Diogo já viu o mar. Está lá, o tempo todo à frente dele. Basta que sua avó o leve à porta de casa. Já sorri, o corpo fica ereto quando passeia nos braços de alguém. Os moleques da rua fazem festa quando o vêem e não resistem a um chamego rápido. Abobalham-se, como a maior parte dos adultos ao se aproximarem dos bebês. Diogo, que completa cinco meses na próxima quarta-feira, ainda não tem sobrenome. Como outros brasileiros, seus direitos de criança e cidadão correm perigo.
O caso de Diogo é bem particular, mas outros cearenses enfrentam problemas parecidos. O bebê é criado pela avó, de 44 anos, que tem outros seis netos. A mãe dele, de 25 anos, não tem emprego e teve mais quatro filhos. O pai é morador de rua e já teve passagem pela polícia. Ambos são dependentes químicos. Diogo integra as estatísticas de sub-registro do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): cerca de 400 mil brasileiros nascidos vivos (12,7%) não foram registrados antes do primeiro aniversário.
O Ceará do menino Diogo, no entanto, enfrenta uma situação pior do que a média do restante do País. O Estado deixa de registrar, até o primeiro ano de vida, 20,7% de seus nascidos vivos. Para tentar atenuar esses índices, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR), lançou na última segunda-feira, 16, a campanha de Mobilização para o Registro Civil de Nascimento e Documentação Básica. A princípio, serão incluídos na campanha apenas os 300 municípios dos nove estados que compõem a Amazônia Legal, mais o Piauí – que tem um dos piores índices de sub-registro do Nordeste (33,6%).
O projeto piloto envolve a região Norte, mas "o compromisso é nacional e já foi assinado por todos os governadores do Nordeste, junto com o presidente Lula". A ênfase é da coordenadora da Mobilização Nacional de Registro Civil de Nascimento da SEDH, Leilá Leonardos, que se encontra em missão oficial na região Norte justamente para dar fôlego à campanha. Ao O POVO, por telefone, ela explicou que o objetivo do governo é reduzir essa taxa média de 12,7% para 5% até 2010.
Benefícios
Segundo ela, a semana nacional de mobilização será feita apenas no fim do ano – período pós-eleitoral. "Ainda estamos desenhando o formato dessa campanha nacional. Queremos envolver os novos prefeitos eleitos", disse. Sem existir "oficialmente", essas crianças e adolescentes sem-registro podem deixar de gozar benefícios básicos como educação e saúde. Suas famílias também deixam de receber incentivos de programas sociais como o Bolsa-Família, do Governo federal, por exemplo.
Dona Rosa, a avó de Diogo, que sustenta a família em uma casinha do bairro Moura Brasil, na avenida Leste-Oeste, luta pela guarda e pelo direito de registrar o neto como seu filho. "A mãe dele nem o pai registram nem me deixam registrar. Ela não tem responsabilidade com nada, passa o dia usando pedra (crack), não cuida do menino. Sou eu quem faço tudo e levo pro médico", desabafa. Segundo o coordenador de Proteção Social Especial da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), Paulo Guedes, o Ministério Público pode interferir no caso de dona Rosa. Essa intermediação pode ser feita através de qualquer Conselho Tutelar. Diogo e outros tantos devem fazer parte de um Brasil com nome e sobrenome.
Fonte: Jornal O Povo – CE