DOS PRINCÍPIOS NOTARIAIS
Des. Ricardo Dip
41. Antes de incursionar no tema −que é historicamente árduo− de uma definição do direito notarial e, como isto será conjuntamente inevitável, antes de identificar seu objeto próprio, parece convir, ao menos metodologicamente, que versemos um tanto sobre os princípios do direito notarial.
Pode escusar-nos, nessa escolha, a circunstância mesma de que a palavra “princípio” evoque, entre seus significados, o de “começo”. E, pois, comecemos do princípio.
42. É consagrada a polaridade contemporânea entre, de um lado, os princípios e, de outro, as regras, segundo, de modo especial, o critério esposado por DWORKIN e a que se podem juntar diversas teorias (p.ex. as de Esser, de Larenz, de Canaris, de Wroblewski, de Pattaro, de MacCormick, de Carrió, de Bobbio, de Alexy).
Essa polaridade, entretanto, levou à redução do conceito tradicional de “princípio”, debilitando, em rigor, o papel que a ele deve atribuir-se. Sua compreensão, na verdade, abrange muito mais do que a de uma simples norma standard, tal a identifica Dworkin.
43. A palavra “princípio” provém do latim principium, principii, vocábulo neutro, cuja clave significativa parece estar na ideia de primeiro posto, origem. Mas “princípio” é também algo que possui supremacia, superioridade, prioridade, primado. E, nesta linha, diz ARISTÓTELES que “princípio” é o ponto de partida (i) do que uma coisa é, (ii) de como uma coisa se age ou se faz (ou deve agir-se ou fazer-se) e (iii) de como essa coisa se conhece.
Com essa amplitude, o termo “princípio” abrange todo o gênero de causas do ser, do agir, do fazer e do conhecer, bem como princípios não causais, assim as condições e as ocasiões. Ou seja, na trilha sulcada por VAN ACKER, “princípio” define-se algo de que um ente (ou um conhecimento) procede de algum modo.
Como uma coisa se faz significa sua prática: seu agir (ético e jurídico) ou seu fazer (poíesis). “Princípio do agir” é princípio moral. Em vários idiomas, temos expressões que sinalizam isso: “homem de princípios”, “hombre de principios”, “homme des principes”, “uomo de principi”, “man of principle”, para indicar os homens que se conduzem com honestidade, com retidão moral.
44. Em sua Metodología de las leyes, o grande Notário que foi Juan VALLET DE GOYTISOLO distinguiu várias acepções do termo “princípio”, assinalando que as inclinações naturais −ou, de modo objetivante, a “natureza das coisas”− são princípios do agir humano, princípios ético-jurídicos.
Princípios esses, além disso, que são naturais, porque se apreendem pelo só luz natural da razão, seja da razão teórica (intellectus principiorum vel ratio naturalis), seja da prática, na qual se consolidam em agir o bem e evitar o mal (bonum faciendum, malum vitandum).
Esse princípio natural converte-se, pois, numa norma de moralidade intrínseca −ou, quando o caso, de juridicidade intrínseca. Princípio que, por provir da ratio naturalis tem primado sobre os demais princípios (secundários). Deste modo, a natureza das coisas, quer na ordem especulativa, quer na ordem prática, é o primeiríssimo dos princípios.
Ao lado de uma realidade física (res naturæ) −em que o homem não tem papel criador−, também participa da natureza das coisas (natura rerum) a realidade operativa, prática (stricto sensu: a realidade das ações) e poiética (a realidade do que se fabrica).
46. O Notariado é uma realidade operativa: em seu aspecto criatural, é fruto da atividade humana. Mas a realidade do que o homem opera é também portadora de uma dada natureza.
Assim, o Notariado latino tem sua natureza, ainda que solidada ao largo da história; é da natureza histórica das coisas que o Notariado latino seja, por exemplo, um “profissional do direito” e não um “funcionário público”. Essa natureza histórica do notário latino, decerto, não é metafísica, mas não deixa de ser um elemento conatural do Notariado latino. Sua recusa destrói a instituição tal como ela existe com sua própria natureza.
47. Posto isso e sem desconhecer, embora, a riqueza de acepções do termo “princípio”, vamos aqui tratar dos princípios notariais dentro de moldura mais acanhada, observando o critério de tomar por “princípios” as linhas fundamentais da instituição, da atividade e do documento notarial. E entre essas linhas, está em primeiro plano a consideração da natureza mesma do notariado.
Sob confessada e benfazeja inspiração na obra de Antonio RODRÍGUEZ ADRADOS, vamos cuidar, dentro desse projeto limitado às linhas fundamentais do direito notarial, dos princípios (i) da instância ou rogação notarial, (ii) da liberalidade ou profissionalidade, (iii) da imediação, (iv) da legalidade, (v) da fé pública, (vi) da livre escolha, (vii) da impartialidade e da imparcialidade, (viii) da autoria, (ix) do consentimento, (x) da forma literal, (xi) da unidade do ato e (xii) da eficácia.