EMENTA
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE TRIBUTO – ITCMD – DOAÇÃO DE IMÓVEL INTER VIVOS – IMPOSTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR DECLARAÇÃO – NECESSIDADE DE PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES DO SUJEITO PASSIVO OU TERCEIRO – ESCRITURA PÚBLICA DE FORMALIZAÇÃO – AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DO IMPOSTO – LEI Nº 8927/88 E INSTRUÇÃO 01/89, DA SECRETARIA DO ESTADO DO PARANÁ – REGISTRO DO IMÓVEL EM DATA POSTERIOR, QUANDO O FISCO TOMOU CONHECIMENTO DA NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DO TRIBUTO – INTELIGÊNCIA DO ART. 173, I, DO CTN – DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA – POSSIBILIDADE DE LANÇAMENTO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO. I – O Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer bens ou direitos, de competência dos Estados e previsto no art. 155, II, da Constituição Federal, é tributo sujeito a lançamento por declaração, o que significa dizer que a autoridade administrativa somente vai constituir o crédito tributário com base nas informações que foram prestadas pelo sujeito passivo ou por terceiro, conforme preceito do art. 147, do CTN. II – Imprescindível distinguir fato gerador e a constituição do crédito tributário referente ao ITCMD, que ocorrem em momentos distintos. Enquanto o primeiro se perfectibiliza quando da transmissão da propriedade ou de quaisquer bens ou direitos, o segundo, ou seja, a constituição do crédito tributário, se dá quando da prestação das informações à autoridade administrativa, pelo sujeito passivo ou terceiro. III – Na prática, tornou-se regra a exigência do pagamento do ITCMD antes da ocorrência do fato gerador, quando da lavratura da escritura de doação, em razão dos tabeliães, escrivães e demais serventuários serem responsáveis pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles ou perante eles. IV – Não tendo sido feito o recolhimento do tributo, nasce para a Fazenda Pública, o direito de realizar o lançamento de ofício, aplicando-se, então, relativamente ao prazo decadencial, o art. 173, I, do CTN. (TJPR – Apelação Cível e Reexame Necessário nº 791574-0 – Curitiba – 1ª Câmara Cível – Rel. Des. Rubens Oliveira Fontoura – DJ 24.11.2011)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 791.574-0, da 3ª Vara da Fazenda Pública, Falências e Concordatas do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba – Pr., em que figura como apelante ESTADO DO PARANÁ e apelados MARIUZA DA CUNHA AJUZ ZALESKI E OUTRO.
ACORDAM os Julgadores integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, dar provimento à apelação, nos termos do voto.
Participaram do julgamento os Srs. Julgadores FERNANDO CÉSAR ZENI e SALVATORE ANTONIO ASTUTI.
Curitiba, 25 de outubro de 2011.
RUBENS OLIVEIRA FONTOURA – Desembargador.
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta da decisão proferida em primeiro grau que julgou procedente o pedido formulado na ação declaratória de inexigibilidade de tributo, cancelando-se o lançamento tributário por reconhecer a decadência do direito do Fisco Estadual de lançar o ITCMD, relativo ao fato gerador doação intervivos, na forma do art. 1º, I, da Lei Estadual nº 8.927/88, garantindo à requerente, ora apelados, com esta inexigibilidade, o direito de efetuar o registro imobiliário independentemente de ITCMD. Condenou o requerido, ora apelante, ao pagamento das custas e despesas processuais, e verba honorária, no valor de R$ 1.200,00 (hum mil e duzentos reais).
Irresignado com a sentença proferida, Estado do Paraná apelou (fls. 132/140) sustentando que o ITCMD no Estado do Paraná seria tributo cujo lançamento seria efetivado por declaração, em procedimento iniciado com a prestação de informações ao Fisco pelo contribuinte (art. 15, caput, Instrução SEFA ITCMD nº 01/89), independentemente se o fato gerador é transmissão por causa mortis ou por ato inter vivos. Alegou que quando a transmissão se realiza por ato de doação entre vivos, mediante a lavratura de escritura pública, o recolhimento do ITCMD inter vivos deve ser efetivado antes da lavratura da escritura (art. 9º, I, da Lei nº 8.927/88). Aduziu que quando nasce a obrigatoriedade de recolhimento do tributo, não existiria, tecnicamente, a escritura pública, que dá publicidade ao ato de doação, não obstante tenha ocorrido o fato gerador do tributo, que é a vontade de doar e receber a doação (ocorrência da hipótese de incidência na esfera dos fatos, que faz nascer para o Fisco o direito de cobrar o tributo gerado). Disse que ainda não existiria publicidade do ato de doação para o sistema jurídico nacional, que o obrigaria a Fazenda Pública a efetuar o lançamento de ofício, pois as informações necessárias para o lançamento de ofício não estavam à disposição do Fisco e nunca estiveram, mesmo depois de lavrada a escritura pública. Pontou que a tese de que as escrituras lavradas em cada um dos tabelionatos do Estado do Paraná geraria publicidade erga omnes, inclusive à Fazenda Pública, seria totalmente inaplicável à realidade, já que seria impossível o acesso da Fazenda Pública a todas as escrituras de doação lavradas em todos os tabeliães do Estado. Destacou a inocorrência da decadência do direito da Fazenda Pública constituir o crédito tributário, sendo que sem declarações ou informações não teria condições de iniciar o procedimento administrativo fiscal de lançamento do tributo, mesmo que de ofício. Sustentou que os autores, ora apelados, teriam adquirido, por doação, um bem imóvel identificado como “fração ideal do solo de 0.0097023 ou 14,47553 m², correspondente ao apartamento sob nº 1304, do tipo B, piso 17/13º andar, do Edifício Maison Maria Illy, localizado nesta Capital, à Av. República Argentina”, lavrada no 1º Tabelionato de Notas de Curitiba, sem que tenha havido o recolhimento do ITCMD. Argumentou que o conhecimento do fato gerador somente veio ao conhecimento da autoridade administrativa pelo lançamento no início de 2008, quando os apelados procuraram a repartição fazendária para recolher o tributo, pois o Registro de Imóveis não teria averbado a escritura, pela falta do seu recolhimento. Pontuou não pretender propugnar pela extinção do crédito tributário, mas simplesmente balizar corretamente a incidência dos institutos da decadência e prescrição, e que somente poderia ter realizado o lançamento com a declaração dos sujeitos passivos, no início de 2008, ao levar a escritura à autoridade competente para a constituição do crédito tributário, quando informou os dados necessários para o início do procedimento de lançamento do tributo. Com isso, e considerando o art. 173, I, do CTN, poderia a Fazenda Pública lançar o crédito tributário no exercício de 2009, com o encerramento do prazo decadencial em 01/01/2014. Pediu, ao final, pela reforma da decisão atacada, reconhecendo-se que o termo inicial para contagem do prazo decadencial não seria a ocorrência do fato gerador, mas o momento em que o sujeito passivo declara ao Fisco a sua ocorrência e ele fornece elementos e informações para lançamento do tributo.
Nas suas contra-razões ao recurso o apelado pediu pelo desprovimento da apelação (fls. 143/150).
A Douta Procuradoria Geral de Justiça deixou de se manifestar por entender não haver interesse que justifique sua intervenção (fls. 159).
É o relatório.
VOTO
Observa-se que a súplica recursal gravita em torno da sentença que julgou procedente o pedido formulado na ação declaratória de inexigibilidade de tributo, cancelando-se o lançamento tributário por reconhecer a decadência do direito do Fisco Estadual de lançar o ITCMD, relativo ao fato gerador doação intervivos, na forma do art. 1º, I, da Lei Estadual nº 8.927/88, garantindo à requerente, ora apelados, com esta inexigibilidade, o direito de efetuar o registro imobiliário independentemente de ITCMD. Condenou o requerido, ora apelante, ao pagamento das custas e despesas processuais, e verba honorária, no valor de R$ 1.200,00 (hum mil e duzentos reais).
Tal controvérsia decorre do fato de os apelados Mariuza da Cunha Ajuz Zaleski e Sérgio Zaleski terem adquirido, em 17 de agosto de 1992, por doação feita por escritura pública, um bem imóvel identificado como “fração ideal do solo de 0.0097023 ou 14,47553 m2, correspondente ao apartamento sob nº 1304, do tipo B, piso 17/13º andar, do Edifício Maison Maria Illy, localizado nesta Capital, à Av. República Argentina”, lavrada no 1º Tabelionato de Notas de Curitiba, sem o efetivo recolhimento do ITCMD (fls. 32/33-TJ).
Em primeiro lugar, insta destacar que o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer bens ou direitos, de competência dos Estados e previsto no art. 155, II, da Constituição Federal, caracteriza-se como tributo que, hodiernamente, é o único sujeito a lançamento por declaração, o que significa dizer que a autoridade administrativa somente vai constituir o crédito tributário com base nas informações que foram prestadas pelo sujeito passivo ou por terceiro, conforme preceito do art. 147, do CTN.
“Art. 147. O lançamento é efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária, presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação.”
No mesmo diapasão, a decisão deste Egrégio Tribunal de Justiça, indicando o lançamento por declaração no ITCMD:
“TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ITCMD. INVENTÁRIO. LANÇAMENTO POR DECLARAÇÃO. FATO GERADOR. EXIGIBILIDADE A PARTIR DA HOMOLOGAÇÃO DO CÁLCULO. SÚMULA 114 DO STF. NÃO OCORRÊNCIA DE DECADÊNCIA. Recurso não provido.” (TJPR, 37865, 1ª Câmara Cível, Rel. Des. Ruy Cunha Sobrinho, DJU 28.07.11)
Com isso, e contrariamente do que entendeu o Magistrado de primeiro grau, a modalidade de lançamento do ITCMD não está atrelada ao ato jurídico ocorrido, já que tanto a transmissão causa mortis como a doação inter vivos deverão ter seus créditos constituídos mediante lançamento por declaração.
Veja-se que a Lei Estadual nº 8.927/88, que trata do Imposto de Transmissão causa mortis e doação, no Estado do Paraná, determina que a base de cálculo deverá ser apurada mediante avaliação dos bens ou direitos doados, mediante a apresentação, pelo contribuinte, do instrumento particular em que se deu a transmissão. Com isso, acabou por transferir o dever da prestação de declarações do tributo.
“Art. 9º. O pagamento do imposto, nas transmissões por ato entre vivos, realizar-se-á:
I – nas transmissões por escritura pública, ou procuração em causa própria, antes de lavrado o respectivo instrumento;
II – nas transmissões por instrumento particular, mediante a apresentação deste à repartição fiscal, dentro de 30 dias
(…)”
“Art. 13. A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos ou o valor do título de crédito, transmitidos ou doados, apurados mediante avaliação procedida pela Fazenda Pública Estadual.”
No mesmo sentido, disciplinando o controle, forma e prazo de pagamento do ITCMD, a Instrução nº 01/89, da Secretaria de Estado da Fazenda, reitera as aludidas disposições:
“Art. 10. O imposto é pago (Lei nº 8.927/88, art. 8º):
(…)
III – dentro de 30 (trinta) dias:
a) nas transmissões por instrumento particular, mediante a apresentação deste à repartição fiscal;
b) da celebração do ato ou contrato, na incorporação de bens ao patrimônio de empresa;
c) da celebração do distrato, na desincorporação de bens do patrimônio de empresa;
d) nas transmissões “causa mortis”, contados da data em que transitar em julgado a sentença homologatória do cálculo ou da partilha amigável.”
“Art. 13. A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos ou o valor do título ou crédito, transmitidos ou doados, apurados mediante avaliação periódica procedida pela Fazenda Pública Estadual. (Lei nº 8.927/88, art. 13).”
Nesse passo, imprescindível que se distinga o fato gerador e a constituição do crédito tributário referente ao ITCMD, que ocorrem em momentos distintos. Enquanto o primeiro se perfectibiliza quando da transmissão da propriedade ou de quaisquer bens ou direitos, o segundo, ou seja, a constituição do crédito tributário, se dá quando da prestação das informações à autoridade administrativa, pelo sujeito passivo ou terceiro.
Assim, se a hipótese for de doação de bem imóvel, o fato imponível se constituirá com a transferência do bem, mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis, consoante o preceito do art. 1.245, §1º, do Código Civil. De outro giro, relativamente aos bens móveis, a tradição será considerada como fato gerador do tributo (art. 1.267, do Código Civil).
No entanto, como bem pontua abalizada doutrina, na prática, tornou-se regra a exigência do pagamento do ITCMD antes da ocorrência do fato gerador, quando da lavratura da escritura de doação, em razão dos tabeliães, escrivães e demais serventuários serem responsáveis pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles ou perante eles. (in PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 10ª ed. rev. atual. – Porto Alegre : Livraria do Advogado. Editora : Esmafe, 2008. p. 339).
Entrementes, percebe-se que no presente desideratum, houve doação do imóvel materializada com a escritura pública de cessão de direitos gratuito, em 17 de agosto de 1992, sem que, contudo, naquele momento fosse realizado o respectivo registro ou recolhido o tributo. Diante desta situação específica, o ente fazendário adotou procedimentos a fim de realizar o lançamento de ofício (notificação fiscal, com vencimento em 31 de janeiro de 2008 – fls. 37-TJ), quando o próprio contribuinte levou ao conhecimento do fisco a necessidade de recolhimento do imposto, por solicitação de emissão de GR-PR para pagamento de ITCMD (fls. 30-TJ).
Diante disso, a regra aplicada para o exame do instituto da decadência tributária é a do art. 173, I, do CTN: “O direito da Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após cinco anos, contados: I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (…)”
Da dicção do referido dispositivo legal, deflui a conclusão de que o prazo decadencial de cinco anos para lançamento do tributo teria como dies a quo a data de 01 de janeiro de 2009, com término do lustro legal em 01 de janeiro de 2014, como salientou o próprio apelante em suas razões recursais.
Confira-se o julgado no mesmo sentido:
“APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. AUTO DE INFRAÇÃO. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO DE QUALQUER NATUREZA (ITCMD). TRANSMISSÃO DE QUOTAS DE CAPITAL SOCIAL MEDIANTE DOAÇÃO. AUSÊNCIA DE DECLARAÇÃO E PAGAMENTO NO PRAZO LEGAL. LANÇAMENTO REALIZADO DE OFÍCIO. PRAZO DECADENCIAL. TERMO INICIAL CONTADO A PARTIR DO PRIMEIRO DIA DO EXERCÍCIO FINANCEIRO SEGUINTE ÀQUELE EM QUE O LANÇAMENTO PODERIA TER SIDO REALIZADO. ART. 173, I DO CTN. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. NÃO APRESENTAÇÃO DE DEFESA ADMINSITRATIVA. REGULAR INTIMAÇÃO DO CONTRIBUINTE. MULTA DE 20%. PREVISÃO LEGAL. JUROS DE MORA. TAXA SELIC. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 11 DA LEI ESTADUAL Nº 8.927/88. ÍNDICE QUE JÁ ENGLOBA CORREÇÃO MONETÁRIA. I – O direito de constituição do crédito tributário somente se extingue com o transcurso do prazo de cinco anos contados do primeiro dia do exercício financeiro seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido realizado. (art. 173, I , CTN). II – Inexiste cerceamento ao direito de defesa se constatada a inércia do contribuinte diante da regular intimação para o oferecimento de impugnação ao auto de infração. III – É válida a multa punitiva de 20% sobre o valor da operação, prevista na Lei Estadual nº 8.927/88, que não tem caráter confiscatório e encontra amparo na legislação federal. IV – A Taxa SELIC pode ser aplicada aos créditos tributários como índice de juros moratórios e de correção monetária, sem cumulação com outra forma de atualização monetária. Recurso provido em parte.” (TJPR, Ac. 26255, 2ª Câmara Cível, Rel. Juiz Subst. em 2º grau Pericles Bellusci de Batista Pereira, DJU 28.04.06)
Portanto, deve ser reformada a sentença de primeiro grau, no sentido de reconhecer como possível o lançamento do Imposto de Transmissão causa mortis e Doação de quaisquer bens e direitos, relativamente ao imóvel já indicado e conforme razões lançadas no corpo deste voto.
Fonte: Grupo Serac