A 3ª turma do STJ decidiu que antes da partilha do patrimônio, não é válido o contrato de arrendamento firmado, individualmente, por apenas um dos herdeiros de propriedade rural sem a anuência dos demais herdeiros. A decisão da turma foi unânime.
O caso
O herdeiro – que, após as abertura da sucessão, passou a administrar conjuntamente com a irmã e a mãe a Fazendo Régia Esperança, no município de Abelardo Luz/SC – arrendou, por meio de contrato verbal, posteriormente formalizado, uma parte do terreno a terceiro.
Após a tomada de posse, o arrendatário fez contrato de financiamento no valor de R$ 492.754,99 para obter os recursos necessários ao plantio de soja. Depois de preparado o solo e aplicados os insumos, o marido da herdeira exigiu a retirada do arrendatário, sob a alegação de invalidade do contrato por falta de consenso dos herdeiros.
O arrendatário ajuizou ação de reintegração de posse e indenização pelos danos emergentes e lucros cessantes. O juízo de primeiro grau negou o pedido, entendendo que o contrato seria inválido pelo não consentimento dos outros herdeiros. No entanto, o TJ/SC, julgando a apelação do arrendatário, acatou o pedido de reintegração de posse.
Corte Superior
A ministra Nancy Andrighi, relatora, ao analisar o recurso especial interposto, em que se requereu o restabelecimento da sentença, considerou que, antes da realização da partilha dos bens, os direitos dos coerdeiros referentes à propriedade e posse do imóvel são regidos pelas normas relativas ao condomínio.
"Verifica-se que, embora o art. 488 do CC/16 permita que cada um dos condôminos exerça todos os atos possessórios, como se proprietário único fosse, a transferência da posse sem anuência dos demais condôminos não é permitida, pois implicaria a exclusão dos direitos dos compossuidores", disse a ministra.
De acordo com esse entendimento, a posse exercida pelo arrendatário não é legítima, pois o contrato de arrendamento não conta com o consentimento dos outros herdeiros.
A relatora lembrou, entretanto, que o caso em questão não se confunde com a alienação da cota condominial, que pode ser feita sem o consentimento dos outros condôminos. "A alienação implica a substituição do condômino pelo terceiro, que passa a ter os mesmos direitos e deveres do antigo condômino, somente se individualizando a sua cota após ultimada a partilha", comparou a ministra Nancy Andrighi.
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Veja abaixo a íntegra do acórdão.
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.168.834 – SC (2009/0234610-4)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : E.A.V.S.
ADVOGADO : CARLOS ALBERTO FARRACHA DE CASTRO E OUTRO(S)
RECORRIDO : M.A.M.L. E OUTRO
ADVOGADO : EXPEDITO EUGÊNIO STEFANELLO LAGO E OUTRO(S)
RECORRIDO : L.C.B. E OUTROS
ADVOGADO : NELI LINO SAIBO E OUTRO(S)
EMENTA
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONTRATO DE ARRENDAMENTO. FALTA DE ANUÊNCIA DOS DEMAIS CONDÔMINOS. IMPOSSIBILIDADE.
1. Inexiste ofensa aos arts. 458 e 535 do CPC na hipótese em que o Tribunal fundamenta o acórdão de maneira suficiente, ainda que não enfrente todos os temas trazidos pela parte à discussão.
2. Os dispositivos dos Regimentos Internos dos Tribunais de Justiça, como as Resoluções, Portarias e Circulares, conquanto tenham natureza normativa, não viabilizam a abertura da via especial, destinada esta à interpretação da lei federal e à uniformização na sua exegese, nos exatos termos do art. 105, III, da Lei Maior. Precedentes.
3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula 211/STJ.
4. A análise da aduzida violação do art. 927, I, do CPC, haja vista a vigência de outro contrato de arrendamento, implicaria a revisão do conjunto fático-probatório, o que é vedado em recurso especial.
5. Ainda que a coisa seja passível de divisão, enquanto não tiver ocorrido a partilha ou a delimitação do espaço a ser utilizado por cada condômino, necessária a anuência dos compossuidores para que determinado condômino possa dar posse, uso ou gozo da propriedade comum a terceiro.
6. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial,
nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). CARLOS ALBERTO FARRACHA DE CASTRO, pela parte RECORRENTE: E.A.V.S..
Brasília (DF), 21 de junho de 2011(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto por E.A.V.S., com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
Ação: L.C.B ajuizou ação de reintegração de posse, cumulada com pedido de indenização por perdas e danos, em face de E.A.V.S..
Informa o autor que, por meio de contrato verbal, celebrado no início do mês de agosto de 2002 e formalizado em 28 de agosto de 2002, com M.A.M.L., herdeiro testamentário de Alaor Prata Martins, arrendou área rural com superfície de 411.4 hectares na Fazenda Régia Esperança, situada no Município de Abelardo Luz/SC.
Alega que, já no início do mês de agosto de 2002, tomou posse do imóvel arrendado e realizou contrato de financiamento, no valor de R$ 492.754,99 (quatrocentos e noventa e dois mil, setecentos e cinquenta e quatro reais e noventa e nove centavos), a fim de obter os recursos necessários para o plantio de soja. Contudo, aduz que, iniciada a preparação do solo e a aplicação de insumos, o réu, marido de Régia de Moraes Prata Martins Vieira Severo e representante do espólio de Alaor Prata Martins (e-STJ fls. 819/826 e fl. 879), em 25 de agosto de 2002, exigiu a paralização dos trabalhos e a imediata retirada do pessoal contratado, promovendo, posteriormente, o plantio de soja, inclusive na área preparada pelo autor.
Requer o autor a expedição de mandado de reintegração de posse, bem como indenização pelos danos emergentes e lucros cessantes, a ser apurado em liquidação de sentença.
Sentença: o Juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido, pois entendeu que o requerente não obteve a aquisição válida da posse, já que o arrendante, M.A.M.L., não poderia ter arrendado a área determinada sem o consentimento da meeira e da co-herdeira, sem que antes fossem partilhados os bens (fls. 870/882).
Acórdão: o autor e seus assistentes, M.A.M.L.e Catarina Mesquita Lopes Leite, apelaram (e-STJ fls. 941/959 e 975/1008).
O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina deu provimento aos recursos (e-STJ fls. 1.180/1.197), conforme a seguinte ementa:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. PARTILHA NÃO REALIZADA. ARRENDAMENTO POR APENAS UM DOS HERDEIROS DE PARTE DO IMÓVEL PERTENCENTE AO ACERVO HEREDITÁRIO. AUSÊNCIA DO CONSENTIMENTO DOS DEMAIS HERDEIROS. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.
A proibição exposta no art. 633 do Código Civil de 1916 compreende somente a hipótese de um condômino dar posse a um estranho, conservando também a posse de parte da sua quota, mas exclui-se desta proibição a hipótese, que é a dos autos, de o condômino passar por inteiro a um estranho a posse que tinha no imóvel em comum.
Assim, o herdeiro condômino pode arrendar, independentemente da anuência do espólio, toda sua parte ideal do imóvel a um estranho, se não tem condições de explorá-la pessoalmente.
REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 927 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. REQUISITOS COMPROVADOS. DEFERIMENTO DO PEDIDO.
Na ação de reintegração de posse, para que se logre êxito, o demandante deve provar a existência da posse legítima e a ocorrência do esbulho praticado pelo réu, implicando na perda da posse anterior, tal qual estabelecido no artigo 927 do Código de Processo Civil. Dessa forma, comprovado pelo autor os requisitos exigidos do citado artigo, deve-se julgar procedente o pedido, reintegrando-o na posse do imóvel.
Embargos de declaração: opostos embargos de declaração (e-STJ fls. 1.243/1.250), foram rejeitados (e-STJ fls. 1.282/1.285).
Recurso especial: inconformado, o réu interpôs recurso especial, alegando, em síntese:
a) violação do art. 535, II, do CPC, pois o Tribunal de origem não se manifestou sobre as omissões apontadas nos embargos de declaração, quais sejam, as alegadas ofensas aos arts. 82, 145, 491, 493, 633, 1580 e 1791 do CC/16; e 458, I e II, e 927, I, do CPC;
b) violação dos arts. 552 e 565 do CPC e dos arts. 90, 97 e 102 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, porque o julgamento da apelação foi efetuado sem a apreciação do pedido de sustentação oral efetuado pelo recorrente e sem a sua devida intimação;
c) violação dos arts. 633, 1.580 e 1.791 do CC/16 e do art. 458, I e II, do CPC, porquanto a herança, até a sua partilha, se sujeita as normas referentes ao condomínio, razão pela qual o contrato de arrendamento firmado pelo réu e M.A.M.L., sem a anuência dos demais herdeiros, não possui validade;
d) violação dos arts. 82, 145 e 493 do CC/16, visto que o contrato de arredamento firmado por L.C.B e M.A.M.L. não possui validade perante os demais interessados, já que preterida solenidade essencial para a sua validade, qual seja, o consentimento dos demais compossuidores;
e) violação do art. 491 do CC/16, pois, ainda que se admita que a posse inicialmente exercida pelo autor, no período de 16/08/2002 a 25/08/2002, embora clandestina, fosse de boa-fé, a posse do recorrido perdeu esse caráter ao ser retirado da área sob o argumento da falta de anuência das demais possuidoras, oportunidade em que tomou conhecimento do vício do contrato de arrendamento;
f) violação do art. 927, I do CPC, haja vista que o autor não tem como efetuar a prova de sua suposta posse, adquirida mediante contrato de arrendamento verbal firmado com M.A.M.L., sem a anuência das compossuidoras, e exercida em período em que ainda vigia contrato de arrendamento sobre a mesma área objeto do litígio, firmado entre o falecido, Alaor Prata Martins, e sua filha, Régia de Moraes Prata Martins Vieira Severo, desde 15/09/1997, com prazo de cinco anos.
Juízo de admissibilidade: O Tribunal de origem admitiu o recurso especial, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional (e-STJ fls. 1.387/1.391), remetendo os autos a esta Corte Superior.
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Cinge-se a controvérsia, em síntese, a saber se o contrato de arredamento firmado por L.C.B e M.A.M.L., sem a anuência das compossuidoras, é válido e, portanto, se justifica a posse alegada pelo recorrido.
I. Da negativa de prestação jurisdicional
Da análise do acórdão recorrido, constata-se que a prestação jurisdicional corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem vício a ser sanado.
O Tribunal de origem se manifestou acerca de todas as questões relevantes para a solução da controvérsia, como lhe foram postas e submetidas, afigurando-se dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes.
Ademais, cabe ao magistrado decidir a questão de acordo com o seu livre convencimento, analisando os fatos e fundamentos que entende necessários ao equacionamento da questão, não estando adstrito às teses jurídicas apresentadas pelas partes.
Por outro lado, esta Corte Superior firmou entendimento de que os embargos declaratórios, mesmo quando manejados com o propósito de prequestionamento, são inadmissíveis se a decisão embargada não ostentar qualquer dos vícios que autorizariam a sua interposição. Confiram-se os seguintes precedentes: AgRg no Ag 680.045/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Félix Fischer, DJ de 03.10.2005; EDcl no AgRg no REsp 647.747/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 09.05.2005; EDcl no MS 11.038/DF, 1ª Seção, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 12.02.2007.
II. Da violação de dispositivos do Regimento Interno do Tribunal de origem
No tocante à alegada violação dos arts. 90, 97 e 102 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, não poderá ser conhecido o presente recurso.
Com efeito, não enseja à abertura da Instância especial a alegada ofensa a Circulares, Resoluções, Portarias, Súmulas, bem como a dispositivos inseridos em Regimentos Internos, pois não se enquadram no conceito de lei federal previsto no art. 105, III, a, da Constituição Federal. Nesse sentido: AgRg no Ag 701.741/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJ 06.06.2007; AgRg no Ag 811.205/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 11.06.2007.
III. Do prequestionamento
As matérias jurídicas versadas nos arts. 82, 145, 491, 493, 1.791 do CC/16 e nos arts. 552 e 565 do CPC não foram debatidas no acórdão recorrido de modo a evidenciar o prequestionamento, requisito de admissibilidade do recurso especial. Incide, pois, a Súmula 211/STJ.
VI. Da violação do art. 927, I, do CPC
No que concerne à aduzida violação do art. 927, I, do CPC, tendo em vista a existência de outro contrato de arrendamento sobre a área objeto do litígio, firmado entre o falecido, Alaor Prata Martins, e sua filha, Régia de Moraes Prata Martins Vieira Severo, desde 15/09/1997, com prazo de cinco anos, não merece conhecimento o recurso especial, pois a análise do referido fundamento implicaria a revisão do conjunto fático-probatório, o que é vedado em recurso especial, ante a incidência da Súmula 7/STJ.
V. Da alegada violação dos arts. 633 e 1.580 do CC/16, e 927, I, do CPC
Primeiramente, observa-se que, nos termos do art. 1.572 do CC/16, com a morte, e consequente abertura da sucessão, o domínio e a posse do conjunto patrimonial é automaticamente transmitido aos herdeiros, legítimos e legatários, que passam a exercer os direitos reais e pessoais relativos a esse patrimônio.
Trata-se da aplicação, no ordenamento jurídico brasileiro, do droit de saisine.
Contudo, os direitos decorrentes da transmissão patrimonial, até que efetivada a partilha do patrimônio, devem ser exercidos conjuntamente, conforme as regras pertinentes ao condomínio, nos termos do art. 1.580 do CC/16.
Dessa forma, na hipótese, Régia de Moraes Prata Martins Vieira Severo e M.A.M.L. passaram, conjuntamente com a mãe, meeira do patrimônio, até que ultimada a partilha, a administrar os bens que compõe o acervo hereditário em regime de condomínio.
Nesse sentido o seguinte precedente:
RECURSO ESPECIAL – AÇÃO REIVINDICATÓRIA – TUTELA DE BEM DEIXADO PELO DE CUJUS – PARTILHA AINDA NÃO VERIFICADA – CO-HERDEIRO – LEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA – RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Sendo a herança uma universalidade, é de rigor reconhecer-se que sobre ela os herdeiros detêm frações ideais não individualizadas, pois, até a partilha.
2. Aberta a sucessão, cria-se um condomínio pro indiviso sobre o acervo hereditário, regendo-se o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, pelas normas relativas ao condomínio (artigo 1791, parágrafo único, do Código Civil).
3. Tal como ocorre em relação a um condômino, ao co-herdeiro é dada a legitimidade ad causam para reivindicar, independentemente da formação de litisconsórcio com os demais co-herdeiros, a coisa comum que esteja indevidamente em poder de terceiro, nos moldes no artigo 1314 da lei civil.
4. O disposto no artigo 12, V, do Código de Processo Civil não exclui, nas hipóteses em que ainda não se verificou a partilha, a legitimidade de cada herdeiro vindicar em juízo os bens recebidos a título de herança, porquanto, in casu, trata-se de legitimação concorrente.
5. Recurso especial provido.
(REsp 1192027/MG, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2010, DJe 06/09/2010)
Isso posto, cabe analisar a possibilidade de um dos condôminos/herdeiros, individualmente, e sem a anuência dos demais compossuidores, firmar contrato de arrendamento, com terceiro, de parte da propriedade conjunta.
Na presente hipótese, M.A.M.L. arrendou a L.C.B, sem o assentimento da irmã e da mãe, condôminas do imóvel, parte da área útil da Fazenda Régia Esperança, determinando, por meio de contrato verbal e, posteriormente, por escrito, a área em relação a qual transferia sua posse.
Após a tomada de posse da área arrendada por L.C.B, E.A.V.S., marido de Régia de Moraes Prata Martins Vieira Severo e representante do espólio de Alaor Prata Martins (e-STJ fls. 819/826 e fl. 879), exigiu a retirada do recorrido, sob a alegação de invalidade do contrato de arrendamento, em razão da falta de consenso dos condôminos.
O art. 633 do CC/16 dispõe que:
Art. 633. Nenhum condômino pode, sem prévio consenso dos outros, dar posse, uso, ou gozo da propriedade a estranhos.
A redação do referido dispositivo foi mantida praticamente a mesma no parágrafo único do art. 1314 do CC/2002:
Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.
Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros.
O referido dispositivo visa que não ocorra a interferência de terceiros no condomínio, evitando possíveis controvérsias com a exigência de consenso prévio de todos os condôminos para que se possa dar posse, uso ou gozo da coisa comum a estranhos.
Verifica-se, pois, que, em que pese o art. 488 do CC/16 permita que cada um dos condôminos exerça todos os atos possessórios, como se proprietário único fosse, a transferência da posse sem a anuência dos demais condôminos não é permitida, pois implicaria a exclusão dos direitos dos compossuidores. Com efeito, os condôminos são proprietários de uma fração ideal da coisa, razão pela qual não exercem uma posse localizada de sua quota, podendo se utilizar do bem como um todo, de forma ilimitada, desde que respeitem o direito dos demais de também fazê-lo. Dessa forma, ao transferir a posse a um terceiro, o que implica especificar a área objeto do arrendamento, o arrendante interfere no direito de usar plenamente a propriedade comum dos outros compossuidores.
Por conseguinte, ainda que a coisa seja passível de divisão, enquanto não tiver ocorrido a partilha ou a delimitação do espaço a ser utilizado por cada condômino, necessária a anuência dos compossuidores para que determinado condômino possa dar posse, uso ou gozo da propriedade comum a terceiro, nos termos do art. 633 do CC/16.
Carvalho Santos, ao comentar o referido artigo, afirmou que:
A proibição contida no artigo supra abrange tão somente a hipótese de um condômino dar posse a um estranho, conservando também posse de parte da sua cota, mas exclui a hipótese do condômino passar a um estranho a posse que tinha no imóvel comum. O que se proíbe é a admissão de um novo consorte, sem o assentimento de todos os outros, tal como se dá no contrato de sociedade.
Trata-se, como se percebe facilmente, de uma verdadeira exceção à regra geral de que o condômino pode exercer qualquer ato de posse, inclusive passá-la a outrem, desde que não exclua a dos outros condôminos, exceção que tem o seu fundamento nas razões já expostas acima.
Diversas hipóteses merecem especial referência, destacando-se dentre elas a seguinte:
3 – Em face deste artigo, pode um condômino arrendar a um estranho a sua parte em determinado imóvel, numa fazenda, por exemplo, independente do consentimento dos demais condôminos? Não pode. O imóvel em comum, a fazenda, na espécie, só pode ser locada quando, por circunstância de fato ou por desacordo, não for possível o uso e gozo em comum, devendo a locação ser deliberada, como está no Código – art. 635, § 1º, e art. 637, § 2º, pela maioria dos interessados, não pelo número, mas pelo valor dos quinhões, decidindo o juiz, em caso de empate, a requerimento de qualquer condômino.
Acresce que locar a um estranho uma parte que seja de determinado imóvel equivale a dar-lhe posse, uso e gozo dessa propriedade e justamente isso é que este artigo não permite, sem consentimento dos demais condôminos, no que está em perfeita harmonia com o disposto no art. 635.
Aliás, essa é a doutrina mais corrente, mesmo no Direito estrangeiro (Cfr. AUBRY et RAU, cit., vol 5, § 364; TROPLONG, cit., vol 1, n. 100; LAURENT, cit., vol. 25, n. 14; CARVALHO DE MENDONÇA, Contratos, vol. 2, números 173 e 192; Código Civil argentino, art. 1.512).
4 – Será nulo o contrato de locação feito em tais condições? Sem dúvida que sim. Sobre este ponto não há divergência, ensinando os doutores que qualquer dos outros condôminos pode pedir a anulação do contrato, em seu todo, desde que não tenha dado seu consentimento (Cfr. AUBRY et RAU, cit., vol 5, § 364).
(…)
5 – Sem prévio consentimento dos outros…Em sua totalidade. Não basta o assentimento da maioria. Não nos parecendo, como entendem alguns escritores, que baste o tácito, sendo necessário, ao invés, o consentimento expresso, embora mão se exija seja por escrito. Porque, é fácil explicar, a exigência de ser prévio o consentimento exclui a possibilidade de poder ele ser tácito. (CARVALHO SANTOS, J.M. de. Código Brasileiro interpretado . Vol. VIII – Direito das Coisas. Rio de janeiro: Freitas Bastos, 1988. p. 349-351)
Carlos Maximiliano, por sua vez, afirma que:
Cada condômino tem, no tocante à sua parte, os direitos inerentes à propriedade plena; fica, em relação a sua quota, em posição idêntica à do proprietário único, no que diz respeito ao bem adquirido por ele só.
Faculta-se-lhe, quanto a sua fração do imóvel, sem ouvir os cointeressados na comunhão; pactuar ou impor hipoteca, usufruto e outros ônus reais, promessa de venda e direito de perempção ou preferência; bem como ceder, doar, alienar, permutar, dar in solutum, legar. (MAXIMILIANO, Carlos. Condomínio – Terras, apartamentos e andares perante o Direito . Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1950. p. 15)
O doutrinador acrescenta:
O direito de uso e gozo da coisa comum é amplo, relativamente ilimitado; porquanto apenas deve ser exercido de modo que não estorve ou prejudique igual faculdade ou prerrogativa dos condôminos, nem cause dano ao objeto da comunhão ou vá contra os interesses da mesma. O transgressor dessa regra expõe-se a ser acionado e condenado a ressarcir perdas e danos e lucros cessantes.
O que é de direito de coproprietário, ele exerce ou desfrutra sem provocar o consenso e apesar do dissenso dos outros.
Como qualquer consorte variar o modo de usar e gozar a coisa comum, desde que, assim procedendo, não prejudique ou embarace o uso pelos demais participantes nem contrarie o destino do objeto de condomínio.
(…)
Para ceder temporária ou definitivamente a estranhos apenas o direito de posse, ou de uso e gozo, o condomínio necessita do assentimento prévio dos outros participantes da comunhão. Faculta-se-lhe, entretanto, alienar a íntegra do seu direito, sem consultar os consortes. (MAXIMILIANO, Carlos. Condomínio – Terras, apartamentos e andares perante o Direito . Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1950. p. 27/28)
Por conseguinte, o contrato firmado entre M.A.M.L. e L.C.B, sem a anuência das compossuidoras, não é válido, razão pela qual a posse exercida pelo recorrido não é legítima.
Cumpre destacar, ainda, que a presente hipótese, transferência da posse sem ao consentimento dos demais condôminos, não se confunde com a alienação da quota condominial, que pode ser realizada sem anuência dos demais compossuidores. A alienação implica a substituição do condômino pelo terceiro, que passa a ter os mesmos direitos e deveres do antigo condômino/herdeiro, somente se individualizando a sua quota quando ultimada a partilha.
Forte nesses razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para restabelecer a sentença.
É como voto.