STJ: Recurso Especial – Civil – Família – Anulação de atos jurídicos – Bens adquiridos após a separação de fato por um dos cônjuges – Simulação lesiva à partilha – Incidência da Súmula 83⁄STJ – Fundamento inatacado – Óbice da Súmula 283⁄STF – Recurso não conhecido
RECURSO ESPECIAL Nº 678.790 – PR (2004⁄0100936-0)
RELATOR: MINISTRO RAUL ARAÚJO
RECORRENTE: PATRÍCIA MARIA VIRMOND PORTELA
ADVOGADO: RAFAEL BOFF ZARPELON E OUTRO
RECORRIDO: AGOSTINHO RODRIGUES FERREIRA NETO E OUTROS
ADVOGADO: SIMONE DACOREGIO MIKETEN
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. FAMÍLIA. ANULAÇÃO DE ATOS JURÍDICOS. BENS ADQUIRIDOS APÓS A SEPARAÇÃO DE FATO POR UM DOS CÔNJUGES. SIMULAÇÃO LESIVA À PARTILHA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83⁄STJ. FUNDAMENTO INATACADO. ÓBICE DA SÚMULA 283⁄STF. RECURSO NÃO CONHECIDO.
1. O aresto recorrido está em sintonia com a jurisprudência desta Corte, firmada no sentido de que a separação de fato põe fim ao regime matrimonial de bens. Precedentes.
2. A Corte local entendeu não restar configurada a simulação lesiva, além de não poder ser invocada pela autora, que dela tinha conhecimento há nove anos. Contra o último fundamento não se insurge a recorrente, o que atrai o óbice da súmula 283⁄STJ.
3. Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 10 de junho de 2014 (Data do Julgamento).
MINISTRO RAUL ARAÚJO
Relator
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2004⁄0100936-0
PROCESSO ELETRÔNICO
REsp 678.790 ⁄ PR
Números Origem: 10732000 1328821
PAUTA: 05⁄06⁄2014
JULGADO: 05⁄06⁄2014
Relator
Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS
Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Adiado por indicação do Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO: Cuida-se de recurso especial interposto por PATRÍCIA MARIA VIRMOND PORTELA, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, em face de acórdão do eg. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – TJ-PR, assim ementado:
“ATO JURÍDICO. AÇÃO DE ANULAÇÃO. SIMULAÇÃO. BENS ADQUIRIDOS APÓS A SEPARAÇÃO DE FATO, COM RECURSOS PRÓPRIOS. INCOMUNICABILIDADE. FALTA DE INTERESSE DO OUTRO CÔNJUGE NO DESFAZIMENTO DA TRANSAÇÃO. CARÊNCIA DA AÇÃO. MICRO-EMPRESA FORMADA EM NOME DOCUNHADO DA AUTORA. SITUAÇÃO CONHECIDA DE LONGA DATA. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO – E PROVA – DO PROPÓSITO DE ENGANAR TERCEIROS, OU FRAUDAR A LEI. SIMULAÇÃO INOCENTE. IMPROCEDÊNCIA. RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.
1.”O cônjuge casado, qualquer que seja o regime de comunhão, universal ou parcial, separado de fato, pode adquirir bens, com esforço próprio, e formar novo patrimônio, o qual não se integra à comunhão, e sobre o qual o outro cônjuge não tem direito à meação.”
2.”Não tem a mulher interesse de agir para propor ação de anulação de ato jurídico, por simulação do marido, em verificando que, ainda que procedente a ação, não teria nenhum benefício com a decisão, por estar separada de fato.”
3.”Terceiros de boa-fé, adquirentes de bens, ainda que tenham em sua origem o vício da simulação, se não incluídos na relação processual, não podem ser atingidos por eventual sentença anulatória.”
4.”Ex vi do art. 103 do Código Civil de 1916, a simulação para invalidar o ato jurídico exige a prova da intenção de enganar terceiros, ou violar regra jurídica, que, como vício de vontade, não pode ser presumida, pelo que deve ser provada, cabalmente, pelo autor da demanda.”(fls. 454⁄455)
Opostos embargos de declaração, restaram rejeitados, nos termos do acórdão de fls. 482⁄491.
Aponta a recorrente, em suas razões, violação aos: arts. 334, II, e 348 do Código de Processo Civil; e arts. 1º, 2º, 3º e 8º da Lei 6.015⁄77; bem como dissídio jurisprudencial.
Diz que apenas quatro meses depois da separação de fato, o primeiro requerido, seu ex-marido, adquiriu dois veículos em nome da mãe, um GM Corvette e um Ford Fiesta, de modo a excluí-los da partilha.
Afirma não ser o período de 120 dias suficiente para elidir a comunicabilidade de bens, permanecendo a presunção de que os bens foram adquiridos por esforço comum do casal. Daí seu interesse em ver anuladas as aquisições simuladas dos dois automóveis.
Lembra que de acordo com o art. 3º da Lei 6.015⁄77, somente a separação judicial põe fim ao regime de bens. Assim, não é possível admitir que a separação de fato por alguns poucos meses gere o mesmo efeito.
Ressalta não ter existido separação cautelar, assim não há como determinar a retroação da sentença de separação judicial no que concerne ao regime de bens.
Salienta que somente os bens adquiridos após prolongada separação de fato estão excluídos da partilha, diversamente do considerado pelo Tribunal a quo, que não reconheceu a comunhão de bens, ” pouco importando, para isso, qual o tempo de separação. “
Assevera que o fato de os veículos terem sido vendidos logo após a citação para responder à presente ação, não traz qualquer óbice para a pretensão, pois a partilha pode se dar em relação aos valores, nos termos do art. 1.676 do Código Civil de 1916, não prejudicando, ademais, os terceiros adquirentes.
Cita como paradigma acórdão desta Corte, da relatoria do saudoso Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO – Resp 40.785⁄RJ, e julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – AC 000.250.298-7⁄00, para os quais, segundo afirma, somente a longa separação de fato é que autoriza a incomunicabilidade, a qual sequer ocorre se o patrimônio comum estiver sendo administrado exclusivamente pelo cônjuge que adquiriu bens.
Não fosse isso, teria o primeiro recorrido, também, constituído firma individual, a Loja D´Agostini Antiguidades, em nome do terceiro recorrido, a qual sempre esteve, porém, sob sua administração, integrando, assim, os bens do casal a serem partilhados, nos termos do art. 8º da Lei 6.515⁄77.
Ressalta militar em seu favor a presunção do esforço comum, cabendo ao recorrido comprovar que os bens foram adquiridos por seu trabalho exclusivo.
Sustenta, ademais, ter o acórdão desconsiderado questões confessas e incontroversas, conforme se verifica da singela leitura dos depoimentos pessoais dos recorridos. Ressalta ter seu ex-cônjuge confirmado que a firma foi constituída em nome de seu irmão, pois possuía débitos decorrentes de outros negócios, além de dizer que participa dos prejuízos da empresa, o que não ocorre com um mero empregado, que também não firma contrato de locação. Na realidade, o proprietário que consta dos registros, Sr. Benjamin, é que é o verdadeiro funcionário. Entende restar configurada de forma clara a simulação lesiva.
Requer seja o recurso provido para reconhecer a simulação realizada na constituição da Loja D´Agostini, para declarar seu interesse na declaração de nulidade dos negócios reclamados, de modo que os bens pertencentes ao primeiro recorrido integrem a futura partilha.
Contrarrazões às fls. 544⁄555. Sustentam os recorridos demandar o conhecimento do recurso a análise do conteúdo fático-probatório da demanda, o que esbarra no óbice da súmula 07⁄STJ. Dizem carecer os dispositivos legais apontados como violados do indispensável prequestionamento. Entendem que se os bens foram adquiridos após a separação de fato, não devem integrar a partilha. Citam doutrina em abono a sua tese. Afirmam possuir a requerida um Jardim de Infância, que lhe confere renda, tendo adquirido um veículo e colocado em nome de sua irmã. Assinalam não estar configurado o dissídio, dada a ausência de confronto analítico entre os casos, além de trataram-se de casos sem semelhança com o presente. Não fosse isso, a orientação adotada pela Corte local está em consonância com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, o que atrai a incidência da súmula 83⁄STJ. Requerem seja negado seguimento ao recurso.
O recurso ascendeu a esta Corte por força de juízo positivo de admissibilidade proferido pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (fls. 557⁄561).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (RELATOR): Colhe-se dos autos que por Patrícia Maria Virmond Portela foi promovida ação anulatória de ato jurídico, com pedido liminar de bloqueio de bens, em face de Agostinho Rodrigues Ferreira Netto e outros (que são a mãe e um irmão do primeiro), afirmando ser casada com o primeiro requerido pelo regime de comunhão parcial de bens desde 1988, tendo o varão abandonado o lar conjugal em 26 de janeiro de 2000. Afirma a autora ter o marido adquirido bens em nome de terceiras pessoas, a mãe e o irmão, buscando excluir tais bens da futura partilha na separação. Requereu, assim, a declaração de nulidade por simulação, da compra de dois veículos, bem como do ato constitutivo da firma individual D´Agostini Antiguidades.
Os pedidos foram julgados procedentes, em 1º grau, para ” DECLARAR ANULADO, pelo vício da simulação, o contrato social da empresa Benjamin Ferreira Júnior Antigüidades, para que passe a constar como único proprietário Agostinho Ferreira Neto, bem como para declarar que a aquisição dos veículos Ford Fiesta e Corvette, descritos às fls. 39 e 40, foi efetuada por este, sendo, pois, os veículos (ou os valores por ele pagos, devidamente corrigidos, caso haja a impossibilidade de reavê-los, por já alienados a terceiros), sujeitos à oportuna partilha de bens. Oportunamente, oficie-se à Junta Comercial do Estado.” (fl. 372) Os honorários advocatícios foram fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais), com fundamento no art. 20, § 4º, do CPC.
Interposta apelação, foi provida pelo egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, conforme se vê da ementa supra transcrita.
Prossegue-se no exame do recurso especial.
I – Da violação aos arts. 1º, 2º, III, 3º e 8º da Lei 6.515⁄77 – existência de dissídio jurisprudencial em relação ao Resp 40.785⁄RJ, da relatoria do Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, e a julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – AC 000.250.298-7⁄00.
Os dispositivos da Lei n. 6.515⁄77 tidos por violados têm a seguinte redação, in verbis:
Art 1º – A separação judicial, a dissolução do casamento, ou a cessação de seus efeitos civis, de que trata a Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977, ocorrerão nos casos e segundo a forma que esta Lei regula.
Art 2º – A Sociedade Conjugal termina:
I – pela morte de um dos cônjuges;
Il – pela nulidade ou anulação do casamento;
III – pela separação judicial;
IV – pelo divórcio.
Parágrafo único – O casamento válido somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio.
Art 3º – A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação, fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens, como se o casamento fosse dissolvido.
§ 1º – O procedimento judicial da separação caberá somente aos cônjuges, e, no caso de incapacidade, serão representados por curador, ascendente ou irmão.
§ 2º – O juiz deverá promover todos os meios para que as partes se reconciliem ou transijam, ouvindo pessoal e separadamente cada uma delas e, a seguir, reunindo-as em sua presença, se assim considerar necessário.
§ 3º – Após a fase prevista no parágrafo anterior, se os cônjuges pedirem, os advogados deverão ser chamados a assistir aos entendimentos e deles participar.
Art 8º – A sentença que julgar a separação judicial produz seus efeitos à data de seu trânsito em julgado, ou à da decisão que tiver concedido separação cautelar
Como se vê dos artigos acima reproduzidos, a separação judicial põe fim à sociedade conjugal e ao regime matrimonial de bens. Porém, quando houver separação cautelar de corpos, é desde essa decisão que se tem como encerrado o regime matrimonial de bens.
No caso em debate, não houve separação cautelar, porém a Corte local entendeu estar findo o regime matrimonial de bens com a separação de fato, razão pela qual a recorrente não teria interesse em anular a compra de dois veículos feita pelo ex-marido. Confira-se o seguinte trecho do aresto recorrido, verbis:
“Como consta, na cronologia dos acontecimentos, a separação de fato do casal se deu em 26 de janeiro de 2000 e as aquisições dos veículos em 18 e 26 de maio de 2.000, respectivamente, isto é, quatro meses da separação.
Ora, isso faz com que a autora perca a necessidade e utilidade de postular o decreto de anulabilidade dos negócios referidos, porque, ainda que procedente, nenhum benefício lhe traria.
Entendem alguns, é verdade, que a comunhão de bens só termina com a morte de um dos cônjuges, com a anulação do casamento, com a separação judicial ou com o divórcio, razão porque a separação de fato, por mais prolongada que seja, não tem o condão de por fim à comunhão. Contudo a orientação jurisprudencial mais recente – e mais justa, diga-se – para evitar enriquecimento sem causa, tem-se caminhado no sentido de que, após o afastamento de um dos cônjuges do lar conjugal, passam a formar eles patrimônio distinto daquele construído durante o casamento, com vida em comum.
Assim, os bens adquiridos após a separação de fato do casal não se comunicam, pertencendo exclusivamente àquele que comprovou sua aquisição.
(…)
Ora, repugna o Direito reconhecer a comunhão de bens entre o casal, e atribuir a metade a outro cônjuge, que nada contribuiu, pouco importando, para isso, qual o tempo da separação. E das duas, uma: a separação de fato torna os bens incomunicáveis ou comunicáveis, não havendo espaço jurídico – por ser uma conclusão injurídica – para se declarar que uma separação temporal maior deva ser interpretada de forma diversa de uma separação recente.”(fls. 457⁄458)
Afirma a recorrente, porém, que somente após prolongada separação de fato, e não uma curta separação de quatro meses, é que cessaria o regime matrimonial de bens, nos termos do REsp 40.785⁄RJ, relator o saudoso Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, acórdão ora trazido como paradigma. Confira-se a ementa do referido julgado:
Divórcio direto. Separação de fato. Partilha de bens.
1. Não integram o patrimônio, para efeito da partilha, uma vez decretado o divórcio direto, os bens havidos após a prolongada separação de fato.
2. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 40785⁄RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19⁄11⁄1999, DJ 05⁄06⁄2000, p. 152)
Também aponta a existência de divergência em relação a acórdão do eg. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, segundo o qual: ” Os bens adquiridos com os rendimentos auferidos do patrimônio comum do casal, após a separação de fato, devem ser incluídos no acervo a ser partilhado, notadamente se a posse e a administração dos bens do casal permaneceram com o cônjuge que os adquiriu, vez que devem ser tidos como frutos do patrimônio existente na constância da sociedade conjugal.” (fl. 503). O aresto está assim resumido:
CAUTELAR. SEQUESTRO DE BENS ADQUIRIDOS APÓS A SEPARAÇÃO DE CORPOS. Os bens adquiridos com os rendimentos auferidos do patrimônio comum do casal, após a separação de fato, devem ser incluídos no acervo a ser partilhado, notadamente se a posse e a administração dos bens do casal permaneceram com o cônjuge que os adquiriu, mas que devem ser tidos como frutos do patrimônio existente na constância da sociedade conjugal. (fl. 532)
Resta configurado o dissídio jurisprudencial na hipótese.
É certo que a jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que a separação de fato põe fim ao regime de bens, consoante se verifica do seguinte trecho do voto do ilustre Ministro LUÍS FELIPE SALOMÃO, no julgamento do Resp 555.771⁄SP, verbis:
” A separação de fato caracteriza-se tanto pela existência de elemento subjetivo, quanto de elemento objetivo. “O elemento objetivo é a própria separação, passando os cônjuges a viver em tetos distintos, deixando, por outras palavras, de cumprir o dever de coabitação, no mais amplo sentido da expressão. O elemento subjetivo é o animus de dar como encerrada a vida conjugal, comportando-se como se o vínculo matrimonial fosse dissolvido” (GOMES, Orlando. Direito de Família. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 25).
Nesse contexto, sua configuração implica o fim do affectio maritalis entre os cônjuges, que passam a se portar como se casados não fossem. Logo, mostra-se desprovido de bom senso mantê-los vinculados pelo regime patrimonial, quando desejosos de romper todas as relações próprias da vida conjugal.“
Faz-se menção, também, aos seguintes julgados:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. INTIMAÇÃO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. SEPARAÇÃO DE FATO. DEVERES CONJUGAIS. COMUNHÃO DE BENS. EFEITOS. SÚMULA 83⁄STJ. ART. 535, CPC. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. EMBARGOS. FINALIDADE DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 98⁄STJ.
1. Admite-se efetivada a intimação e iniciado o prazo para interposição do recurso cabível, desde que demonstrada a ciência inequívoca da decisão pela parte interessada, hipótese que não se verificou no caso presente.
2. Não configura violação ao art. 535 do CPC a decisão que examina, de forma fundamentada, todas as questões submetidas à apreciação judicial, o que afasta a negativa de prestação jurisdicional.
3. Os embargos de declaração opostos com a finalidade de prequestionamento não são protelatórios (Súmula 98⁄STJ).
4. Constatada a separação de fato, cessam os deveres conjugais e os efeitos da comunhão de bens.
5. Agravo regimental provido.
(AgRg no REsp 880.229⁄CE, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 07⁄03⁄2013, DJe 20⁄03⁄2013)
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE FAMÍLIA. DIVÓRCIO DIRETO. SEPARAÇÃO DE FATO. PARTILHA DE BENS.
1. O conjunto de bens adquiridos por um dos cônjuges, após a separação de fato, não se comunica ao outro, não podendo, por isso, ser partilhado. Precedentes.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no Ag 682.230⁄SP, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 16⁄06⁄2009, DJe 24⁄06⁄2009)
CASAMENTO. COMUNHÃO DE BENS. PARTILHA. BENS ADQUIRIDOS DEPOIS DA SEPARAÇÃO DE FATO. ADQUIRIDO O IMOVEL DEPOIS DA SEPARAÇÃO DE FATO, QUANDO O MARIDO MANTINHA CONCUBINATO COM OUTRA MULHER,ESSE BEM NÃO INTEGRA A MEAÇÃO DA MULHER, AINDA QUE O CASAMENTO, QUE DUROU ALGUNS MESES, TIVESSE SIDO REALIZADO SOB O REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL. PRECEDENTES. RECURSO NÃO CONHECIDO.
(REsp 140.694⁄DF, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 13⁄10⁄1997, DJ 15⁄12⁄1997, p. 66430)
Veja-se, ainda, lição de Euclides Benedito de Oliveira, verbis:
” Considera-se igualmente inaplicável o regime de comunhão de bens entre os cônjuges desde que cessada a vida em comum, com a separação de fato, pela curial razão de que a regra da comunicação, com presunção de colaboração na formação do patrimônio comum, somente tem lugar com a efetiva convivência dos cônjuges.”(Separação de Fato e Cessação do Regime de Bens no Casamento in: Doutrinas Essenciais – Famílias e Sucessões. Organizadores: Yussef Said Cahali e Francisco José Cahali. Vol. V. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 320)
É possível, porém, mormente no caso em que a separação se deu há tão pouco tempo, que não mais vigendo a presunção legal de que os bens são adquiridos por esforço comum, possa o interessado demonstrar tal fato, isto é, comprovar que os bens adquiridos o foram com valores decorrentes do esforço comum.
Na hipótese dos autos, alega a recorrente que os veículos foram adquiridos pelo cônjuge varão, mas em nome da mãe e do irmão daquele. A Corte local afirmou, porém, não ter a autora comprovado a simulação na aquisição dos referidos bens, como se observa do seguinte trecho do voto condutor do acórdão, in verbis:
” É a autora, portanto, carecedora do direito de postular a simulação na compra dos veículos, por ausência do interesse de agir. Tivesse esse interesse, declaração que se faz ad argumentandum tantum, a ação haveria de ser julgada improcedente por falta de prova de simulação invalidante, ônus que compete, sempre, ao autor.” (fl. 461)
A recorrente, porém, não apresenta irresignação quanto ao ponto.
II – Da violação aos arts. 334, II, e 348 do Código de Processo Civil – A desconsideração de fatos confessos – simulação na constituição da firma individual D´Agostini Antiguidades.
Sustenta a recorrente ter o acórdão desconsiderado questões confessas e incontroversas, tendo seu ex-cônjuge confirmado que a firma D´Agostini foi constituída em nome de seu irmão, pois possuía débitos decorrentes de outros negócios, além de dizer que participa dos prejuízos da empresa, o que não ocorre com um mero empregado. Assinala estar explícito o elemento ilícito, consubstanciado na intenção de furtar-se a obrigações anteriormente contraídas. Entende restar configurada de forma clara a simulação lesiva.
Como se vê do aresto recorrido, a Corte local entendeu não restar configurada a simulação lesiva, além de não poder ser invocada pela autora, que dela tinha conhecimento há nove anos. Confira-se:
” Ora, a micro-empresa foi formada em 1991, segundo informa, na inicial, a própria autora, que entende haver simulação porque, a seu ver, Agostinho nunca foi empregado do seu irmão Benjamin. Só por isso.
Onde a ilicitude dos réus? Onde o prejuízo da autora, ou de outrem?
A peça vestibular, neste item, é falha, mutilada, por inferir ocorrer simulação no ato jurídico sem eiva de ilicitude, e sem reclamar de eventual desejo dos demandados em prejudicá-la, ou, então, de fraudar a lei.
Houvesse simulação ilícita e lesiva à autora, porque o silêncio de nove anos?
Aliás, o principal característico da simulação está em ser conhecida de outra parte contratante, mas ignorada por terceiro lesado. Ora, se a autora, que se diz terceiro, conhecia, por quase dois lustros, a existência do contrato social – que diz com declaração enganosa da verdade – entre Agostinho e Benjamin, não pode invocar simulação invalidante do ato jurídico.”
A recorrente, porém, não se insurge contra o argumento de que não pode invocar a simulação por ter dela conhecimento, buscando tão-somente demonstrar ter o varão confessado ser proprietário da loja. Nesse contexto, o fundamento permanece inatacado, incidindo, na espécie, a súmula 283⁄STF.
Ante o exposto, não conheço do recurso especial.
É o voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2004⁄0100936-0
PROCESSO ELETRÔNICO
REsp 678.790 ⁄ PR
Números Origem: 10732000 1328821
PAUTA: 05⁄06⁄2014
JULGADO: 10⁄06⁄2014
Relator
Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. LUCIANO MARIZ MAIA
Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Quarta Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.
Fonte: DJE-SP
RECURSO ESPECIAL Nº 678.790 – PR (2004⁄0100936-0)
RELATOR: MINISTRO RAUL ARAÚJO
RECORRENTE: PATRÍCIA MARIA VIRMOND PORTELA
ADVOGADO: RAFAEL BOFF ZARPELON E OUTRO
RECORRIDO: AGOSTINHO RODRIGUES FERREIRA NETO E OUTROS
ADVOGADO: SIMONE DACOREGIO MIKETEN
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. FAMÍLIA. ANULAÇÃO DE ATOS JURÍDICOS. BENS ADQUIRIDOS APÓS A SEPARAÇÃO DE FATO POR UM DOS CÔNJUGES. SIMULAÇÃO LESIVA À PARTILHA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83⁄STJ. FUNDAMENTO INATACADO. ÓBICE DA SÚMULA 283⁄STF. RECURSO NÃO CONHECIDO.
1. O aresto recorrido está em sintonia com a jurisprudência desta Corte, firmada no sentido de que a separação de fato põe fim ao regime matrimonial de bens. Precedentes.
2. A Corte local entendeu não restar configurada a simulação lesiva, além de não poder ser invocada pela autora, que dela tinha conhecimento há nove anos. Contra o último fundamento não se insurge a recorrente, o que atrai o óbice da súmula 283⁄STJ.
3. Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 10 de junho de 2014 (Data do Julgamento).
MINISTRO RAUL ARAÚJO
Relator
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2004⁄0100936-0
PROCESSO ELETRÔNICO
REsp 678.790 ⁄ PR
Números Origem: 10732000 1328821
PAUTA: 05⁄06⁄2014
JULGADO: 05⁄06⁄2014
Relator
Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS
Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Adiado por indicação do Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO: Cuida-se de recurso especial interposto por PATRÍCIA MARIA VIRMOND PORTELA, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, em face de acórdão do eg. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – TJ-PR, assim ementado:
“ATO JURÍDICO. AÇÃO DE ANULAÇÃO. SIMULAÇÃO. BENS ADQUIRIDOS APÓS A SEPARAÇÃO DE FATO, COM RECURSOS PRÓPRIOS. INCOMUNICABILIDADE. FALTA DE INTERESSE DO OUTRO CÔNJUGE NO DESFAZIMENTO DA TRANSAÇÃO. CARÊNCIA DA AÇÃO. MICRO-EMPRESA FORMADA EM NOME DOCUNHADO DA AUTORA. SITUAÇÃO CONHECIDA DE LONGA DATA. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO – E PROVA – DO PROPÓSITO DE ENGANAR TERCEIROS, OU FRAUDAR A LEI. SIMULAÇÃO INOCENTE. IMPROCEDÊNCIA. RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.
1.”O cônjuge casado, qualquer que seja o regime de comunhão, universal ou parcial, separado de fato, pode adquirir bens, com esforço próprio, e formar novo patrimônio, o qual não se integra à comunhão, e sobre o qual o outro cônjuge não tem direito à meação.”
2.”Não tem a mulher interesse de agir para propor ação de anulação de ato jurídico, por simulação do marido, em verificando que, ainda que procedente a ação, não teria nenhum benefício com a decisão, por estar separada de fato.”
3.”Terceiros de boa-fé, adquirentes de bens, ainda que tenham em sua origem o vício da simulação, se não incluídos na relação processual, não podem ser atingidos por eventual sentença anulatória.”
4.”Ex vi do art. 103 do Código Civil de 1916, a simulação para invalidar o ato jurídico exige a prova da intenção de enganar terceiros, ou violar regra jurídica, que, como vício de vontade, não pode ser presumida, pelo que deve ser provada, cabalmente, pelo autor da demanda.”(fls. 454⁄455)
Opostos embargos de declaração, restaram rejeitados, nos termos do acórdão de fls. 482⁄491.
Aponta a recorrente, em suas razões, violação aos: arts. 334, II, e 348 do Código de Processo Civil; e arts. 1º, 2º, 3º e 8º da Lei 6.015⁄77; bem como dissídio jurisprudencial.
Diz que apenas quatro meses depois da separação de fato, o primeiro requerido, seu ex-marido, adquiriu dois veículos em nome da mãe, um GM Corvette e um Ford Fiesta, de modo a excluí-los da partilha.
Afirma não ser o período de 120 dias suficiente para elidir a comunicabilidade de bens, permanecendo a presunção de que os bens foram adquiridos por esforço comum do casal. Daí seu interesse em ver anuladas as aquisições simuladas dos dois automóveis.
Lembra que de acordo com o art. 3º da Lei 6.015⁄77, somente a separação judicial põe fim ao regime de bens. Assim, não é possível admitir que a separação de fato por alguns poucos meses gere o mesmo efeito.
Ressalta não ter existido separação cautelar, assim não há como determinar a retroação da sentença de separação judicial no que concerne ao regime de bens.
Salienta que somente os bens adquiridos após prolongada separação de fato estão excluídos da partilha, diversamente do considerado pelo Tribunal a quo, que não reconheceu a comunhão de bens, ” pouco importando, para isso, qual o tempo de separação. “
Assevera que o fato de os veículos terem sido vendidos logo após a citação para responder à presente ação, não traz qualquer óbice para a pretensão, pois a partilha pode se dar em relação aos valores, nos termos do art. 1.676 do Código Civil de 1916, não prejudicando, ademais, os terceiros adquirentes.
Cita como paradigma acórdão desta Corte, da relatoria do saudoso Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO – Resp 40.785⁄RJ, e julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – AC 000.250.298-7⁄00, para os quais, segundo afirma, somente a longa separação de fato é que autoriza a incomunicabilidade, a qual sequer ocorre se o patrimônio comum estiver sendo administrado exclusivamente pelo cônjuge que adquiriu bens.
Não fosse isso, teria o primeiro recorrido, também, constituído firma individual, a Loja D´Agostini Antiguidades, em nome do terceiro recorrido, a qual sempre esteve, porém, sob sua administração, integrando, assim, os bens do casal a serem partilhados, nos termos do art. 8º da Lei 6.515⁄77.
Ressalta militar em seu favor a presunção do esforço comum, cabendo ao recorrido comprovar que os bens foram adquiridos por seu trabalho exclusivo.
Sustenta, ademais, ter o acórdão desconsiderado questões confessas e incontroversas, conforme se verifica da singela leitura dos depoimentos pessoais dos recorridos. Ressalta ter seu ex-cônjuge confirmado que a firma foi constituída em nome de seu irmão, pois possuía débitos decorrentes de outros negócios, além de dizer que participa dos prejuízos da empresa, o que não ocorre com um mero empregado, que também não firma contrato de locação. Na realidade, o proprietário que consta dos registros, Sr. Benjamin, é que é o verdadeiro funcionário. Entende restar configurada de forma clara a simulação lesiva.
Requer seja o recurso provido para reconhecer a simulação realizada na constituição da Loja D´Agostini, para declarar seu interesse na declaração de nulidade dos negócios reclamados, de modo que os bens pertencentes ao primeiro recorrido integrem a futura partilha.
Contrarrazões às fls. 544⁄555. Sustentam os recorridos demandar o conhecimento do recurso a análise do conteúdo fático-probatório da demanda, o que esbarra no óbice da súmula 07⁄STJ. Dizem carecer os dispositivos legais apontados como violados do indispensável prequestionamento. Entendem que se os bens foram adquiridos após a separação de fato, não devem integrar a partilha. Citam doutrina em abono a sua tese. Afirmam possuir a requerida um Jardim de Infância, que lhe confere renda, tendo adquirido um veículo e colocado em nome de sua irmã. Assinalam não estar configurado o dissídio, dada a ausência de confronto analítico entre os casos, além de trataram-se de casos sem semelhança com o presente. Não fosse isso, a orientação adotada pela Corte local está em consonância com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, o que atrai a incidência da súmula 83⁄STJ. Requerem seja negado seguimento ao recurso.
O recurso ascendeu a esta Corte por força de juízo positivo de admissibilidade proferido pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (fls. 557⁄561).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (RELATOR): Colhe-se dos autos que por Patrícia Maria Virmond Portela foi promovida ação anulatória de ato jurídico, com pedido liminar de bloqueio de bens, em face de Agostinho Rodrigues Ferreira Netto e outros (que são a mãe e um irmão do primeiro), afirmando ser casada com o primeiro requerido pelo regime de comunhão parcial de bens desde 1988, tendo o varão abandonado o lar conjugal em 26 de janeiro de 2000. Afirma a autora ter o marido adquirido bens em nome de terceiras pessoas, a mãe e o irmão, buscando excluir tais bens da futura partilha na separação. Requereu, assim, a declaração de nulidade por simulação, da compra de dois veículos, bem como do ato constitutivo da firma individual D´Agostini Antiguidades.
Os pedidos foram julgados procedentes, em 1º grau, para ” DECLARAR ANULADO, pelo vício da simulação, o contrato social da empresa Benjamin Ferreira Júnior Antigüidades, para que passe a constar como único proprietário Agostinho Ferreira Neto, bem como para declarar que a aquisição dos veículos Ford Fiesta e Corvette, descritos às fls. 39 e 40, foi efetuada por este, sendo, pois, os veículos (ou os valores por ele pagos, devidamente corrigidos, caso haja a impossibilidade de reavê-los, por já alienados a terceiros), sujeitos à oportuna partilha de bens. Oportunamente, oficie-se à Junta Comercial do Estado.” (fl. 372) Os honorários advocatícios foram fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais), com fundamento no art. 20, § 4º, do CPC.
Interposta apelação, foi provida pelo egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, conforme se vê da ementa supra transcrita.
Prossegue-se no exame do recurso especial.
I – Da violação aos arts. 1º, 2º, III, 3º e 8º da Lei 6.515⁄77 – existência de dissídio jurisprudencial em relação ao Resp 40.785⁄RJ, da relatoria do Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, e a julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – AC 000.250.298-7⁄00.
Os dispositivos da Lei n. 6.515⁄77 tidos por violados têm a seguinte redação, in verbis:
Art 1º – A separação judicial, a dissolução do casamento, ou a cessação de seus efeitos civis, de que trata a Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977, ocorrerão nos casos e segundo a forma que esta Lei regula.
Art 2º – A Sociedade Conjugal termina:
I – pela morte de um dos cônjuges;
Il – pela nulidade ou anulação do casamento;
III – pela separação judicial;
IV – pelo divórcio.
Parágrafo único – O casamento válido somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio.
Art 3º – A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação, fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens, como se o casamento fosse dissolvido.
§ 1º – O procedimento judicial da separação caberá somente aos cônjuges, e, no caso de incapacidade, serão representados por curador, ascendente ou irmão.
§ 2º – O juiz deverá promover todos os meios para que as partes se reconciliem ou transijam, ouvindo pessoal e separadamente cada uma delas e, a seguir, reunindo-as em sua presença, se assim considerar necessário.
§ 3º – Após a fase prevista no parágrafo anterior, se os cônjuges pedirem, os advogados deverão ser chamados a assistir aos entendimentos e deles participar.
Art 8º – A sentença que julgar a separação judicial produz seus efeitos à data de seu trânsito em julgado, ou à da decisão que tiver concedido separação cautelar
Como se vê dos artigos acima reproduzidos, a separação judicial põe fim à sociedade conjugal e ao regime matrimonial de bens. Porém, quando houver separação cautelar de corpos, é desde essa decisão que se tem como encerrado o regime matrimonial de bens.
No caso em debate, não houve separação cautelar, porém a Corte local entendeu estar findo o regime matrimonial de bens com a separação de fato, razão pela qual a recorrente não teria interesse em anular a compra de dois veículos feita pelo ex-marido. Confira-se o seguinte trecho do aresto recorrido, verbis:
“Como consta, na cronologia dos acontecimentos, a separação de fato do casal se deu em 26 de janeiro de 2000 e as aquisições dos veículos em 18 e 26 de maio de 2.000, respectivamente, isto é, quatro meses da separação.
Ora, isso faz com que a autora perca a necessidade e utilidade de postular o decreto de anulabilidade dos negócios referidos, porque, ainda que procedente, nenhum benefício lhe traria.
Entendem alguns, é verdade, que a comunhão de bens só termina com a morte de um dos cônjuges, com a anulação do casamento, com a separação judicial ou com o divórcio, razão porque a separação de fato, por mais prolongada que seja, não tem o condão de por fim à comunhão. Contudo a orientação jurisprudencial mais recente – e mais justa, diga-se – para evitar enriquecimento sem causa, tem-se caminhado no sentido de que, após o afastamento de um dos cônjuges do lar conjugal, passam a formar eles patrimônio distinto daquele construído durante o casamento, com vida em comum.
Assim, os bens adquiridos após a separação de fato do casal não se comunicam, pertencendo exclusivamente àquele que comprovou sua aquisição.
(…)
Ora, repugna o Direito reconhecer a comunhão de bens entre o casal, e atribuir a metade a outro cônjuge, que nada contribuiu, pouco importando, para isso, qual o tempo da separação. E das duas, uma: a separação de fato torna os bens incomunicáveis ou comunicáveis, não havendo espaço jurídico – por ser uma conclusão injurídica – para se declarar que uma separação temporal maior deva ser interpretada de forma diversa de uma separação recente.”(fls. 457⁄458)
Afirma a recorrente, porém, que somente após prolongada separação de fato, e não uma curta separação de quatro meses, é que cessaria o regime matrimonial de bens, nos termos do REsp 40.785⁄RJ, relator o saudoso Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, acórdão ora trazido como paradigma. Confira-se a ementa do referido julgado:
Divórcio direto. Separação de fato. Partilha de bens.
1. Não integram o patrimônio, para efeito da partilha, uma vez decretado o divórcio direto, os bens havidos após a prolongada separação de fato.
2. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 40785⁄RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19⁄11⁄1999, DJ 05⁄06⁄2000, p. 152)
Também aponta a existência de divergência em relação a acórdão do eg. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, segundo o qual: ” Os bens adquiridos com os rendimentos auferidos do patrimônio comum do casal, após a separação de fato, devem ser incluídos no acervo a ser partilhado, notadamente se a posse e a administração dos bens do casal permaneceram com o cônjuge que os adquiriu, vez que devem ser tidos como frutos do patrimônio existente na constância da sociedade conjugal.” (fl. 503). O aresto está assim resumido:
CAUTELAR. SEQUESTRO DE BENS ADQUIRIDOS APÓS A SEPARAÇÃO DE CORPOS. Os bens adquiridos com os rendimentos auferidos do patrimônio comum do casal, após a separação de fato, devem ser incluídos no acervo a ser partilhado, notadamente se a posse e a administração dos bens do casal permaneceram com o cônjuge que os adquiriu, mas que devem ser tidos como frutos do patrimônio existente na constância da sociedade conjugal. (fl. 532)
Resta configurado o dissídio jurisprudencial na hipótese.
É certo que a jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que a separação de fato põe fim ao regime de bens, consoante se verifica do seguinte trecho do voto do ilustre Ministro LUÍS FELIPE SALOMÃO, no julgamento do Resp 555.771⁄SP, verbis:
” A separação de fato caracteriza-se tanto pela existência de elemento subjetivo, quanto de elemento objetivo. “O elemento objetivo é a própria separação, passando os cônjuges a viver em tetos distintos, deixando, por outras palavras, de cumprir o dever de coabitação, no mais amplo sentido da expressão. O elemento subjetivo é o animus de dar como encerrada a vida conjugal, comportando-se como se o vínculo matrimonial fosse dissolvido” (GOMES, Orlando. Direito de Família. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 25).
Nesse contexto, sua configuração implica o fim do affectio maritalis entre os cônjuges, que passam a se portar como se casados não fossem. Logo, mostra-se desprovido de bom senso mantê-los vinculados pelo regime patrimonial, quando desejosos de romper todas as relações próprias da vida conjugal.“
Faz-se menção, também, aos seguintes julgados:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. INTIMAÇÃO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. SEPARAÇÃO DE FATO. DEVERES CONJUGAIS. COMUNHÃO DE BENS. EFEITOS. SÚMULA 83⁄STJ. ART. 535, CPC. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. EMBARGOS. FINALIDADE DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 98⁄STJ.
1. Admite-se efetivada a intimação e iniciado o prazo para interposição do recurso cabível, desde que demonstrada a ciência inequívoca da decisão pela parte interessada, hipótese que não se verificou no caso presente.
2. Não configura violação ao art. 535 do CPC a decisão que examina, de forma fundamentada, todas as questões submetidas à apreciação judicial, o que afasta a negativa de prestação jurisdicional.
3. Os embargos de declaração opostos com a finalidade de prequestionamento não são protelatórios (Súmula 98⁄STJ).
4. Constatada a separação de fato, cessam os deveres conjugais e os efeitos da comunhão de bens.
5. Agravo regimental provido.
(AgRg no REsp 880.229⁄CE, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 07⁄03⁄2013, DJe 20⁄03⁄2013)
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE FAMÍLIA. DIVÓRCIO DIRETO. SEPARAÇÃO DE FATO. PARTILHA DE BENS.
1. O conjunto de bens adquiridos por um dos cônjuges, após a separação de fato, não se comunica ao outro, não podendo, por isso, ser partilhado. Precedentes.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no Ag 682.230⁄SP, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 16⁄06⁄2009, DJe 24⁄06⁄2009)
CASAMENTO. COMUNHÃO DE BENS. PARTILHA. BENS ADQUIRIDOS DEPOIS DA SEPARAÇÃO DE FATO. ADQUIRIDO O IMOVEL DEPOIS DA SEPARAÇÃO DE FATO, QUANDO O MARIDO MANTINHA CONCUBINATO COM OUTRA MULHER,ESSE BEM NÃO INTEGRA A MEAÇÃO DA MULHER, AINDA QUE O CASAMENTO, QUE DUROU ALGUNS MESES, TIVESSE SIDO REALIZADO SOB O REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL. PRECEDENTES. RECURSO NÃO CONHECIDO.
(REsp 140.694⁄DF, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 13⁄10⁄1997, DJ 15⁄12⁄1997, p. 66430)
Veja-se, ainda, lição de Euclides Benedito de Oliveira, verbis:
” Considera-se igualmente inaplicável o regime de comunhão de bens entre os cônjuges desde que cessada a vida em comum, com a separação de fato, pela curial razão de que a regra da comunicação, com presunção de colaboração na formação do patrimônio comum, somente tem lugar com a efetiva convivência dos cônjuges.”(Separação de Fato e Cessação do Regime de Bens no Casamento in: Doutrinas Essenciais – Famílias e Sucessões. Organizadores: Yussef Said Cahali e Francisco José Cahali. Vol. V. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 320)
É possível, porém, mormente no caso em que a separação se deu há tão pouco tempo, que não mais vigendo a presunção legal de que os bens são adquiridos por esforço comum, possa o interessado demonstrar tal fato, isto é, comprovar que os bens adquiridos o foram com valores decorrentes do esforço comum.
Na hipótese dos autos, alega a recorrente que os veículos foram adquiridos pelo cônjuge varão, mas em nome da mãe e do irmão daquele. A Corte local afirmou, porém, não ter a autora comprovado a simulação na aquisição dos referidos bens, como se observa do seguinte trecho do voto condutor do acórdão, in verbis:
” É a autora, portanto, carecedora do direito de postular a simulação na compra dos veículos, por ausência do interesse de agir. Tivesse esse interesse, declaração que se faz ad argumentandum tantum, a ação haveria de ser julgada improcedente por falta de prova de simulação invalidante, ônus que compete, sempre, ao autor.” (fl. 461)
A recorrente, porém, não apresenta irresignação quanto ao ponto.
II – Da violação aos arts. 334, II, e 348 do Código de Processo Civil – A desconsideração de fatos confessos – simulação na constituição da firma individual D´Agostini Antiguidades.
Sustenta a recorrente ter o acórdão desconsiderado questões confessas e incontroversas, tendo seu ex-cônjuge confirmado que a firma D´Agostini foi constituída em nome de seu irmão, pois possuía débitos decorrentes de outros negócios, além de dizer que participa dos prejuízos da empresa, o que não ocorre com um mero empregado. Assinala estar explícito o elemento ilícito, consubstanciado na intenção de furtar-se a obrigações anteriormente contraídas. Entende restar configurada de forma clara a simulação lesiva.
Como se vê do aresto recorrido, a Corte local entendeu não restar configurada a simulação lesiva, além de não poder ser invocada pela autora, que dela tinha conhecimento há nove anos. Confira-se:
” Ora, a micro-empresa foi formada em 1991, segundo informa, na inicial, a própria autora, que entende haver simulação porque, a seu ver, Agostinho nunca foi empregado do seu irmão Benjamin. Só por isso.
Onde a ilicitude dos réus? Onde o prejuízo da autora, ou de outrem?
A peça vestibular, neste item, é falha, mutilada, por inferir ocorrer simulação no ato jurídico sem eiva de ilicitude, e sem reclamar de eventual desejo dos demandados em prejudicá-la, ou, então, de fraudar a lei.
Houvesse simulação ilícita e lesiva à autora, porque o silêncio de nove anos?
Aliás, o principal característico da simulação está em ser conhecida de outra parte contratante, mas ignorada por terceiro lesado. Ora, se a autora, que se diz terceiro, conhecia, por quase dois lustros, a existência do contrato social – que diz com declaração enganosa da verdade – entre Agostinho e Benjamin, não pode invocar simulação invalidante do ato jurídico.”
A recorrente, porém, não se insurge contra o argumento de que não pode invocar a simulação por ter dela conhecimento, buscando tão-somente demonstrar ter o varão confessado ser proprietário da loja. Nesse contexto, o fundamento permanece inatacado, incidindo, na espécie, a súmula 283⁄STF.
Ante o exposto, não conheço do recurso especial.
É o voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2004⁄0100936-0
PROCESSO ELETRÔNICO
REsp 678.790 ⁄ PR
Números Origem: 10732000 1328821
PAUTA: 05⁄06⁄2014
JULGADO: 10⁄06⁄2014
Relator
Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. LUCIANO MARIZ MAIA
Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Quarta Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.
Fonte: DJE-SP