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A Ata Notarial de Adjudicação Compulsória Extrajudicial e a prática nos Cartórios de Notas de Acordo com a Lei 14.382/2022 – Por Rodrigo Reis Cyrino

A ATA NOTARIAL DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL E A PRÁTICA NOS CARTÓRIOS DE NOTAS DE ACORDO COM A LEI 14.382/2022

Por Rodrigo Reis Cyrino[1]

  1. Notas introdutórias

A adjudicação compulsória extrajudicial, aprovada através da recente lei 14382/2022, despertou um enorme debate sobre a obrigatoriedade ou não da lavratura de uma ata notarial para instrumentalizar o pedido junto aos cartórios de imóveis, principalmente visando uma maior segurança jurídica do procedimento.

O fenômeno da extrajudicialização ou desjudicialização de procedimentos no Brasil, através das serventias extrajudiciais, é muito louvável e vem sendo utilizado pelas novas legislações e atos normativos, pois os notários e registradores são agentes fiscalizados regularmente pelo Poder Judiciário, submetidos a concurso público de provas e títulos e a quem são conferidos os atributos da fé pública, com a atuação sem a utilização do orçamento público, pois atuam em caráter privado. Além disso, as serventias extrajudiciais atuam como verdadeiros cooperadores da justiça em novas arenas de diálogo e de solução de demandas, o que traz novas opções facultativas para o cidadão, advogados, corretores de imóveis, arquitetos, engenheiros, construtoras e tantos outros profissionais imobiliaristas. É uma nova cultura que tem sido pouco a pouco implementada, especialmente nas faculdades de direito.

No mundo, o modelo de cartórios existe também em pelo menos 86 países, inclusive na União Europeia e na China. Nesse cenário, há uma instituição que regularmente reúne todos os países, com o fim de implementar avanços em toda a atividade nos quesitos de segurança, celeridade e tecnologia em prol dos usuários, que é a União Internacional do Notariado Latino (UINL), o que possibilita a efetivação da máxima segurança jurídica nos negócios entabulados numa sociedade, bem como o seu registro e arquivamento permanente com a emissão de certidões, o que assegura a ordem pública, a publicidade, a proteção dos dados, o desenvolvimento de um país e um fortalecimento da cidadania, principalmente pelo exercício do direito à propriedade privada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana. E mais: na questão imobiliária, o valor para uma transação imobiliária é pago uma vez só e não de forma permanente, como ocorre em outros países.

Nesse cenário, o Brasil inova ainda mais com a lei nº 14.382/2022, pois a novel norma traz importantes alterações na lei de registros públicos, o que trará grandes avanços para o mercado imobiliário, a economia do país e o sistema tributário, pois foram implementadas relevantes possibilidades procedimentais, com uma maior flexibilização para a regularização imobiliária junto aos cartórios.

Uma dessas novidades e objeto deste trabalho é o novo procedimento da adjudicação compulsória extrajudicial, que estabelece uma célere de regularização imobiliária, quando toda a obrigação contratual já foi cumprida e há somente a necessidade da efetiva transferência do imóvel, o que efetivará para o cidadão o direito fundamental à plena moradia, não só de fato, mas também documental e fomentará cada vez mais o mercado do crédito bancário imobiliário e também da construção civil. E não só sobre esse viés, mas também quando uma empresa precisa regularizar os seus imóveis que já foram negociados mais ainda estão no seu estoque por desídia dos adquirentes.

  • A adjudicação compulsória extrajudicial

Na teoria do direito material, esse instituto está previsto nos artigos 1417 e 1418, do Código Civil:

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

Ocorre que, de acordo com a súmula 239, do Superior Tribunal de Justiça “o direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”, ou seja, a existência do instrumento público ou particular, mesmo sem o registro imobiliário, possibilita a adjudicação.

Pois bem. Em termos procedimentais, a nova lei 14.382/2022 trouxe à lei dos registros públicos a adjudicação compulsória extrajudicial, com a previsão do artigo 216-B:

Art. 216-B. Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo.

§ 1º São legitimados a requerer a adjudicação o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários, ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor, representados por advogado, e o pedido deverá ser instruído com os seguintes documentos:

I – instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão, quando for o caso;

II – prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 (quinze) dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderá delegar a diligência ao oficial do registro de títulos e documentos;

III – ata notarial lavrada por tabelião de notas da qual constem a identificação do imóvel, o nome e a qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato de promessa, a prova do pagamento do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade;

IV – certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação;

V – comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI);

VI – procuração com poderes específicos.

Cumpre registrar que o artigo 216-B, inciso III, da nova lei, previu a obrigatoriedade da lavratura de uma ata notarial de adjudicação compulsória extrajudicial por um cartório de notas como uma primeira etapa do procedimento, que instrumentalizará um requerimento para a segunda etapa junto ao cartório de imóveis.

Nesse passo, a adjudicação compulsória significa a entrega forçada do bem ao comprador, seja em razão da negativa pura e simples feita pelo vendedor em assinar um documento ou uma escritura pública de transferência ou pela impossibilidade fática de sua assinatura. De outro lado, o pedido de adjudicação pode também ser feito em razão da omissão do adquirente em transferir o imóvel, ou seja, pode ser requerida a adjudicação inversa: aquela requerida pelo vendedor em face do comprador.

Antes de adentrar nos pontos polêmicos desse instituto na forma extrajudicial, é fundamental traçar os pontos pacíficos e que merecem destaque, quais sejam: 1) necessidade de advogado; 2) trâmite do procedimento no cartório de imóveis da situação do imóvel; 3) documentação necessária; 4) necessidade de existência de imóvel com registro imobiliário.

Quanto ao primeiro requisito – necessidade de advogado – andou muito bem o legislador em prever a obrigatoriedade da presença de patrono nesse procedimento, pois além de ser necessário no âmbito judicial, esses profissionais farão o aconselhamento prévio às partes e o filtro fático e documental das situações possíveis de seguirem o procedimento extrajudicial.

Sobre o item – trâmite do procedimento no cartório de imóveis da situação do imóvel –, após a lavratura da ata notarial no cartório de notas, a segunda etapa se dará junto ao cartório imobiliário, onde o oficial registrador dará abertura a um procedimento de adjudicação compulsória e, após tramitar o seu processamento, fará o efetivo registro. No cartório de imóveis então se iniciará duas fases: a) primeira – será feita a autuação dos documentos e o seu processamento; b) segunda – sendo deferido o processamento, será realizado o registro imobiliário propriamente dito.

Em relação à documentação necessária, esta deverá ser apresentada primeiramente a um cartório de notas para a lavratura da ata notarial. Em seguida, deverá ser feito um requerimento ao oficial do cartório de imóveis, contendo o nome das partes, procuração, ata notarial de adjudicação compulsória e a juntada de outros documentos necessários e que comprovem o direito e a quitação do negócio jurídico na íntegra, em vias no original ou em cópia autenticada, o que trará segurança jurídica ao procedimento, evitando a eventual ocorrência de fraudes e falsificações. A procuração com poderes específicos deverá mencionar a qualificação completa das partes, os poderes para atuar extrajudicialmente em cartórios de notas e de registro de imóveis com a menção de sua finalidade principal que é o requerimento da adjudicação compulsória extrajudicial. Se no requerimento ou na ata notarial for informada a completa descrição do imóvel com o número da matrícula, transcrição ou outro registro imobiliário, entendo ser desnecessária a descrição completa do imóvel constante do registro na procuração, bastando a citação do número deste registro. Ademais, no requerimento ou na ata notarial deverão ainda ser mencionados as seguintes informações: a) se o imóvel for urbano, deverão constar todas as inscrições imobiliárias junto ao Município; b) se o imóvel for rural, deverão constar todas as informações em relação ao NIRF – número de identificação de imóvel dentro da base de cadastro de imóveis rurais (Cafir), CCIR – certificado de cadastro do imóvel rural, ITR – imposto territorial rural, e quando o for o caso, o CAR – cadastro ambiental rural; c) se o imóvel for um terreno de marinha, deverão constar todas as informações em relação à CAT – certidão de autorização de transferência – junto à Secretaria de Patrimônio da União – SPU.

Por fim, há a necessidade de existência de imóvel com registro imobiliário, considerando a existência do princípio da continuidade e da especialidade objetiva. Nesse caso, o procedimento da adjudicação compulsória só poderá ser utilizado se existir uma matrícula, transcrição ou registro imobiliário. Se não tiver um registro anterior, o procedimento a ser adotado deverá ser o procedimento de usucapião, REURB ou a legitimação de posse de uma terra devoluta em procedimento próprio, conforme o caso concreto.

Sobre os pontos polêmicos é importante destacar os questionamentos a seguir.

O artigo 216-B, trazido pela lei nº 14.382/2022 é autoaplicável ou depende ainda de regulamentação do Conselho Nacional de Justiça? Muitos têm defendido que para a aplicação prática da adjudicação compulsória extrajudicial há a necessidade de regulamentação pelo Conselho Nacional de Justiça, nos termos do que ocorreu com a lei nº 11.441/2007, que possibilitou as separações, divórcios, dissoluções de união estável e inventários extrajudiciais através da Resolução nº 35/2007 do CNJ, bem como com o Provimento nº 65/2017 do CNJ, que regulamentou a usucapião extrajudicial. Outros têm defendido a imediata aplicabilidade do instituto da adjudicação compulsória extrajudicial, independentemente de ato normativo do CNJ haja vista a lei não ter inserido essa condição, bem como que o procedimento já traz as etapas a cumprir e os seus requisitos. A importância desse quesito é sobre a possibilidade ou não do procedimento já ser aplicado pelos cartórios de imóveis. Se se entender pela necessidade de regulamentação do CNJ o procedimento não poderá tramitar ainda perante os cartórios de imóveis. No entanto, para a primeira etapa – lavratura da ata notarial de adjudicação compulsória extrajudicial – é muito defensável a possibilidade de aplicação imediata da norma pelos cartórios de notas até mesmo para salvaguardar direitos desde já.

Com a adjudicação compulsória passou a ser possível o litígio no extrajudicial? Importante registrar que nesse procedimento, de certo modo, há uma situação de conflito onde uma parte quer a assinatura e a efetiva transferência imobiliária e o outro lado ou não quer assinar voluntariamente ou a falta de sua assinatura se dá por situações fáticas impeditivas, o que traz uma mudança de paradigma para o extrajudicial, pois sempre se estabeleceu a imperiosa necessidade da presença de um acordo inconteste entre as partes nos atos, bem como a manifestação de vontade indene de dúvidas. Além disso, sempre surge a dúvida sobre a interpretação do silêncio nos atos notariais e registrais e os seus efeitos jurídicos no extrajudicial. Ao que parece, o sistema extrajudicial tem evoluído bastante para que os notários e registradores deixem de ser somente aplicadores de normas no estrito cumprimento de um dever legal, para atuar cada vez mais como operadores e intérpretes do direito em algumas situações, como tem se dado na proteção dos dados dos titulares, em consonância com a lei de proteção nº 13.709/2018, bem como na aplicação de efeitos jurídicos na ausência de manifestação de vontade, interpretando o silêncio como concordância ao procedimento extrajudicial de usucapião.

O procedimento de adjudicação compulsória trouxe a ausência de consenso multilateral no extrajudicial? Sim, já que o procedimento só terá êxito pela ausência de consenso da parte contrária. Se de outro lado, a parte, uma vez notificada, concordar com a assinatura, o procedimento perderá o seu objeto e deverá ser encerrado e orientado às partes que se caminhe pelo processo de escrituração normal, como por exemplo a lavratura de uma escritura pública de compra e venda, nos termos do artigo 108 do Código Civil.

Quais são as hipóteses possíveis para o procedimento da adjudicação compulsória extrajudicial? De início, é importante ressaltar que este procedimento não pode ser utilizado em todos os casos, sob pena de possibilitar uma burla ao cumprimento do sistema notarial regular. Nesse passo, tal procedimento deverá ser utilizado somente quando for inviável a correta escrituração dos atos na prática, o que enseja as seguintes hipóteses, dentre outras:  a) morte ou declaração de ausência – se for comprovada a morte do vendedor ou até mesmo do comprador a adjudicação compulsória deverá ser deferida para viabilizar a transferência imobiliária que deveria ter ocorrido. A simples apresentação da certidão de óbito ou a decisão judicial que decretou a ausência já dará subsídio para o deferimento do pedido extrajudicial. Mas em caso de óbito, estará dispensada a notificação do inventariante ou do herdeiro? Penso que seja mais prudente proceder a esta notificação quando esta for possível, como uma forma de cumprimento de uma obrigação pendente do falecido. Em analogia pode ser aplicado o Enunciado 5924/2022, da Jornada de Direito Notarial de Registral, qual seja: “o inventariante nomeado pelos interessados poderá, desde que autorizado expressamente na escritura de nomeação, formalizar obrigações pendentes do falecido, a exemplo das escrituras de rerratificação, estremação e, especialmente, transmissão e aquisição de bens móveis e imóveis contratados e quitados em vida, mediante prova ao tabelião.”; b) extinção da pessoa jurídica – seja por inaptidão (baixa no CNPJ pela “INAPTIDÃO” – art. 54 – Lei 11.941/2009)” ou por baixa com a utilização do seguinte termo: “Enc. Liq. Voluntária“- que significa um tipo de encerramento de liquidação ou de extinção voluntária (opção utilizada quando se solicita a baixa do CNPJ da Empresa, estando a mesma já encerrada e com a situação cadastral baixada e com as certidões fiscais já apresentadas, nos termos do artigo 25, da Instrução Normativa da Receita Federal nº 1.183/2011.); c) incapacidade civil da parte – o curador poderá informar essa incapacidade e inviabilidade de assinar uma escritura de compra e venda, pela falta de capacidade jurídica ou lucidez; d) localização incerta e não sabida – se a parte está desaparecida de forma comprovada, poderá ser utilizada a publicação de editais para a notificação ficta. Se não tiver essa comprovação inconteste do desaparecimento, penso ser inviável essa hipótese.

Qual é o estado civil que deverá ser considerado para a adjudicação compulsória? O estado civil existente ao tempo do contrato ou aquele verificado ao tempo do procedimento? Penso que deverá ser levado em consideração o estado civil existente ao tempo do contrato, salvo se for comprovada a dissolução do vínculo conjugal ou de união estável com a partilha de bens, bem como com a carta de sentença expedida. Sobre o tema a doutrina defende que:

Da mesma forma, estabelece o art. 1647, inc. I, do Código Civil que a outorga uxória ou marital, conforme o caso, é indispensável na alienação envolvendo bens imóveis, e sendo o compromisso de compra e venda uma autêntica venda sob a condição resolutiva do adimplemento, forçoso será reconhecer a necessidade da referida outorga, salvo no caso de casamento sob o regime da separação total de bens (SCHREIBER, Anderson et al. Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 1198).

É possível o procedimento da adjudicação compulsória extrajudicial se tiver cláusula de arrependimento? Não, porque o negócio jurídico poderá ser distratado a qualquer tempo, salvo a aplicação do artigo 25, da Lei 6766/79 que diz: “Art. 25. São irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão, os que atribuam direito a adjudicação compulsória e, estando registrados, confiram direito real oponível a terceiros” e o artigo 32, §2º, da Lei 4591/64: “§ 2o Os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas são irretratáveis e, uma vez registrados, conferem direito real oponível a terceiros, atribuindo direito a adjudicação compulsória perante o incorporador ou a quem o suceder, inclusive na hipótese de insolvência posterior ao término da obra”.

Sempre que tiver a cláusula de arrependimento esta impedirá o procedimento da adjudicação compulsória extrajudicial? Há quem sustente que se a parte a todo tempo se comporta de modo a dar vigência ao negócio jurídico, principalmente ao receber ou a pagar a integralidade do preço não haveria mais possibilidade para o arrependimento contratual e, portanto, a adjudicação compulsória seria possível para esses casos. Nesse sentido, há autores que defendem que:

Trata-se, na realidade, de exemplo de comportamento contraditório – venire contra factum proprium -, vedado pela Teoria dos Atos Próprios, que encontra fundamento no princípio da boa-fé objetiva e visa a proteger as partes que legitimamente confiaram na estabilidade das relações jurídicas. Assim, não pode o promitente vendedor invocar o direito de arrependimento para voltar contra seus próprios atos, frustrando as expectativas despertadas no promitente comprador, que passou a ter motivos legítimos para confiar na manutenção do negócio jurídico celebrado. Há consenso em admitir que, se o imóvel já estiver quitado, não há mais espaço para o exercício do direito potestativo de arrependimento. (SCHREIBER, Anderson et al. Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 1194)

Quando se deverá utilizar da escritura pública de compra e venda, da ata notarial de adjudicação compulsória ou do usucapião? Será sempre utilizada a escritura pública de compra e venda quando for comprovado o consenso na escrituração e assinaturas. Será utilizada a adjudicação compulsória quando não tiver uma ação voluntária consensual na assinatura e esta for injustificada, o que deverá ter provas da recusa ou impossibilidade fática, da aquisição e da quitação. Por fim, poderá será utilizado o procedimento do usucapião para imóveis que tenham ou não matrícula, desde que esteja preenchido o tempo de posse estabelecido de acordo com cada caso concreto. Para todas essas três possibilidades deve-se atentar para a disposição do artigo 13, §2º, Prov. 65/2017 CNJ, que estabelece: “§ 2º Em qualquer dos casos, deverá ser justificado o óbice à correta escrituração das transações para evitar o uso da usucapião como meio de burla dos requisitos legais do sistema notarial e registral e da tributação dos impostos de transmissão incidentes sobre os negócios imobiliários, devendo registrador alertar o requerente e as testemunhas de que a prestação de declaração falsa na referida justificação configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei”.

A adjudicação compulsória só pode ser aplicada a casos de compra e venda? Apesar da falta de previsão, o procedimento pode evoluir para ser aplicado sim às permutas, dação em pagamento e ainda às doações com encargo. Ou seja, a adjudicação compulsória extrajudicial, em tese, poderá ser aplicada a todas as transações onerosas não cumpridas.

Sendo legitimados a requerer a adjudicação os cessionários ou sucessores dos compradores deverá ser verificada a continuidade nas transferências?Sim, sob pena de utilização do procedimento para burlar o sistema tributário ou até mesmo a continuidade na cadeia registral. Prova disso é a impossibilidade da partilha per saltum, pois ainda que se trate de processo único de inventário, não tendo havido comoriência, as partilhas devem ser sucessivas, sob pena de violação do princípio da continuidade.

É possível o procedimento da adjudicação compulsória extrajudicial se tiver a prova da quitação através de uma consignação em pagamento? Sim, desde que o pagamento realmente tenha sido efetivado naquela ação.

E se tiver um processo judicial de adjudicação compulsória em trâmite poderá ainda assim dar entrada no procedimento extrajudicial? Sim, desde que se comprove que o pedido de suspensão do processo judicial foi deferido, nos termos do artigo 313, inciso II, do Código de Processo Civil; ou mesmo o pedido de desistência foi homologado, de acordo com o artigo 200, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

O procedimento da adjudicação compulsória extrajudicial é cabível em face do Poder Público? Sim, quando o imóvel for dominical, nos termos do artigo 101, do Código Civil que diz: “os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei”. Paula Pincelli Tavares Vivacqua traz alguns requisitos para a alienação de terras públicas, nos seguintes termos:

Tratando-se de bem público imóvel, deve-se respeitar o insculpido no artigo 17, da lei 8.666/93, realizando-se a licitação pela modalidade de concorrência, ou em alguns casos específicos por leilão (artigo 19, lei 8.666/93), observados os seguintes requisitos; a) autorização legislativa; b) interesse público devidamente justificado; c) avaliação prévia. Por outro lado, vale registrar a existência dos artigos 23 e 24, da lei 9.636/98 que admite a venda de bens imóveis da União através de leilão ou concorrência mediante a autorização do Presidente da República, com possibilidade de delegação da competência para Ministro de Estado de Fazenda, permitida a subdelegação. Registra-se também o art. 2º, inciso V, da lei 9.491/97, alterada pela MP 2161-35/01, que permite ser objeto do programa de desestatização bens móveis e imóveis da União. E ainda o art. 71, da lei 13.465/17 que para fins da Reurb, ficam dispensadas a desafetação e as exigências previstas no art. 17, caput, inciso I da lei 8.666/93. Já no que tange a venda de bens móveis não é necessário a autorização legislativa e a modalidade de licitação é o leilão, em conformidade com o art. 22, parágrafo 5º, da lei 8.666/93. Por fim é importante destacar o art. 49, XVII, da CRFB/88 que diz que é de competência exclusiva do Congresso Nacional aprovar previamente alienação ou concessão de terras públicas superiores a 2.500 Hectares. (VIVACQUA, Paula Pincelli Tavares. Bens públicos – possibilidade e formas de alienação – hipótese de licitação dispensada, dispensável ou inexigível. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/ depeso/278033/bens-publicos—possibilidade-e-formas-de-alienacao—hipotese-de-licitacao-dispensada–dispensavel-ou-inexigivel. Acesso em 02 de out. 2022)

Se não existir um contrato de compra e venda, mas somente recibos ou termos de quitação é possível ter o processamento da adjudicação compulsória extrajudicial? Sim, desde que o conteúdo dos documentos apresentados possam confirmar a existência de uma obrigação e o seu completo adimplemento e a falta de cláusula de arrependimento. Nesse caso, a parte poderá se utilizar de outros documentos e também de depoimentos como meio de prova aptos a subsidiar o registrador imobiliário a deferir tal pedido.

A adjudicação compulsória extrajudicial pode ser um procedimento para superar impeditivos jurídicos e fiscais do promitente vendedor, tais como a ausência de certidões fiscais ou a existência de indisponibilidades? Penso que devem ser apresentadas sim as certidões negativas fiscais ou a sua dispensa aceita pelo comprador nos mesmos moldes como apresentado na escrituração normal. No entanto, cumpre ressaltar que a apresentação das certidões negativas fiscais tem sido cada vez mais relativizada pelos Tribunais já que a sua apresentação pode configurar um meio coercitivo de exigência de tributos, o que não pode ocorrer já que a Fazenda Pública possui os meios adequados para a cobrança do crédito tributário, quais sejam: o protesto da certidão da dívida ativa – CDA e a ação de execução fiscal. Sobre a consulta à central de indisponibilidade de bens penso ser sim necessária já que o Provimento nº 39/2014 do CNJ exige essa consulta para todas as operações que envolvam direitos relativos a imóveis, nos termos do artigo 14: “os registradores de imóveis e tabeliães de notas, antes da prática de qualquer ato notarial ou registral que tenha por objeto bens imóveis ou direitos a eles relativos, exceto lavratura de testamento, deverão promover prévia consulta à base de dados da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB, consignando no ato notarial o resultado da pesquisa e o respectivo código gerado (hash), dispensado o arquivamento do resultado da pesquisa em meio físico ou digital.” Portanto, na adjudicação compulsória extrajudicial o oficial de registro deverá verificar a presença de outros requisitos que não sejam somente a existência de um contrato, a quitação do preço e a recusa na escrituração. Esse mesmo entendimento é defendido por Silvio de Salvo Venosa numa análise do procedimento no âmbito judicial:

O julgado não interfere no conteúdo contratual. Supre tão somente a vontade do promitente vendedor recusante da outorga do contrato definitivo. Se o contrato apresenta falhas que inviabilizam o registro, a óptica desloca-se para o direito pessoal entre as partes. (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 524)

Para a lavratura da ata notarial para fins de adjudicação compulsória extrajudicial é livre a escolha do Cartório de Notas? Penso que sim, considerando que para este ato notarial não haverá a necessidade de diligências no local, o que fatalmente deveria ter regra impositiva de territorialidade. Ao contrário, este procedimento necessita tão somente a comprovação documentação da existência de um contrato, o seu pagamento integral e a recusa na assinatura de uma escritura, o que poderá ser atestado em ata notarial lavrada por qualquer Cartório de Notas, de livre escolha do usuário. 

Cumprida a etapa no cartório de notas e iniciado o procedimento junto ao cartório de imóveis, se tiver no procedimento da adjudicação extrajudicial uma oposição, impugnação ou contestação fundamentada este se encerrará? Sim, pois o oficial de registro de imóveis não poderá entrar no mérito da pretensão resistida, por se tratar de uma questão decisória que deverá ser remetida às vias judiciais.

E se no procedimento a oposição, impugnação ou contestação for injustificada ou sem qualquer fundamentação? Há a discussão sobre a possibilidade de dar continuidade ou não ao procedimento quando se tratar de meras alegações ou insatisfações sem qualquer fundamente, caso em que a falta de justificativa razoável viabilizaria sim o deferimento do registro da adjudicação. Em analogia a este ponto, pode-se citar enunciado 6210 da Jornada de Direito Notarial e Registral, aprovado no ano de 2022, que no procedimento de usucapião estabelece que: “6210 – A impugnação em usucapião extrajudicial fundada unicamente na presunção de que o imóvel constitui terra devoluta, ante a inexistência de registro da sua propriedade, deve ser considerada injustificada, nos termos do art. 216-A, §10 da Lei 6.015/73”.

Após a notificação da parte e tendo sido verificado o silêncio na manifestação, este poderá ser considerado automaticamente como consenso e anuência e possibilitar a efetivação da adjudicação compulsória extrajudicial com o registro? Ainda há muitas dúvidas sobre o tema, pois diferentemente da norma que possibilitou a usucapião extrajudicial e previu, em alteração legislativa, o silêncio como concordância, para a adjudicação compulsória não foi previsto expressamente esse efeito jurídico para o silêncio. A dúvida está principalmente no fato de que o efeito do silêncio será a gravosa consequência da perda da propriedade, o que pode estar se consubstanciando num prejuízo a alguém. Sobre o tema, Eduardo Calais Pereira, Leandro Corrêa, Rafael Depieri explicam que:

Logo, cumpre, desde já, estabelecer um pressuposto importante, que a Lei Civil não determina que o silêncio é automaticamente a anuência, ou a não oposição, quanto menos será para o caso das adjudicações compulsórias, já que o efeito do silêncio é perda da propriedade. Vale lembrar que o silêncio como consenso na perda da propriedade já possui guarida no procedimento da usucapião extrajudicial, porém com uma grande diferença: o tempo para a prescrição aquisitiva. Numa hipótese de contrato de compra e venda com prova do pagamento (justo título), o adquirente precisa esperar dez anos para conseguir extrajudicialmente pleitear a propriedade. Se na adjudicação o silêncio ganhar a mesma força, estaria o legislador criando uma nova hipótese de usucapião, sem necessidade de nenhum lapso temporal. Desta forma é impossível assegurar que, caso o proprietário vendedor não se manifeste sobre a adjudicação compulsória, estar-se-á diante de uma possibilidade de prosseguimento do procedimento extrajudicial, sob pena de se transformar o instituto em testilha em um salvo conduto para legitimação de compradores na posição de legítimos proprietários, acabando com o instituto da usucapião ordinária quando o justo título for uma promessa de compra e venda quitada. Não nos parece ser essa a intenção do legislador. Há que se conhecer as razões da recusa do instrumento definitivo, sob pena de não poder ser dispensada a jurisdição, o silêncio não instrui o procedimento devidamente, sendo germe de possível litígio, nos seios do serviço extrajudicial, em oposição total a função social dos registros públicos de pacificação social e profilaxia jurídica. (PEREIRA, Eduardo Calais; CORRÊA, Leandro Augusto Neves; DEPIERI, Rafael Vitelli. Adjudicação compulsória extrajudicial: conceitos e limites. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/372122/ adjudicacao-compulsoria-extrajudicial-conceitos-e-limites. Acesso em 02 de out. 2022).

Se o registrador imobiliário verificar que as prestações não foram pagas mas estão prescritas pode ser deferida a adjudicação compulsória extrajudicial? Apesar da grande dúvida sobre o assunto, deve ser possibilitado sim esse registro, pois a prescrição é matéria de ordem pública e facilmente verificada em cada caso concreto mediante uma análise do cômputo do prazo. Em sentido contrário, e para comprovar a polêmica do tema, numa interpretação analógica, a lei nº 9.492/97, que regulamenta os cartórios de protesto de títulos, estabelece em seu artigo 9º que “todos os títulos e documentos de dívida protocolizados serão examinados em seus caracteres formais e terão curso se não apresentarem vícios, não cabendo ao Tabelião de Protesto investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade”.

É necessário que os contratos tenham o reconhecimento de firma para que o procedimento da adjudicação compulsória extrajudicial seja deferido? O sistema notarial e registral deve primar sempre pela segurança jurídica e pela prudência na prática dos atos e sob esse aspecto o reconhecimento de firma traz mais um elemento de segurança não só sobre a certificação da autenticidade e autoria da assinatura aposta no documento, mas também sobre a data da assinatura do contrato. O reconhecimento de firma implica em declarar a autoria da assinatura lançada. Mesmo que signatário tenha falecido, nada impede o reconhecimento de sua firma por semelhança, uma vez que, para esse tipo de ato notarial não se faz necessária a presença do assinante. Tal ato notarial tem grande relevância, pois garantirá que a assinatura constante nele se assemelha à assinatura da pessoa que se afirma ser autora.

Como se dará a cobrança de emolumentos para a adjudicação compulsória extrajudicial junto ao cartório de imóveis? Há regras em alguns Estados que permitem, para o usucapião, uma cobrança de emolumentos pelo processamento do pedido e outra cobrança pelo registro imobiliário, o que poderá ser utilizado como parâmetro para o procedimento de adjudicação compulsória já que haverá também um processamento. Cumpre registrar que se esse procedimento fosse seguir o trâmite pela via judicial lá deverá ser pago o valor de custas judiciais (processamento) e, ao final, com a sentença procedente e a expedição da carta de sentença, esta deverá ser levada ao cartório de imóveis onde será cobrado o registro.

  • A adjudicação compulsória nos cartórios de notas e a lavratura da ata notarial

Se a parte ou o advogado concluir pela possibilidade da adjudicação compulsória pela via extrajudicial, o procedimento, apesar de tramitar perante os cartórios de imóveis, deverá seguir a prévia instrumentalização através de uma ata notarial de verificação de documentos e comprobatória de fatos e depoimentos.

Mas por qual motivo a lei previu a lavratura da ata notarial e não uma escritura pública declaratória? Andou bem o legislador nesses termos, pois a ata notarial é um instrumento imparcial e que possui uma certificação das impressões colhidas em cada caso concreto por parte do titular do cartório ou seus prepostos. Já a escritura declaratória, para essa finalidade da adjudicação compulsória, se consubstanciaria em declarações da vontade da parte em regularizar a propriedade do bem, sem outras possibilidades de certificação da verificação de documentos, fatos e depoimentos, o que se dá na ata.

Nesses termos, o procedimento de lavratura de ata notarial para a adjudicação compulsória, nos termos do artigo 216-B, inciso III, da lei 14.382/2022 reforçou a sua importância para o sistema notarial e processual, conforme previsão do artigo 7º, da lei 8935/94 e artigo 384, do Código de Processo Civil:

Art. 7º, Lei 8935/94 – Aos tabeliães de notas compete com exclusividade:

(…) III – lavrar atas notariais.

Art. 384, Código de Processo Civil – A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião. Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial.

Importante destacar que a ata notarial, para fins de adjudicação compulsória extrajudicial, será extremamente útil não só em razão da existência de uma análise notarial prévia dos documentos e da situação fática como um todo pelos cartórios de notas, mas também para instrumentalizar o pedido junto ao cartório de registro de imóveis, o que contribuirá para uma segurança jurídica maior do procedimento e uma maior celeridade.

Além disso, a ata notarial para fins de adjudicação compulsória extrajudicial poderá instrumentalizar a comprovação de pagamentos por meio de conversas de aplicativos, redes sociais, conversa de telefone, nos casos em que o promitente comprador não dispor do termo de quitação dos valores, bem como para a verificação de inúmeros documentos que comprovem a quitação da obrigação e até mesmo com a colheita de declarações ou depoimentos de testemunhas, conforme já permite o artigo 263, §1º, Código Normas de Minas Gerais, que menciona no capítulo VIII que:

DAS ATAS NOTARIAIS

Art. 263. A ata notarial, dotada de fé pública e de força de prova pré-constituída, é o instrumento em que o tabelião, seu substituto ou escrevente, a pedido de pessoa interessada, constata fielmente os fatos, as coisas, pessoas ou situações para comprovar sua existência ou seu estado.

§ 1º A ata notarial pode ter por objeto:

I – colher declaração testemunhal para fins de prova em processo administrativo ou judicial;

II – fazer constar o comparecimento, na serventia, de pessoa interessada em algo que não se tenha realizado por motivo alheio a sua vontade.

Com a obrigatoriedade deste ato notarial para fins de adjudicação compulsória extrajudicial, é importante que os Cartórios de Notas sempre consignem no texto a declaração das partes nos seguintes termos: “as partes declaram que têm ciência de que a lavratura deste ato notarial, para fins do procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial, se consubstancia numa primeira etapa em que as partes requereram a sua lavratura com o fim de verificação e registro dos documentos apresentados neste ato e que serão apresentados na segunda etapa junto ao cartório de registro imobiliário, que fará a qualificação registral objetiva e subjetiva dos requisitos para a efetivação desse procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial.”

Além disso, é importante mencionar no texto que: “se o procedimento registral de adjudicação compulsória extrajudicial for indeferido pelo registro imobiliário, a parte fica ciente que deverá fazer a escrituração do imóvel pelas vias ordinárias em um Cartório de Notas ou ajuizar a ação judicial competente para tanto, podendo aproveitar esta ata notarial como meio de prova em juízo, nos termos do artigo 384, do Código de Processo Civil”.

Importante ainda informar que uma vez lavrada a ata notarial, esta será informada às centrais notariais, tais como a CENSEC (Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados) e ao CCN do E-notariado (Cadastro Único de Clientes do Notariado), bem como deverá ser obrigatoriamente consultada a central de indisponibilidade de bens.

Por fim, uma vez lavrada a ata notarial para fins de adjudicação compulsória extrajudicial, o Cartório de Notas poderá proceder a uma informação ao COAF se a operação for suspeita, bem como deverá fazer a DOI – declaração de operação imobiliária à Receita Federal ou à DOITU, se se tratar de imóvel relativo a terrenos de marinha.

  • Modelo de ata notarial de adjudicação compulsória extrajudicial

A título exemplificativo, sugere-se neste trabalho uma minuta de ata notarial de adjudicação compulsória, nos termos a seguir: ATA NOTARIAL DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL QUE SOLICITA XXX E SEU MARIDO XXX, NA FORMA ABAIXO: “S  A  I  B  A  M quantos este público instrumento de ATA NOTARIAL DE VERIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS PARA FINS DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL virem que XXX, nesta Cidade de Vitória, Estado do Espírito Santo, neste Cartório do 2º Ofício de Notas da Comarca de Vitória, situado na Rua XXX, bairro XXX, cidade de XXX, perante mim, XXX, Escrevente Autorizado, comparece como SOLICITANTES: ______, assistidos juridicamente pelo advogado Dr. ______, brasileiro, advogado inscrito na OAB nº ______, com escritório profissional situado na Rua ______. Reconheço a identidade dos comparecentes e sua capacidade para este ato, conforme documentos de identificação apresentados, do que dou fé. – Então, pelos SOLICITANTES, com assistência jurídica do ilustre advogado acima nomeado, me foi requerida a lavratura do presente instrumento público de ATA NOTARIAL DE VERIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS PARA FINS DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL, como meio de prova para o procedimento previsto no artigo 216-B da Lei Federal nº 6.015/1973, alterado pela Lei 14.382/2022, estando cientes da necessidade deste ato notarial para este procedimento, as partes solicitaram a sua lavratura, e foram esclarecidos quanto ao trâmite do procedimento da adjudicação compulsória extrajudicial numa segunda etapa junto ao cartório de registro de imóveis, conforme estabelece o artigo 216-B da lei de registros públicos: “Art. 216-B. Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo. § 1º São legitimados a requerer a adjudicação o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários, ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor, representados por advogado, e o pedido deverá ser instruído com os seguintes documentos: I- instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão, quando for o caso; II – prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 (quinze) dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderá delegar a diligência ao oficial do registro de títulos e documentos;  III – ata notarial lavrada por tabelião de notas da qual constem a identificação do imóvel, o nome e a qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato de promessa, a prova do pagamento do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade; IV – certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação; V – comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI); VI – procuração com poderes específicos.§ 2º (VETADO). § 3º À vista dos documentos a que se refere o § 1º deste artigo, o oficial do registro de imóveis da circunscrição onde se situa o imóvel procederá ao registro do domínio em nome do promitente comprador, servindo de título a respectiva promessa de compra e venda ou de cessão ou o instrumento que comprove a sucessão. Nestes termos, os SOLICITANTES relataram a estas notas os seguintes fatos e apresentaram os seguintes documentos, solicitando a lavratura da presente ata notarial nos seguintes termos: 1) DOS FATOS E DOCUMENTOS VERIFICADOS: os SOLICITANTES apresentaram a estas notas um contrato particular de compra e venda e cessão de direitos de financiamento, datado de 13 de julho de 1995, relativo ao seguinte imóvel: “unidade residencial casa ______ da matrícula ______, do livro 2-BL, do Cartório de Registro de Imóveis do 1º Ofício de XXX”, conforme se verifica na íntegra de seu conteúdo abaixo: IMAGENS DO CONTRATO. Os SOLICITANTES declaram, sob as penas da lei, que são compradores do referido imóvel, adquirido em data de XXX da Sra. XXX.  2) QUALIFICAÇÃO DA PROPRIETÁRIA E VENDEDORA: ______, (qualificação). 3) DESCRIÇÃO DO IMÓVEL NO REGISTRO IMOBILIÁRIO: “unidade residencial casa ______ da matrícula ______, do livro 2-BL, do Cartório de Registro de Imóveis do 1º Ofício de Vila Velha”, de ordem. Inscrição imobiliária municipal nº ______. 4) DO NEGÓCIO JURÍDICO FIRMADO E DA QUITAÇÃO DO PREÇO: os SOLICITANTES, assistidos por seu advogado, declaram que o citado imóvel foi adquirido pelo valor total de R$10.000,00 (dez mil reais), pago em 02 (duas) parcelas, da seguinte forma: a) uma primeira parcela no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), quitada no ato de assinatura do contrato particular através de cheque nº XXX, do Banco XXX, Agência XXX-ES; b) uma segunda parcela no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), quitada através de recibo de quitação pela emissão de cheque nº XXX, do Banco XXX, Agência XXX-ES, emitido por ______. Declaram os SOLICITANTES, assistidos por seu advogado, e sob as penas da lei, cientes da responsabilidade civil e criminal em caso de falsa declaração, que a compra do referido imóvel foi plenamente quitada à época, não tendo a VENDEDORA nada mais a reclamar no presente ou no futuro em relação à citada venda. Além disso, os SOLICITANTES apresentaram instrumento particular de autorização de cancelamento de Hipoteca e outras avenças, assinado pelo gerente do Banco XXX – Sr. ______ – que autorizou o cancelamento da hipoteca sobre o dito imóvel, conforme imagem abaixo, já averbado na matrícula ______ sobre a averbação nº 5-______: IMAGEM DO INSTRUMENTO DE CANCELAMENTO DA HIPOTECA. 5) DO ÓBICE À CORRETA ESCRITURAÇÃO FACE AO FALECIMENTO DA PROPRIETÁRIA VENDEDORA: Os SOLICITANTES declaram que optaram pelo pedido de lavratura desta ata notarial de verificação de documentos com o objetivo de dar início ao procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial, considerando o falecimento da proprietária e por não terem logrado êxito em encontrar qualquer herdeiro da mesma. Declaram ainda os SOLICITANTES que têm ciência de que o contrato particular realizado entre as partes não é título hábil ao registro imobiliário, ensejando apenas um direito obrigacional, sendo que a proprietária tabular – Sra. ______ – faleceu após a venda do bem aos SOLICITANTES, conforme certidão de óbito abaixo, lavrada sob a matrícula nº XXX:  IMAGEM DA CERTIDÃO DE ÓBITO. Além disso, os SOLICITANTES declaram que desconhecem a existência de eventuais sucessores ou herdeiros da Sra. ______, o que inviabiliza por completo uma eventual nomeação de inventariante para a lavratura da escritura pública com vistas a cumprir as obrigações pendentes e quitadas da de cujus. 6) DO RECOLHIMENTO DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO SOBRE BENS IMÓVEIS – ITBI: os SOLICITANTES informam nesta oportunidade que farão o competente requerimento de avaliação do imóvel junto ao Município de XXX, para fins do recolhimento do ITBI, com a posterior apresentação junto ao Cartório de Imóveis, com a respectiva guia homologada expedida pela Prefeitura. 7) APRESENTAÇÃO DE CERTIDÕES NEGATIVAS DOS DISTRIBUIDORES: os SOLICITANTES informam que não existem processos judiciais distribuídos contestando o presente negócio jurídico e apresentam as seguintes certidões dos distribuidores referentes à Justiça Comum Cível: a) Certidões da Justiça Comum Estadual da comarca da circunscrição do imóvel das partes envolvidas nos títulos apresentados; b) Certidões da Justiça Comum Estadual do domicílio das partes envolvidas nos títulos apresentados; c) Certidões da Justiça Comum Federal da seção da circunscrição do imóvel; d) Certidões da Justiça Comum Federal da seção do domicílio das partes envolvidas no título. 8) PROCURAÇÃO AO ADVOGADO DOS SOLICITANTES: foi outorgada procuração ao Dr. ____, brasileiro, advogado inscrito na OAB nº ____, conforme imagem abaixo: IMAGEM DAPROCURAÇÃO. 9) VALOR ATRIBUÍDO AO IMÓVEL: o valor do negócio jurídico realizado entre as partes foi de R$10.000,00 (dez mil reais), tendo o imóvel o valor venal de R$ XXX. 10) INEXISTÊNCIA DO REGISTRO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA: Os SOLICITANTES foram informados pelo seu advogado que para fins de utilização do instrumento de compra e venda ora firmado em data de 13 de julho de 1995 é desnecessário o registro da promessa, nos termos da súmula nº. 239 do STJ. 11) DECLARAÇÃO DO ADVOGADO: Pelo ADVOGADO dos SOLICITANTES me foi dito e declarado neste ato notarial que prestou assistência jurídica aos mesmos e que acompanhou integralmente a lavratura da presente ATA NOTARIAL.  12) DECLARAÇÕES FINAIS: Finalmente, os SOLICITANTES declaram, sob as  penas  da  lei que: 12.1. todas  as  declarações  prestadas  nesta ATA NOTARIAL são verdadeiras e que estão cientes das sanções cíveis e criminais em caso de declaração falsa; 12.2. requerem e autorizam o Senhor Oficial do Cartório de Registro Geral de Imóveis competente, a prática de todos os atos registrais em sentido amplo para dar início ao procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial, nos termos do artigo 216-B, da lei de registros públicos; 12.3. os SOLICITANTES foram instruídos por seu advogado de todos os termos do artigo 216-B, da lei de registros públicos, que prevê o procedimento da adjudicação compulsória extrajudicial; 12.4. aceitam esta ATA NOTARIAL em todos os seus termos e conteúdo; e 12.5. têm ciência de que a lavratura da presente ATA NOTARIAL, por si só, não tem o condão de reconhecer a ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA pretendida, servindo este ato notarial como instrumento de meio à esta pretensão; 12.6. têm ciência de que a lavratura deste ato notarial, para fins do procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial, se consubstancia numa primeira etapa e que as partes requereram a sua lavratura com o fim de verificação e registro dos documentos apresentados neste ato e que serão apresentados numa segunda etapa junto ao cartório de registro imobiliário, que fará a qualificação registral objetiva e subjetiva dos requisitos para a efetivação desse procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial; 12.7. têm ciência de que se o procedimento registral de adjudicação compulsória extrajudicial for indeferido pelo registro imobiliário, as partes ficam cientes que deverão fazer a escrituração do imóvel pelas vias ordinárias em um Cartório de Notas ou ajuizar a ação judicial competente para tanto, podendo aproveitar esta ata notarial como meio de prova em juízo, nos termos do artigo 384, do Código de Processo Civil; 13) DAS INFORMAÇÕES OBRIGATÓRIAS À CENSEC: Conforme artigo, 7º, do Provimento nº 18/2012, do Conselho Nacional de Justiça, será procedido o cadastro do presente ato notarial no prazo legal junto à CENSEC – Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados. 14) DA CONSULTA À CENTRAL NACIONAL DE INDISPONIBILIDADE DE BENS – CNIB: Conforme determina o art. 14, do Provimento nº 39/2014, do Conselho Nacional de Justiça, foram realizadas buscas, na presente data, junto à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB, não sendo encontrado qualquer anotação de Indisponibilidade de Bens em nome das partes, que impeçam a lavratura deste ato, de acordo com Relatório(s) de Consulta de Indisponibilidade emitido(s) às ______, do dia ________ – Códigos HASH: ___); às ______, do dia ________ – Códigos HASH: ___).  E, assim, me pediu que lhe lavrasse o presente instrumento em meu livro de notas, o qual sendo por mim lido, a um só tempo e em voz alta, aos SOLICITANTES e a seu ADVOGADO. Tudo constatado mediante verificação presencial de todas as declarações, bem como a apresentação de documentos, que ficam arquivados nesta serventia.

  • Conclusão

O advento do procedimento da adjudicação compulsória extrajudicial, pela lei nº 14.382/2022 trará grandes avanços para a regularização imobiliária no país, pois possibilitará que o sistema notarial e registral seja utilizado diretamente, com mais simplicidade e celeridade, sem qualquer prejuízo da segurança jurídica, pois o procedimento conterá duas etapas: a) verificação documental, de fatos e depoimentos através da lavratura da ata notarial nos cartórios de notas; b) procedimento no cartório de imóveis.

Importante registrar que a obrigatoriedade da utilização da ata notarial para o procedimento traz um instrumento imparcial de prudência notarial, que poderá ser feito mediante a livre escolha pelo usuário de Cartório de Notas de sua confiança, por dispensar a necessidade de diligência no local, pois tal ato notarial será utilizado como um meio de comprovação documental e de depoimentos dos fatos ocorridos, o que fatalmente trará maior segurança jurídica e rapidez para a adjudicação compulsória extrajudicial junto ao cartório de imóveis.

  • Referências

PEREIRA, Eduardo Calais; CORRÊA, Leandro Augusto Neves; DEPIERI, Rafael Vitelli. Adjudicação compulsória extrajudicial: conceitos e limites. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/372122/adjudicacao-compulsoria-extrajudicial-conceitos-e-limites. Acesso em 02 de out. 2022.

SCHREIBER, Anderson et al. Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.

TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das coisas. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2013.

VIVACQUA, Paula Pincelli Tavares. Bens públicos – possibilidade e formas de alienação – hipótese de licitação dispensada, dispensável ou inexigível. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/ depeso/278033/bens-publicos—possibilidade-e-formas-de-alienacao—hipotese-de-licitacao-dispensada–dispensavel-ou-inexigivel. Acesso em 02 de out. 2022.


[1] Tabelião de Notas do Cartório do 2º Ofício de Vitória (ES) em Jardim Camburi. Doutorando em direitos e garantias fundamentais pela FDV. Mestre em direito, Estado e cidadania pela UGF. Especialista em Direito Privado e Processual Civil. Membro da Academia Notarial Brasileira (ANB). Membro do Brasil na União Internacional do Notariado Latino – UINL. Diretor do Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal – CNB. Vice-presidente do Colégio Notarial do Espírito Santo, ES. Professor da Escola Nacional de Notários e Registradores – ENNOR. Professor da pós-graduação de direito tributário e de família da Faculdade de Direito de Vitória – FDV. Coordenador da pós-graduação em direito notarial, registral e imobiliário da ESA/OAB-ES. Autor das obras jurídicas: “Temas de Direito Notarial e Registral”, “Direito Administrativo: novos paradigmas, tendências e realidade”, “Direito Notarial e Registral: temas contemporâneos”, dentre outras.

Email: tabeliao@2notasvitoria.com.br