiva (fls. 81/94) manejada por OREMA INDÚSTRIA E COMÉRCIO S/A, nos autos do mandado de segurança impetrado contra ato do TABELIÃO DO OITAVO TABELIÃO DE NOTAS DE SÃO PAULO, inconformada com a r. sentença de fls. 74/75 que denegou a segurança. Não houve condenação em honorários advocatícios.
Sustentou, em breve síntese, ter direito líquido e certo à lavratura da escritura de compra e venda do imóvel sem a exigência da apresentação de certidão negativa de débito, tendo em vista ter sido declarado inconstitucional o art. 1º, IV, “b”, da Lei Federal nº 7.711/88 pelo Colendo STF.
Contrarrazões (fls. 100/115).
É o relatório.
VOTO
Cuida-se de mandado de segurança impetrado por Orema Indústria e Comércio S/A contra ato do Tabelião do Oitavo Tabelião de Notas de São Paulo, objetivando a lavratura da escritura de compra e venda de imóvel sem a necessidade de apresentação da certidão negativa de débitos do INSS e Receita Federal. Sustenta a inconstitucionalidade da legislação que alicerça tal imposição.
Cumpre ressaltar que eram mesmo exigíveis as certidões negativas de débitos fiscais (Receita Federal e INSS), tendo em vista a imposição legal (Lei nº 7.711/88).
Ocorre, contudo, que houve alteração da situação jurídica, já que o Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 173-6, firmou posicionamento de inconstitucionalidade do art. 1º, incisos I, III e IV, e dos parágrafos 1º a 3º, e também do art. 2º, todos da Lei Federal 7.711/88, conforme ementa a seguir:
Constitucional. Direito fundamental de acesso ao Judiciário. Direito de petição.
Tributário e Política fiscal. Regularidade fiscal. Normas que condicionam a prática de atos da vida civil e empresarial a quitação de créditos tributários. Caracterização específica como sanção política. Ação conhecida quanto à Lei Federal 7.711/1988, art. 1º, I,III e IV, par. 1º a 3º, e art. 2º – "1. Ações Diretas de Inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 1º, I, II, III e IV, par. Iº a 3º e 2º da lei 7.711/1988, que vinculam a transferência de domicílio para o exterior (art. 1°, I), registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa (art. 1º, III), registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (art. 1º, IV, a), registro em Cartório de Registro de Imóveis (art. 1º, IV, b) e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as fazendas nacional, estaduais ou municipais (art. 1º, IV, c) – estas três últimas nas hipóteses de o valor da operação ser igual ou superior a cinco mil obrigações do tesouro nacional – à quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias. 2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5°, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário, caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável. 4. Os incisos I III e IV do art. 1º violam o art. 5º, XXXV da Constituição, na medida em que ignoram sumariamente o direito do contribuinte de rever em âmbito judicial ou administrativo a validade de créditos tributários. Violam, também o art. 170, par. ún. da Constituição, que garante o exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas. Declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e IV da lei 7.711/1988. Declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento dos parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal. Constitucional. Tributário. Sanção política. Prova da quitação de créditos tributários no âmbito de processo licitatório. Revogação do art. 1º, II da lei 7.711/1988 pela lei 8.666/1993.
Explicitação do alcance do dispositivo. Ação Direta de Inconstitucionalidade não conhecida quanto ao ponto. 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II, da lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da lei 8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório. 6. Explicitação da corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica "exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial" ou "administrativa". Ações diretas de inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte conhecida, julgadas procedentes" (STF – TP – ADIn 173-6 – Rel. Joaquim Barbosa, j. 25.09.2008).
Permanece exigível somente a regularidade com relação às contribuições previdenciárias, posto que não declarada a inconstitucionalidade das normas a elas aplicáveis (art. 47, da Lei 8.212/91), mas que não diz respeito ao caso dos autos.
Por esses fundamentos, impõe-se a concessão da segurança, apenas para o fim de afastar as exigências impostas pela Lei nº 7.711/88, declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.
Ante o exposto, DÁ-SE PROVIMENTO À APELAÇÃO, para com base nos fundamentos acima assinalados conceder a ordem.
DES. AMORIM CANTUÁRIA – Relator.
Fonte: Grupo Serac