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Artigo – Reconhecimento do direito de visitas a animais de estimação – Por Bruno Frullani Lopes

Análise sobre a recente decisão da 4ª Turma do STJ

“Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”, assim Tolstói iniciava o clássico da literatura russa Anna Karenina. De repente, do riso faz-se o pranto; das bocas unidas, espuma; das mãos espalmadas, espanto. De repente, não mais que de repente, a chama se desfaz dos olhos e a paixão se faz drama. No soneto da separação hodierno, não só de partilha de bens e guarda de filhos, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.

A regulamentação de visita de uma cadela Yorkshire reconhecida pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento realizado no final do último semestre, representou um marco na fixação do direito de visitas para animais de estimação após o encerramento de um relacionamento amoroso.

Adquirida por um casal em 2008, cuja união estável se dissolveu em 2011, a cadela ficou com a ex-companheira depois da separação. No momento da dissolução da união estável, os ex-companheiros fizeram declaração de inexistência de bens a serem partilhados, deixando de tratar do tema específico do animal de estimação.

O ex-companheiro ingressou com ação de regulamentação de visitas, sob a alegação de ter o contato com o animal impedido pela ex-companheira, o que teria acarretado “intensa angústia”. Inicialmente, a ação foi julgada improcedente, tendo sido considerado o animal de propriedade exclusiva da mulher, no momento em que foi firmada a escritura pública, não sendo possível adotar, por analogia, temas relativos à relação entre pais e filhos.

Tal sentença foi reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), cujo acórdão fixou visitas do ex-companheiro à cadela em períodos como finais de semana, feriados, festas de final de ano, bem como assegurou o direito de participar de atividades como levar o animal ao veterinário, sob a fundamentação de que estava demonstrada a relação de afeto do animal com o ex-companheiro.

Instada a se pronunciar sobre o tema, a 4ª Turma do STJ manteve o acórdão do Tribunal de Justiça, por decisão majoritária, valendo-se de fundamentação inédita na Corte.

A Turma confirmou o enquadramento dos animais na categoria de bens semoventes (aqueles suscetíveis de movimento próprio e passíveis de posse e propriedade), entretanto ressalvou que, em razão das relações afetivas estabelecidas com os seres humanos, os animais não podem ser classificados como meras “coisas inanimadas”, merecendo tratamento peculiar.

O relator do Recurso Especial, ministro Luis Felipe Salomão, classificou os animais de estimação como um “terceiro gênero”. Sem reconhecer os animais dotados da condição de sujeitos de direitos, porém sem equipará-los a coisas inanimadas. Segundo o relator, a análise deverá ser sempre caso a caso, valendo-se da proteção da dignidade da pessoa humana, a partir do vínculo afetivo entre a parte e o animal. Assim, rechaçando a alegação de “mera futilidade” do tema, de um lado, mas recusando-se a “humanizar” o animal, de outro, ao evitar-se a equiparação de sua posse com a de guarda de filhos.

Conclui-se, portanto, que pelo entendimento expressado no julgamento, o STJ realça o afeto da entidade familiar pelo animal de estimação como norte, inclusive reconhecendo a natureza especial dos animais, cujo bem-estar deve ser considerado, porém se recusa a alterar a natureza jurídica do animal para a de sujeito de direito.

A disputa familiar envolvendo animais de estimação mostra a insuficiência do regramento jurídico dos bens para a solução satisfatória, em virtude do valor afetivo. Da mesma forma, as demandas dos animais são diferentes das humanas, portanto, a posse de animais não se pode equiparar com a guarda de filhos.

De repente, não mais que de repente, fez-se de triste o amante e sozinho o que se fez contente. Quando da calma se fez o vento, parafraseando os versos de Vinícius de Moraes, do amigo próximo se faz distante e a vida se faz uma aventura errante, dentre partilhas de bens e guardas de filhos, caberá a família, infeliz à sua maneira, custodiar a posse do animal de estimação.

BRUNO FRULLANI LOPES – presidente da Associação dos Amigos do Departamento Jurídico. Sócio do escritório Frullani Lopes Advogados.

Fonte: Jota