Todas as normatizações, por mais dinâmicas que sejam, principalmente aquelas com incidência nas áreas médicas, devem experimentar revisões periódicas, justamente para que sejam submetidas às necessárias adequações, em razão da introcução das novas tecnologias que vão invadindo reiteradamente a ars curandi. E não só. Sendo um dos objetivos da Medicina a proteção da saúde humana com o aprimoramento dos conhecimentos do profissional e a utilização do progresso científico em benefício do paciente, todo o esforço deve ser desenvolvido para fornecer ao homem um padrão de vida com mais qualidade para que possa reunir as melhores condições de realizar os seus objetivos propostos.
Assim é que, no tocante à medicina genética, mais precisamente na área da reprodução assistida, o Conselho Federal de Medicina editou em 2013 a Resolução 2.013, estabelecendo os princípios éticos e bioéticos a serem observados na utilização das técnicas de reprodução assistida. Referida Resolução foi revogada dois anos após, por outra que levou o nº 2.121, encarregada de acrescentar as inovações reclamadas e necessárias para o procedimento. Nova Resolução, contemplada agora com o nº 2.168/2017, por sua vez, revogou a anterior e criou novos patamares e dimensões para a eficácia e sucesso dos procedimentos na área da reprodução assistida.1
Resolução, no caso específico, como é sabido, é o regramento feito para uma determinada categoria, com validade interna corporis, estabelecendo normas éticas e técnicas para solucionar os problemas relacionados com a reprodução humana, partindo da premissa que a infertilidade é um problema de saúde. Assim, no tocante à maternidade de substituição, pela Resolução agora revogada, era permitida a gestação compartilhada de substituição, desde que existisse um problema médico que contraindicasse a gestação da doadora genética, em caso de união homoafetiva ou de pessoa solteira, somente aos familiares dos parceiros numa relação de parentesco consanguíneo até o quarto grau, compreendendo, nesta ordem: mãe, irmã/avó, tia e prima, observando, em qualquer caso, a idade limite de 50 anos.
A nova normatização ampliou o rol e acrescentou também a filha e sobrinha como doadoras temporárias de útero. O acréscimo referido é justamente para ampliar a relação de mulheres ligadas à família e que possam voluntariamente colaborar com o processo de procriação pretendido. O dispositivo deontológico, de certa forma, após estabelecer o limite máximo de idade das eventuais colaboradoras intrafamílias, de forma clara e imbuído do bom senso norteador que exige a matéria, levando-se em consideração o princípio da autonomia da vontade do paciente, admite a utilização das técnicas de reprodução assistida, em mulheres acima de 50 anos, desde que seja feita uma avaliação técnica e científica consubstanciada em parecer médico devidamente fundamentado, com o devido esclarecimento à candidata dos riscos que envolvem o procedimento.
Também a mesma Resolução deixa a entender que, excetuando o relacionamento familiar, é possível também encontrar colaboradora. Assim, não havendo candidatas no âmbito familiar, pessoa não aparentada poderá exercer a maternidade de substituição, desde que preenchidas as seguintes condições, com a devida autorização do Conselho Regional de Medicina: a) documento que comprova que a paciente não reúne condições para a gravidez e que a doadora se encontra em condições saudáveis para assumir a maternidade de substituição e, em caso de não ser parente, que o a decisão vem calcada somente pelos laços de amizade, solidariedade e afinidades familiares; b) elaboração do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido entre a paciente e a doadora temporária de útero especificando todos os detalhes técnicos do procedimento e os riscos existentes; c) apresentação de documento explicitando que não há qualquer compensação financeira pela cessão temporária do útero, com a consequente entrega da criança à mãe genética; d) a mãe genética deve conferir o tratamento e acompanhamento médico, abrangendo equipes multidisciplinares, se necessário, à doadora de útero, até o puerpério; e) se a cedente for casada ou viver em união estável, o cônjuge ou o companheiro deve aprovar o procedimento.
Outro problema que surgia era exatamente o assento de nascimento da criança que, inicialmente, era feito em nome da mulher que exerceu a maternidade substitutiva, em razão da até então inquebrantável regra da maternitas certa est e, posteriormente, buscava-se o Poder Judiciário para anular o registro e nele fazer inserir os dados dos pais genéticos.
Não há, portanto, necessidade de autorização judicial. O ato poderá ser realizado perante o cartório de registro civil das pessoas naturais de todo país, bastando somente a presença dos pais munidos da documentação exigida pelo Provimento. É exemplo típico de instrumentos legais que dialogam entre si com a finalidade específica de proporcionar ao homem a solução mais adequada para resolver os entraves entre a cessão temporária de útero e o registro da prole.
1 REPRODUÇÃO ASSISTIDA: CFM anuncia novas regras para o uso de técnicas de fertilização e inseminação no País
2 Provimento nº 63/2017 do CNJ institui novos modelos nacionais para as certidões de Registro Civil
*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado/SP, mestre em Direito Público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, reitor da Unorp e membro ad hoc da CONEP/CNS/MS.
Fonte: Migalhas