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“A atividade cartorária encontra-se em uma posição privilegiada para observar e reportar as situações suspeitas”

“A atividade cartorária encontra-se em uma posição privilegiada para observar e reportar as situações suspeitas”

Diretora de Inteligência Financeira do Coaf, Ana Amélia Olczewski, fala sobre a comunicação de atos relacionados ao financiamento de corrupção, terrorismo e lavagem de dinheiro por delegatários de cartórios ao órgão

Desde fevereiro, notários e registradores de todo o Brasil desempenham o papel de agentes de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, as chamadas medidas de PLD/FT. Fator recorrente na vida dos cidadãos, os atos realizados nos cartórios, além de promoverem segurança jurídica, refletem indicativos de ações possivelmente suspeitas.

Os profissionais das serventias, em contato com usuários pelo atendimento de balcão, se tornam um elo entre atos suspeitos e os órgãos de inteligência, não só no Brasil, mas em diferentes países do mundo, que entendem a posição estratégica do titular de cartório. O Provimento nº 88/2019 da Corregedoria Nacional de Justiça, que dispõe sobre a política, os procedimentos e os controles a serem adotados pelos notários e registradores visando à prevenção dos referidos crimes, segue uma série de padrões e abordagens do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI/FATF), uma entidade intergovernamental internacional que desenvolve ações de PLD/FT.

Para falar sobre o papel dos notários e registradores como agentes de PLD/FT na perspectiva do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), o Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF) conversou com a diretora de Inteligência Financeira, Ana Amélia Olczewski.

CNB/CF – O Provimento nº 88/2019 regulamentou o envio de atos suspeitos de corrupção realizados em cartórios ao Coaf. Como esta norma foi recebida pelo setor de Inteligência Financeira do Ministério da Fazenda?

Ana Amélia Olczewski – A participação desse setor trará importantes subsídios para a atividade de inteligência. Entre os setores obrigados não financeiros, consideramos que notários e registradores são os que podem aportar informações mais relevantes para o processo de produção de inteligência, complementando as informações vindas do setor financeiro.

CNB/CF – Quais os pontos inerentes à atividade cartorária como agente de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo (PLD/FT)?

Ana Amélia Olczewski – A atividade cartorária encontra-se em uma posição privilegiada para observar e reportar as situações suspeitas ou não usuais em uma gama muito variada de negócios. Ressalte-se que muitos atos negociais com efeitos econômicos importantes passam unicamente pelo setor de notários e registradores. É o caso de transações que não envolvem um pagamento financeiro, como, por exemplo, cessões de bens e direitos, doações e substabelecimento de procurações.

CNB/CF – Em maio deste ano, o Provimento nº 100/2020 da Corregedoria Nacional de Justiça regulamentou a realização de atos notariais online. Como esta nova plataforma pode contribuir na PLD/FT?

Ana Amélia Olczewski – Iniciativas relacionadas à evolução tecnológica quanto ao modo de realizar negócios, de um modo geral, costumam ter potencial para trazer riscos e oportunidades importantes também em matéria de PLD/FT. Não por acaso, o próprio Provimento nº 100/2020 menciona, entre seus considerandos, o seu Provimento nº 88/2019. Não por acaso, igualmente, a 15ª recomendação internacional do Grupo de Ação Financeira (Gafi) enfatiza justamente a necessidade de criteriosa identificação e avaliação de riscos de PLD/FT que possam advir do uso de novas tecnologias. Diante desse quadro, claro, é preciso observar por mais tempo como se consolidam os padrões de implementação dessas normas, ainda relativamente recentes, para poder avaliar de modo mais consistente o seu impacto em termos de PLD/FT.

CNB/CF – O que já foi possível se observar do início destes atos eletrônicos?

Ana Amélia Olczewski – Já se pode antecipar, nada obstante, que são promissoras e muito bem-vindas as referências do Provimento nº 100/2020 a mecanismos de compartilhamento centralizado de importantes subsídios para que os notários possam identificar clientes e outros envolvidos passíveis de serem identificados no contexto de atos notariais e de registro, como é o caso do Cadastro Único de Clientes do Notariado (CCN), do Cadastro Único de Beneficiários Finais (CBF), e do Índice Único de Atos Notariais. Se bem implementados, esses mecanismos, que já despontavam como uma importante promessa no próprio Provimento nº 88/2019, poderão oferecer contribuição valiosa para tornar mais eficiente a atuação dos notários em prol do sistema de PLD/FT. Afinal, é mesmo muito importante mitigar riscos associados à fragmentação de informações oficiais sobre a prática de negócios jurídicos, de um modo geral, que acaba ensejando “pontos cegos” passíveis de serem explorados por eventuais infratores. Portanto, se a disciplina da prática de atos notariais eletrônicos contribuir para uma boa implementação do CCN, do CBF e do Índice Único de Atos Notariais, essa já representará uma contribuição muito positiva.

CNB/CF – Quais direcionamentos primordiais o Coaf daria às serventias menores que ainda estão estabelecendo estrutura de PLD/FT?

Ana Amélia Olczewski – O direcionamento, nesses casos, é sempre no sentido de que sejam observadas as normas estabelecidas pela autoridade competente para a regulação normativa dos deveres de PLD/FT de cada setor. No caso do setor dos notários e registradores, portanto, o direcionamento é no sentido de que sejam observadas as normas estabelecidas pela Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ, as quais, por sinal, preveem, na forma do artigo 7º do Provimento nº 88, de 2019, que as políticas de PLD/FT devem ser estabelecidas e implementadas, no âmbito de cada serventia, de modo compatível com seu volume de operações e com seu porte, considerando ainda, claro, os correspondentes riscos de lavagem de dinheiro ou de financiamento ao terrorismo identificados em relação a seus atos notariais ou de registro.

CNB/CF – Desde fevereiro, quando o Provimento nº 88 entrou em vigor, os cartórios já realizaram mais envios de comunicações ao Coaf do que as instituições financeiras, neste mesmo período. Quais os motivos desse volume?

Ana Amélia Olczewski – É esperado que o setor seja uma grande fonte de muitas comunicações, dada a quantidade de cartórios existente no País. No entanto, nesse momento inicial, talvez a grande quantidade de comunicações enviadas ao Coaf reflita uma necessidade de incremento em ações de capacitação e aquisição de mais experiência para identificação de situações de suspeição. Nesse contexto, muitas situações que não seriam, de fato, passíveis de comunicação podem estar sendo reportadas. Entendemos que, à medida que o setor adquira mais conhecimento e experiência, a quantidade se reduza. Afinal, é sempre bom lembrar que mais importante do que a quantidade é a qualidade das comunicações.

CNB/CF – Partindo desta observação, quais pontos necessitam de aperfeiçoamento?

Ana Amélia Olczewski – É importante ressaltar que a comunicação de ato suspeito deve espelhar situações atípicas do ponto de vista de quem conhece o negócio, ou seja, o cartorário. Temos recebido muitas comunicações nas quais não se verifica nenhuma anormalidade. Outro ponto é o entendimento sobre o que seja uma transação “em espécie”. Vemos muita confusão nesse ponto. Transações em espécie são aquelas pagas com “dinheiro vivo”.

CNB/CF – Em iniciativas realizadas em outros países, como na Espanha, os cartórios contam com um órgão de prevenção, que analisa e estabelece critérios anteriores ao envio à autoridade pública, de modo à comunicação ser mais eficaz e certeira. Como avalia uma iniciativa como esta no Brasil?

Ana Amélia Olczewski – A lei brasileira, atualmente, não parece viabilizar a implementação imediata de um modelo como o espanhol. Em algumas de suas disposições, nada obstante, o Provimento nº 88, de 2019 parece incorporar, observando, claro, o limite das atuais possibilidades oferecidas pela legislação brasileira, alguns aspectos inspirados naquele modelo. Nesse sentido, pode-se citar, notadamente, a atribuição de um papel colaborativo ao Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil (CNB/CF) e a outras entidades representativas do setor dos notários e registradores em disposições do Provimento como os seus artigos 11, 12, 29 e 32. Evidentemente, é sobretudo ao CNJ, como autoridade competente para a regulação dos deveres de PLD/FT do setor, que cabe avaliar a pertinência desse tipo de modelo, cabendo ao Poder Legislativo, por princípio, avaliar a pertinência de eventualmente ampliar a possibilidade de sua adoção no País. Ao Coaf o que importa, respeitada a competência dos reguladores de cada um dos setores obrigados, é deles receber informação de qualidade.