Validade. Averbação no Cartório de Registro de Imóveis. Não ocorrência. Bem de Família. Exceção à regra da impenhorabilidade. Hipótese configurada.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.455.554 – RN (2014⁄0077399-4)
RELATOR: MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
RECORRENTE: V R DE A
ADVOGADO: CÍCERO AUGUSTO ALMEIDA E OUTRO(S)
RECORRIDO: J P DE S
RECORRIDO: B P DA C
ADVOGADO: ANDRÉ CAVALCANTI DE OLIVEIRA E OUTRO(S)
EMENTA
CIVIL. DIREITO REAL DE GARANTIA. HIPOTECA. VALIDADE. AVERBAÇÃO NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. NÃO OCORRÊNCIA. BEM DE FAMÍLIA. EXCEÇÃO À REGRA DA IMPENHORABILIDADE. HIPÓTESE CONFIGURADA.
1. Nos termos do art. 3º, V, da Lei n. 8.009⁄90, ao imóvel dado em garantia hipotecária não se aplica a impenhorabilidade do bem de família na hipótese de dívida constituída em favor da entidade familiar.
2. A hipoteca se constitui por meio de contrato (convencional), pela lei (legal) ou por sentença (judicial) e desde então vale entre as partes como crédito pessoal. Sua inscrição no cartório de registro de imóveis atribui a tal garantia a eficácia de direito real oponível erga omnes.
3. A ausência de registro da hipoteca não afasta a exceção à regra de impenhorabilidade prevista no art. 3º, V, da Lei n. 8.009⁄90; portanto, não gera a nulidade da penhora incidente sobre o bem de família ofertado pelos proprietárioscomo garantia de contrato de compra e venda por eles descumprido.
4. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 14 de junho de 2016(Data do Julgamento)
MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:
Noticiam os autos que J. P. DE S. e B. P. DA C., ora recorridos, interpuseram agravo de instrumento contra decisão que, na fase de cumprimento de sentença, rejeitou a impugnação e determinou o prosseguimento da expropriação do bem oferecido como garantia em contrato de compra e venda descumprido pelos compradores. Aduziram que se trata de bem de família e que a hipoteca garantidora da referida avença não teria sido levada a registro, motivo pelo qual estaria acobertado pela impenhorabilidade.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte deu provimento ao recurso nos termos da seguinte ementa:
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PRELIMINAR SUSCITADA PELO RELATOR: RECURSO NO QUAL SE ALEGA NULIDADE DE GARANTIA REAL POR OFENSA AO ART. 1.428 DO CÓDIGO CIVIL. QUESTÃO NÃO SUSCITADA OU DISCUTIDA NA DECISÃO RECORRIDA.SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INADMISSIBILIDADE PARCIAL. MÉRITO: ALEGAÇÃO DE NECESSIDADE DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM EXAME DO MÉRITO, POR RECOLHIMENTO EXTEMPORÂNEO DAS CUSTAS NA AÇÃO DE CONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE ACOLHIMENTO. EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA. ART. 474 DO CPC. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA PENHORA POR TER INCIDIDO SOBRE BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL DADO EM HIPOTECA. EXCEÇÃO DO ART. 3º, V, DA LEI Nº 8.009⁄90. INOBSERVÂNCIA, NO ENTANTO, DO ART. 1.492 DO CC. AUSÊNCIA DE REGISTRO DA HIPOTECA. NATUREZA CONSTITUTIVA DESSE ATO. ÔNUS DO CREDOR. ART. 1492, P. Ú., DO CC. NULIDADE DA GARANTIA. BEM QUE REÚNE OS REQUISITOS PARA CARACTERIZAÇÃO DE BEM DE FAMÍLIA LEGAL. IMPENHORABILIDADE RECONHECIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, PARCIALMENTE PROVIDO” (e-STJ, fls. 397⁄398).
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.
No presente recurso especial, interposto com fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição Federal, V. R. DA C. aponta, além de dissídio jurisprudencial, violação dos seguintes artigos:
a) 1.492, parágrafo único, do Código Civil, argumentando que o fato de não ter procedido à averbação da hipoteca no cartório de registros de imóveis não a invalida, porquanto tal providência é uma faculdade que apenas garante o direito de preferência daquele que a registrou primeiro; e
b) 3º, V, da Lei n. 8.009⁄90, que afasta a regra da impenhorabilidade do bem de família quando o imóvel foi oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, como na hipótese dos autos.
As contrarrazões foram apresentadas às fls. 513⁄540.
Admitido o recurso na origem (e-STJ, fls. 542⁄543), ascenderam os autos ao Superior Tribunal de Justiça.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (Relator):
Noticiam os autos que o recorrente firmou, em 3⁄3⁄2009, contrato de compra e venda com os recorridos, por meio do qual estes adquiriram 50 vacas leiteiras e 1 touro, comprometendo-se a pagar pelos semoventes o valor de R$ 135.000,00 (cento e trinta e cinco mil). Ofereceram como garantia real ao cumprimento da obrigação pactuada um imóvel residencial de sua propriedade.
Com o descumprimento do contrato, o recorrente ajuizou ação de cobrança, que foi julgada procedente (fls. 252⁄256, e-STJ), condenando-se os réus ao pagamento da dívida acordada. Após o trânsito em julgado, propôs o recorrente o cumprimento de sentença, que foi devidamente impugnada.
A impugnação foi rejeitada, determinando-se o prosseguimento da execução porquanto o julgador considerou que teria havido renúncia à impenhorabilidade do bem de família ao ter sido ofertado o bem como garantia da dívida entabulada no contrato de compra e venda.
Contra referida decisão, foi interposto agravo de instrumento, provido nos termos da ementa acima transcrita, ao fundamento de que, em razão da falta de registro,”sendo ineficaz a cláusula que instituiu a garantia pela não constituição da hipoteca, a hipótese não se enquadra na exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no art. 3º, V, da Lei n. 8.009⁄90″ (e-STJ, fl. 363).
É certo que, nos termos do art. 3º, V, da Lei n. 8.009⁄90, permite-se a penhora de bem de família dado em garantia hipotecária na hipótese de dívida constituída em favor da entidade familiar.
A respeito da questão, colaciono os acórdãos abaixo:
“CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. OFERECIMENTO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA. BENEFÍCIO DA ENTIDADE FAMILIAR. RENÚNCIA À IMPENHORABILIDADE.
1. A exceção do art. 3º, inciso V, da Lei nº 8.009⁄90, que permite a penhora de bem dado em hipoteca, limita-se à hipótese de dívida constituída em favor da entidade familiar. Precedentes.
2. A comunidade formada pelos pais e seus descendentes se enquadra no conceito legal de entidade familiar, inclusive para os fins da Lei nº 8.009⁄90.
[…]
4. Recurso especial a que se nega provimento.” (Terceira Turma, REsp n. 1.141.732⁄SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe de 22.11.2010.)
“AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO. ART. 3º, V, DA LEI 8.009⁄90.
1. Conforme artigo 3º, inciso V, da Lei 8.099⁄90, é autorizada a penhora do bem de família quando dado, pelo casal ou entidade familiar, em garantia hipotecária da dívida exequenda.
2. Hipótese em que o acórdão recorrido não se manifestou a respeito do beneficiário do empréstimo e não houve interposição de embargos de declaração a esse respeito.
3. Agravo Regimental improvido.” (Terceira Turma, AgRg no Ag n. 1.333.436⁄MG, relator Ministro Sidnei Beneti, DJe de 3.11.2010.)
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO. ART. 3º, V DA LEI 8.009⁄90. PROVEITO DIRETO DAS PESSOAS FÍSICAS. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE VONTADE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA.
1. Segundo o 3º, inciso V, da Lei 8.099⁄90, a impenhorabilidade do bem de família não é oponível para obstar a execução de hipoteca sobre bem imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou entidade familiar.
2. Hipótese em que o acórdão recorrido assentou que ‘houve benefício direto ao casal’, não havendo prova de vício de vontade no ato de constituição da hipoteca, de modo que a pretendida desconstituição da penhora, no caso concreto, esbarraria, inexoravelmente, no óbice contido na Súmula 7 desta Corte, por depender da reanálise da moldura fático-probatória fixada pelo julgado.
3. Agravo interno a que se nega provimento.” (Quarta Turma, AgRg no Ag n. 1.051.257⁄SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 2.9.2010.)
Resta-nos indagar se a ausência de registro da hipoteca no cartório de registro de imóveis configuraria a inexistência da referida garantia ou apenas a falta de validade perante terceiros.
A hipoteca é um direito real de garantia (art. 1.225, IX, do Código Civil de 2002) incidente, em regra, sobre bens imóveis que dá ao credor o poder de excutir o bem, alienando-o judicialmente e dando-lhe primazia sobre o produto da arrematação para satisfazer sua dívida.
A constituição da hipoteca pode dar-se por meio de contrato (convencional), pela lei (legal) ou por sentença (judicial) e, desde então, já tem validade inter partes como um direito pessoal.
Por sua vez, é certo que, nos termos do art. 1.227 do Código Civil, só se dá a constituição de um direito real após a sua inscrição no cartório de registro de imóveis da circunscrição imobiliária competente.
Assim é que a inscrição da hipoteca que foi constituída de modo convencional, legal ou judicial confere a ela a eficácia de direito real oponível erga omnes.
Nesse sentido, confiram-se as lições de Carlos Roberto Gonçalves:
“A validade da hipoteca depende, além do preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos já estudados, a observância concernente à forma de sua constituição. Envolve este o título constitutivo, a especialização e o registro noCartório de Registro de Imóveis.
Constitui-se a hipoteca por força de contrato, na hipoteca convencional; por disposição legal, na hipoteca legal; e por sentença, na hipoteca judicial. O contrato, a lei e a sentença representam, portanto, o título ou documento que perpetua a declaração de vontade das partes e serve de suporte e fundamento para incidência do ônus real.
Como o direito real surge com o registro no Cartório de Registro de Imóveis, há necessidade da existência de um instrumento escrito, cuja forma pode variar conforme a espe´cie de hipoteca, que possa ser registrado.
A espécie de hipoteca mais comum é a convencional: resulta do acordo de vontades entre o credor hipotecário, que recebe a garantia real, e quem a outorga, que pode ser o devedor principal ou terceiro hipotecante. A hipoteca é, portanto, um contrato solene, que exige também a participação das testemunhas instrumentárias.
[…]
Somente com o registro da hipoteca nasce o direito real. Antes dessa providência o aludido gravame não passará de um crédito pessoal, por subsistente apenas inter partes; depois do registro, vale erga omnes. Por essa razão, salienta Caio Mario da Silva Pereira que o registro é o momento culminante da hipoteca e que o título e a especialização são os elementos preparatórios ou causais. O registro, aduz, é a operação geradora do direito real.
O registro é, assim, indispensável á validade da hipoteca em relação a terceiros. Embora se afirme que vale entre as partes, independentemente desse registro, em realidade o seu valor é praticamente nenhum, como assevera Orlando Gomes, porque não assegura o direito de preferência na execução. O registro é necessário, destarte, para valer entre as partes e terceiros como direito real. Daí a peremptória proclamação de Lacerda de Almeida: ‘No direito atual, hipoteca não registrada é hipoteca não existente.’
O registro confere a indispensável publicidade à hipoteca. A partir da sua efetivação todos terão ciência de que o bem especificado está suejto ao ônus hipotecário. Desse modo, se alguém tiver interesse em sua aquisição, ou em recebê-lo em subipoteca, poderá consultar o cartório respectivo para cientificar-se da existência do aludido ônus real.” (Direito Civil brasileiro, vol. V, 4ª ed., p. 575-577.)
Na mesma linha, a doutrina de Caio Mário da Silva Pereira:
“Além da observância dos requisitos objetivos e subjetivos que foram estudados no parágrafo anterior, a validade da hipoteca na sua função específica de direito real de garantia está na dependência da apuração de condições de forma, que dizem respeito a três momentos significativos na sua vida: o título ou instrumento gerador; especialização; inscrição no registro. Reunindo-os num só parágrafo, soba a epígrafe única das formalidades necessárias a esta garantia, estudamos o assunto com mais acurado espírito de sistema, porque enfeixamos um ao lado do outro os fatores componentes de sua concretização externa. E é nesta ordem que os desenvolveremos: título, especialização, inscrição.
I. Título. Constitui-se a hipoteca por força de contrato (hipoteca convencional) ou decorre do mandamento da lei (hipoteca legal ou judicial, a que destinamos o nº 361, infra). Em qualquer dos casos haverá um documento, ou instrumento, que perpetua a declaração de vontade das partes ou que materializa a incidência do ônus em determinado objeto.
[…]
II. Especialização. A hipoteca, como temos inúmeras vezes dito e repetido, é um ônus real incidente sobre coisa imóvel, para segurança de determinada dívida. Cumpre, então, se caracterizem uma e outra. Eis o que se designa pelo vocábulo especialização. Ao contrário de nosso antigo direito que admitia as ‘hipotecas gerais’, toda hipoteca tem de ser especializada, para que se determine o bem separado do patrimônio, e o débito que se destina a garantir; para que se identifique o patrimônio de que foi destacado e em favor de quem o foi. No contrato especializa-se a hipoteca em benefício do credor; na inscrição especializa-se no interesse de terceiros, como fato de publicização, podendo suprir-se a falta, mediante nova escritura.
[…]
III. Inscrição. Antes da inscrição, o nosso direito anterior exigia a prenotação da hipoteca, para o fim de: a) determinar a ordem cronológica de entrada dos títulos e sua propriedade; b) conceder tempo ao oficial e às pares para as diligências que se tornem necessárias: c) permitir ao cartório atender ao serviço num ritmo razoável de trabalho. Funcionava a prenotação como uma espécie de ‘inscrição provisória’, para tal arte que, efetuada em caráter definitivo, retroagiam os efeitos à data em que foi prenotado o instrumento apresentado. No sistema atual dos Registros Públicos, todos os títulos apresentados ao oficial são diariamente anotados no Protocolo (Livro n. 1), que é o livro-chave do registro geral, na ordem cronológica da entrada. Desta sorte, não ocorrerá a inversão da ordem de inscrição hipotecária. Apresentados dois títulos versando sobre um mesmo imóvel, ou decidida dúvida pelo juiz, a inscrição retroage ao momento da prenotação, assegurando a prioridade do que primeiro se apresentou a resgistro; prior in tempore, melior in jure (Código Civil, arts. 1.493 e segs., e Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973).
O registro é o momento culminante da hipoteca. O título e a especialização, os elementos preparatórios ou causais. A inscrição é a operação geradora do direito real. O elemento constitutivo do direito de hipoteca, propriamente dito. Enquanto não inscrita, a hipoteca não passa de crédito pessoal, porque subsistente apenas inter partes. Depois de inscrita, vale erga omnes:direito real. O Código Civil de 1916 o dizia (art. 848), em termos que mereceram censura dos doutos, ao proclamar que as hipotecas ‘somente valem contra terceiros’ desde a data da inscrição; então naõ existe hipoteca (direito real de garantia) antes da inscrição, pois que a sua utilidade econômica e jurídica está na oponibilidade aos credores (terceiros). Esta, alias, a proclamação enfática de Lacerda de Almeida: hipoteca não registrada é hipoteca não existente. Por tal razão, o dispositivo não encontra correspondente no Código de 2002.
Direito real que é opõe-se aos credores quirografários do devedor, como aos terceiros adquirentes; opõe-se, ainda, a outro credor, dito hipotecário, qua não haja registrado o título, e bem a sim a quem tenha adquirido sobre o bem gravado um outro direito real.
[…]
Com a inscrição começa a hipoteca a produzir seus efeitos, que somente vêm a cessar com seu cancelamento.
Uma vez realizada a inscrição, produz logo os seus efeitos, gerando o ônus real; e torna público o vínculo, no sentido de fazê-lo conhecido, ensejando a quem tenha interesse no imóvel ou na situação econômica do proprietário tomar ciência do gravame que o atinge, e bem assim na obrigação a que está submetido. E, como o registro se realiza no município sede do bem hipotecado, tudo isto se obtém a uma simples inspeção ocular, independentemente de investigações complexas ou demoradas.” (Instituições de Direito Civil, vol. IV, 20ª ed., p. 323-328.)
Interpretando o art. 1.492 do Código Civil de 2002, caminha no mesmo sentido a obra de Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes:
“A inscrição consiste na declaração do vínculo hipotecário, inserta em livros próprios existentes no RGI e que visa não somente a tornar pública a hipoteca, mas principalmente conferir-lhe eficácia como direito real (Carvalho Santos, Código Civil, p. 445). De fato, ausente a inscrição, não adquiret o credor direito real pro lhe faltarem os efeitos erga omnes característicos desse espécie de relação jurídica. Apesar de permanecerem vinculados entre si credor e devedor, afirma-se a inutilidade da hipoteca não registrada, vez que não possui o condão de atribuir ao credor direito de preferência no momento da execução (Orlando Gomes, Direitos Reais, p. 416).” (Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. III, 2011, p. 948.)
Consectariamente, se a ausência de registro da hipoteca não a torna inexistente, mas apenas válida inter partes como crédito pessoal, impõe-se a aplicação do disposto no art. 3º, V, da Lei n. 8.009⁄90 à espécie para se reconhecer a validade da penhora incidente sobre o bem de família de propriedade dos recorridos.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial.
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2014⁄0077399-4
PROCESSO ELETRÔNICO
REsp 1.455.554 ⁄ RN
PAUTA: 14⁄06⁄2016
JULGADO: 14⁄06⁄2016
SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE: V R DE A
ADVOGADO: CÍCERO AUGUSTO ALMEIDA E OUTRO(S)
RECORRIDO: J P DE S
RECORRIDO: B P DA C
ADVOGADO: ANDRÉ CAVALCANTI DE OLIVEIRA E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Obrigações – Espécies de Contratos – Compra e Venda
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.455.554 – RN (2014⁄0077399-4)
RELATOR: MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
RECORRENTE: V R DE A
ADVOGADO: CÍCERO AUGUSTO ALMEIDA E OUTRO(S)
RECORRIDO: J P DE S
RECORRIDO: B P DA C
ADVOGADO: ANDRÉ CAVALCANTI DE OLIVEIRA E OUTRO(S)
EMENTA
CIVIL. DIREITO REAL DE GARANTIA. HIPOTECA. VALIDADE. AVERBAÇÃO NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. NÃO OCORRÊNCIA. BEM DE FAMÍLIA. EXCEÇÃO À REGRA DA IMPENHORABILIDADE. HIPÓTESE CONFIGURADA.
1. Nos termos do art. 3º, V, da Lei n. 8.009⁄90, ao imóvel dado em garantia hipotecária não se aplica a impenhorabilidade do bem de família na hipótese de dívida constituída em favor da entidade familiar.
2. A hipoteca se constitui por meio de contrato (convencional), pela lei (legal) ou por sentença (judicial) e desde então vale entre as partes como crédito pessoal. Sua inscrição no cartório de registro de imóveis atribui a tal garantia a eficácia de direito real oponível erga omnes.
3. A ausência de registro da hipoteca não afasta a exceção à regra de impenhorabilidade prevista no art. 3º, V, da Lei n. 8.009⁄90; portanto, não gera a nulidade da penhora incidente sobre o bem de família ofertado pelos proprietárioscomo garantia de contrato de compra e venda por eles descumprido.
4. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 14 de junho de 2016(Data do Julgamento)
MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:
Noticiam os autos que J. P. DE S. e B. P. DA C., ora recorridos, interpuseram agravo de instrumento contra decisão que, na fase de cumprimento de sentença, rejeitou a impugnação e determinou o prosseguimento da expropriação do bem oferecido como garantia em contrato de compra e venda descumprido pelos compradores. Aduziram que se trata de bem de família e que a hipoteca garantidora da referida avença não teria sido levada a registro, motivo pelo qual estaria acobertado pela impenhorabilidade.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte deu provimento ao recurso nos termos da seguinte ementa:
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PRELIMINAR SUSCITADA PELO RELATOR: RECURSO NO QUAL SE ALEGA NULIDADE DE GARANTIA REAL POR OFENSA AO ART. 1.428 DO CÓDIGO CIVIL. QUESTÃO NÃO SUSCITADA OU DISCUTIDA NA DECISÃO RECORRIDA.SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INADMISSIBILIDADE PARCIAL. MÉRITO: ALEGAÇÃO DE NECESSIDADE DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM EXAME DO MÉRITO, POR RECOLHIMENTO EXTEMPORÂNEO DAS CUSTAS NA AÇÃO DE CONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE ACOLHIMENTO. EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA. ART. 474 DO CPC. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA PENHORA POR TER INCIDIDO SOBRE BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL DADO EM HIPOTECA. EXCEÇÃO DO ART. 3º, V, DA LEI Nº 8.009⁄90. INOBSERVÂNCIA, NO ENTANTO, DO ART. 1.492 DO CC. AUSÊNCIA DE REGISTRO DA HIPOTECA. NATUREZA CONSTITUTIVA DESSE ATO. ÔNUS DO CREDOR. ART. 1492, P. Ú., DO CC. NULIDADE DA GARANTIA. BEM QUE REÚNE OS REQUISITOS PARA CARACTERIZAÇÃO DE BEM DE FAMÍLIA LEGAL. IMPENHORABILIDADE RECONHECIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, PARCIALMENTE PROVIDO” (e-STJ, fls. 397⁄398).
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.
No presente recurso especial, interposto com fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição Federal, V. R. DA C. aponta, além de dissídio jurisprudencial, violação dos seguintes artigos:
a) 1.492, parágrafo único, do Código Civil, argumentando que o fato de não ter procedido à averbação da hipoteca no cartório de registros de imóveis não a invalida, porquanto tal providência é uma faculdade que apenas garante o direito de preferência daquele que a registrou primeiro; e
b) 3º, V, da Lei n. 8.009⁄90, que afasta a regra da impenhorabilidade do bem de família quando o imóvel foi oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, como na hipótese dos autos.
As contrarrazões foram apresentadas às fls. 513⁄540.
Admitido o recurso na origem (e-STJ, fls. 542⁄543), ascenderam os autos ao Superior Tribunal de Justiça.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (Relator):
Noticiam os autos que o recorrente firmou, em 3⁄3⁄2009, contrato de compra e venda com os recorridos, por meio do qual estes adquiriram 50 vacas leiteiras e 1 touro, comprometendo-se a pagar pelos semoventes o valor de R$ 135.000,00 (cento e trinta e cinco mil). Ofereceram como garantia real ao cumprimento da obrigação pactuada um imóvel residencial de sua propriedade.
Com o descumprimento do contrato, o recorrente ajuizou ação de cobrança, que foi julgada procedente (fls. 252⁄256, e-STJ), condenando-se os réus ao pagamento da dívida acordada. Após o trânsito em julgado, propôs o recorrente o cumprimento de sentença, que foi devidamente impugnada.
A impugnação foi rejeitada, determinando-se o prosseguimento da execução porquanto o julgador considerou que teria havido renúncia à impenhorabilidade do bem de família ao ter sido ofertado o bem como garantia da dívida entabulada no contrato de compra e venda.
Contra referida decisão, foi interposto agravo de instrumento, provido nos termos da ementa acima transcrita, ao fundamento de que, em razão da falta de registro,”sendo ineficaz a cláusula que instituiu a garantia pela não constituição da hipoteca, a hipótese não se enquadra na exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no art. 3º, V, da Lei n. 8.009⁄90″ (e-STJ, fl. 363).
É certo que, nos termos do art. 3º, V, da Lei n. 8.009⁄90, permite-se a penhora de bem de família dado em garantia hipotecária na hipótese de dívida constituída em favor da entidade familiar.
A respeito da questão, colaciono os acórdãos abaixo:
“CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. OFERECIMENTO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA. BENEFÍCIO DA ENTIDADE FAMILIAR. RENÚNCIA À IMPENHORABILIDADE.
1. A exceção do art. 3º, inciso V, da Lei nº 8.009⁄90, que permite a penhora de bem dado em hipoteca, limita-se à hipótese de dívida constituída em favor da entidade familiar. Precedentes.
2. A comunidade formada pelos pais e seus descendentes se enquadra no conceito legal de entidade familiar, inclusive para os fins da Lei nº 8.009⁄90.
[…]
4. Recurso especial a que se nega provimento.” (Terceira Turma, REsp n. 1.141.732⁄SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe de 22.11.2010.)
“AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO. ART. 3º, V, DA LEI 8.009⁄90.
1. Conforme artigo 3º, inciso V, da Lei 8.099⁄90, é autorizada a penhora do bem de família quando dado, pelo casal ou entidade familiar, em garantia hipotecária da dívida exequenda.
2. Hipótese em que o acórdão recorrido não se manifestou a respeito do beneficiário do empréstimo e não houve interposição de embargos de declaração a esse respeito.
3. Agravo Regimental improvido.” (Terceira Turma, AgRg no Ag n. 1.333.436⁄MG, relator Ministro Sidnei Beneti, DJe de 3.11.2010.)
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO. ART. 3º, V DA LEI 8.009⁄90. PROVEITO DIRETO DAS PESSOAS FÍSICAS. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE VONTADE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA.
1. Segundo o 3º, inciso V, da Lei 8.099⁄90, a impenhorabilidade do bem de família não é oponível para obstar a execução de hipoteca sobre bem imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou entidade familiar.
2. Hipótese em que o acórdão recorrido assentou que ‘houve benefício direto ao casal’, não havendo prova de vício de vontade no ato de constituição da hipoteca, de modo que a pretendida desconstituição da penhora, no caso concreto, esbarraria, inexoravelmente, no óbice contido na Súmula 7 desta Corte, por depender da reanálise da moldura fático-probatória fixada pelo julgado.
3. Agravo interno a que se nega provimento.” (Quarta Turma, AgRg no Ag n. 1.051.257⁄SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 2.9.2010.)
Resta-nos indagar se a ausência de registro da hipoteca no cartório de registro de imóveis configuraria a inexistência da referida garantia ou apenas a falta de validade perante terceiros.
A hipoteca é um direito real de garantia (art. 1.225, IX, do Código Civil de 2002) incidente, em regra, sobre bens imóveis que dá ao credor o poder de excutir o bem, alienando-o judicialmente e dando-lhe primazia sobre o produto da arrematação para satisfazer sua dívida.
A constituição da hipoteca pode dar-se por meio de contrato (convencional), pela lei (legal) ou por sentença (judicial) e, desde então, já tem validade inter partes como um direito pessoal.
Por sua vez, é certo que, nos termos do art. 1.227 do Código Civil, só se dá a constituição de um direito real após a sua inscrição no cartório de registro de imóveis da circunscrição imobiliária competente.
Assim é que a inscrição da hipoteca que foi constituída de modo convencional, legal ou judicial confere a ela a eficácia de direito real oponível erga omnes.
Nesse sentido, confiram-se as lições de Carlos Roberto Gonçalves:
“A validade da hipoteca depende, além do preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos já estudados, a observância concernente à forma de sua constituição. Envolve este o título constitutivo, a especialização e o registro noCartório de Registro de Imóveis.
Constitui-se a hipoteca por força de contrato, na hipoteca convencional; por disposição legal, na hipoteca legal; e por sentença, na hipoteca judicial. O contrato, a lei e a sentença representam, portanto, o título ou documento que perpetua a declaração de vontade das partes e serve de suporte e fundamento para incidência do ônus real.
Como o direito real surge com o registro no Cartório de Registro de Imóveis, há necessidade da existência de um instrumento escrito, cuja forma pode variar conforme a espe´cie de hipoteca, que possa ser registrado.
A espécie de hipoteca mais comum é a convencional: resulta do acordo de vontades entre o credor hipotecário, que recebe a garantia real, e quem a outorga, que pode ser o devedor principal ou terceiro hipotecante. A hipoteca é, portanto, um contrato solene, que exige também a participação das testemunhas instrumentárias.
[…]
Somente com o registro da hipoteca nasce o direito real. Antes dessa providência o aludido gravame não passará de um crédito pessoal, por subsistente apenas inter partes; depois do registro, vale erga omnes. Por essa razão, salienta Caio Mario da Silva Pereira que o registro é o momento culminante da hipoteca e que o título e a especialização são os elementos preparatórios ou causais. O registro, aduz, é a operação geradora do direito real.
O registro é, assim, indispensável á validade da hipoteca em relação a terceiros. Embora se afirme que vale entre as partes, independentemente desse registro, em realidade o seu valor é praticamente nenhum, como assevera Orlando Gomes, porque não assegura o direito de preferência na execução. O registro é necessário, destarte, para valer entre as partes e terceiros como direito real. Daí a peremptória proclamação de Lacerda de Almeida: ‘No direito atual, hipoteca não registrada é hipoteca não existente.’
O registro confere a indispensável publicidade à hipoteca. A partir da sua efetivação todos terão ciência de que o bem especificado está suejto ao ônus hipotecário. Desse modo, se alguém tiver interesse em sua aquisição, ou em recebê-lo em subipoteca, poderá consultar o cartório respectivo para cientificar-se da existência do aludido ônus real.” (Direito Civil brasileiro, vol. V, 4ª ed., p. 575-577.)
Na mesma linha, a doutrina de Caio Mário da Silva Pereira:
“Além da observância dos requisitos objetivos e subjetivos que foram estudados no parágrafo anterior, a validade da hipoteca na sua função específica de direito real de garantia está na dependência da apuração de condições de forma, que dizem respeito a três momentos significativos na sua vida: o título ou instrumento gerador; especialização; inscrição no registro. Reunindo-os num só parágrafo, soba a epígrafe única das formalidades necessárias a esta garantia, estudamos o assunto com mais acurado espírito de sistema, porque enfeixamos um ao lado do outro os fatores componentes de sua concretização externa. E é nesta ordem que os desenvolveremos: título, especialização, inscrição.
I. Título. Constitui-se a hipoteca por força de contrato (hipoteca convencional) ou decorre do mandamento da lei (hipoteca legal ou judicial, a que destinamos o nº 361, infra). Em qualquer dos casos haverá um documento, ou instrumento, que perpetua a declaração de vontade das partes ou que materializa a incidência do ônus em determinado objeto.
[…]
II. Especialização. A hipoteca, como temos inúmeras vezes dito e repetido, é um ônus real incidente sobre coisa imóvel, para segurança de determinada dívida. Cumpre, então, se caracterizem uma e outra. Eis o que se designa pelo vocábulo especialização. Ao contrário de nosso antigo direito que admitia as ‘hipotecas gerais’, toda hipoteca tem de ser especializada, para que se determine o bem separado do patrimônio, e o débito que se destina a garantir; para que se identifique o patrimônio de que foi destacado e em favor de quem o foi. No contrato especializa-se a hipoteca em benefício do credor; na inscrição especializa-se no interesse de terceiros, como fato de publicização, podendo suprir-se a falta, mediante nova escritura.
[…]
III. Inscrição. Antes da inscrição, o nosso direito anterior exigia a prenotação da hipoteca, para o fim de: a) determinar a ordem cronológica de entrada dos títulos e sua propriedade; b) conceder tempo ao oficial e às pares para as diligências que se tornem necessárias: c) permitir ao cartório atender ao serviço num ritmo razoável de trabalho. Funcionava a prenotação como uma espécie de ‘inscrição provisória’, para tal arte que, efetuada em caráter definitivo, retroagiam os efeitos à data em que foi prenotado o instrumento apresentado. No sistema atual dos Registros Públicos, todos os títulos apresentados ao oficial são diariamente anotados no Protocolo (Livro n. 1), que é o livro-chave do registro geral, na ordem cronológica da entrada. Desta sorte, não ocorrerá a inversão da ordem de inscrição hipotecária. Apresentados dois títulos versando sobre um mesmo imóvel, ou decidida dúvida pelo juiz, a inscrição retroage ao momento da prenotação, assegurando a prioridade do que primeiro se apresentou a resgistro; prior in tempore, melior in jure (Código Civil, arts. 1.493 e segs., e Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973).
O registro é o momento culminante da hipoteca. O título e a especialização, os elementos preparatórios ou causais. A inscrição é a operação geradora do direito real. O elemento constitutivo do direito de hipoteca, propriamente dito. Enquanto não inscrita, a hipoteca não passa de crédito pessoal, porque subsistente apenas inter partes. Depois de inscrita, vale erga omnes:direito real. O Código Civil de 1916 o dizia (art. 848), em termos que mereceram censura dos doutos, ao proclamar que as hipotecas ‘somente valem contra terceiros’ desde a data da inscrição; então naõ existe hipoteca (direito real de garantia) antes da inscrição, pois que a sua utilidade econômica e jurídica está na oponibilidade aos credores (terceiros). Esta, alias, a proclamação enfática de Lacerda de Almeida: hipoteca não registrada é hipoteca não existente. Por tal razão, o dispositivo não encontra correspondente no Código de 2002.
Direito real que é opõe-se aos credores quirografários do devedor, como aos terceiros adquirentes; opõe-se, ainda, a outro credor, dito hipotecário, qua não haja registrado o título, e bem a sim a quem tenha adquirido sobre o bem gravado um outro direito real.
[…]
Com a inscrição começa a hipoteca a produzir seus efeitos, que somente vêm a cessar com seu cancelamento.
Uma vez realizada a inscrição, produz logo os seus efeitos, gerando o ônus real; e torna público o vínculo, no sentido de fazê-lo conhecido, ensejando a quem tenha interesse no imóvel ou na situação econômica do proprietário tomar ciência do gravame que o atinge, e bem assim na obrigação a que está submetido. E, como o registro se realiza no município sede do bem hipotecado, tudo isto se obtém a uma simples inspeção ocular, independentemente de investigações complexas ou demoradas.” (Instituições de Direito Civil, vol. IV, 20ª ed., p. 323-328.)
Interpretando o art. 1.492 do Código Civil de 2002, caminha no mesmo sentido a obra de Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes:
“A inscrição consiste na declaração do vínculo hipotecário, inserta em livros próprios existentes no RGI e que visa não somente a tornar pública a hipoteca, mas principalmente conferir-lhe eficácia como direito real (Carvalho Santos, Código Civil, p. 445). De fato, ausente a inscrição, não adquiret o credor direito real pro lhe faltarem os efeitos erga omnes característicos desse espécie de relação jurídica. Apesar de permanecerem vinculados entre si credor e devedor, afirma-se a inutilidade da hipoteca não registrada, vez que não possui o condão de atribuir ao credor direito de preferência no momento da execução (Orlando Gomes, Direitos Reais, p. 416).” (Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. III, 2011, p. 948.)
Consectariamente, se a ausência de registro da hipoteca não a torna inexistente, mas apenas válida inter partes como crédito pessoal, impõe-se a aplicação do disposto no art. 3º, V, da Lei n. 8.009⁄90 à espécie para se reconhecer a validade da penhora incidente sobre o bem de família de propriedade dos recorridos.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial.
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2014⁄0077399-4
PROCESSO ELETRÔNICO
REsp 1.455.554 ⁄ RN
PAUTA: 14⁄06⁄2016
JULGADO: 14⁄06⁄2016
SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE: V R DE A
ADVOGADO: CÍCERO AUGUSTO ALMEIDA E OUTRO(S)
RECORRIDO: J P DE S
RECORRIDO: B P DA C
ADVOGADO: ANDRÉ CAVALCANTI DE OLIVEIRA E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Obrigações – Espécies de Contratos – Compra e Venda
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.
Fonte: STJ