Pouco tem se falado sobre dispositivos que viabilizam criação de espaços de resolução de conflitos de forma extrajudicial
A entrada em vigor da Lei 13.467/2017 foi alvo de muitas polêmicas e reforçou as posições antagônicas entre trabalhadores e o empresariado.
Os empresários se mostram amplamente favoráveis a maior parte das mudanças e entendem que finalmente ocorreu maior flexibilização e modernização da legislação trabalhista, mas ao mesmo tempo vivenciam uma fase de grande incerteza quanto a interpretação que os juízes darão a essas mudanças. A classe trabalhadora e os sindicatos que a representam denunciam a precarização da situação do trabalhador e defendem a inconstitucionalidade de vários dispositivos.
Pará além do debate entre flexibilização e precarização, pouco tem se falado sobre os novos dispositivos que viabilizam a criação de espaços de diálogo e de resolução de conflitos de forma extrajudicial.
O art. 855-B estabelece a Jurisdição Voluntária Trabalhista, possibilitando que empresas e trabalhadores realizem acordos extrajudiciais, que serão submetidos a homologação judicial. De forma acertada, assegurou a representação de ambas as partes por advogados, evitando-se assim desequilíbrio de poder. Essa inovação traz segurança jurídica e ainda incentiva a desjudicialização, coibindo também a famigerada ¨casadinha¨, prática em que as partes simulam um litígio e submetem uma ação judicial apenas para obter a chancela do Judiciário no acordo.
Ademais, incentiva-se a negociação e a mediação extrajudicial, métodos que possibilitam maior celeridade, economia e principalmente preservam a autonomia da vontade das partes, já que estas podem livremente decidir se querem um acordo e quais os termos deste, sem a imposição de um terceiro.
Vale lembrar que a celeridade é um dos principais problemas da Justiça do Trabalho – JT, e segundo o relatório Justiça em Números do CNJ o tempo médio de tramitação de um processo trabalhista na fase de conhecimento é em média de um ano e nove meses. Na fase de execução o tempo médio de baixa na JT é de três anos e quatro meses. Nesse contexto, os métodos autocompositivos têm o potencial de mudar o quadro de morosidade na resolução dos conflitos trabalhistas, agora com o necessário respaldo legal trazido pelo artigo 855-B.
Outro aspecto de grande relevância na adoção dos métodos autocompositivos é a economia em comparação ao processo judicial. Ao judicializar um conflito as partes suportam gastos com custas, depósitos recursais, juros e ainda, a partir da entrada em vigor da reforma também serão acrescidos os honorários de sucumbência, inovação trazida pelo art. 791-A.
Outra importante mudança, introduzida pelo art. 510-A, possibilita que nas empresas com mais de 200 funcionários, seja instituída uma Comissão de representantes dos empregados. Dessa forma, é possível o entendimento direito entre empregadores e empregados, sem que ocorra a participação dos sindicatos, aproximando aqueles que estão vivenciando o dia a dia da empresa e valorizando o diálogo e o foco nos interesses das partes.
Já o art. 507-A inova ao autorizar a cláusula compromissória de arbitragem nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, o equivalente a cerca de R$ 11 mil reais.
Nesse contexto, o novo marco legal possibilita a estruturação de Sistemas Privados de Resolução de Conflitos, seguindo uma tendência estrangeira. A partir do século XX, os Estados Unidos desenvolveram modelos para resolver conflitos oriundos das relações trabalhistas por meio de Sistemas de Resolução de Conflitos privados que incluem os métodos de negociação, mediação e arbitragem. Essas práticas foram disseminadas e na década de 80 a Universidade de Harvard desenvolveu a metodologia Dispute System Design – DSD, voltada a criação ou ao aperfeiçoamento de Sistemas de Resolução de Conflitos customizados para cada contexto, delimitando fluxos, medidas de prevenção e diferentes métodos de resolução para cada tipo de conflito. Com o DSD busca-se estruturar uma alternativa ao Judiciário que seja menos morosa, menos custosa, e mais satisfatórias às partes envolvidas.
Um dos casos emblemáticos nos Estados Unidos na área trabalhista ocorreu nas minas de carvão. Na época o quadro conflituoso era alarmante e no período compreendido entre 1971 e 1974 registrou-se uma média de 1.500 greves por ano. Esta taxa duplicou entre 1975 e 1977, ultrapassando 3000 greves anuais. Ury e Goldberg realizaram então uma famosa experiência nas minas de carvão de Caney Creek, no estado americano de Kentucky. Nos dois anos anteriores haviam ocorrido 27 greves nessa mina. A situação conflituosa entre os mineradores e a direção da mina de Caney Creek era tão acirrada que o encerramento das atividades era eminente e 1/3 dos contratos de trabalho já haviam sido suspensos.
O primeiro passo dos especialistas foi a realização de um amplo diagnóstico da situação, e para tanto conversaram com a direção da mina, entrevistaram mais de 100 mineradores, dialogaram com os sindicatos e demais atores envolvidos. O Sistema de Resolução de Conflitos era extremamente deficiente e os procedimentos de resolução de conflitos baseados nos interesses, como a negociação, eram praticamente inexistentes. Os procedimentos utilizados centravam-se nos direitos, como a arbitragem, ou no poder, como as greves. A insatisfação com esse modelo era generalizada. Os trabalhadores se queixavam de que as etapas de negociação eram meramente protocolares e não se sentiam ouvidos. Já os administradores da mina entendiam que as queixas eram excessivas e que as greves eram abusivas.
Ury, em conjunto com as partes envolvidas, adotou, dentre outras as seguintes medidas: i) restabeleceu o diálogo entre trabalhadores e a direção da mina, e pacientemente reestabeleceu a confiança entre estes; ii) reformulou as etapas de resolução do Sistema de Resolução de Conflitos pré-existente; iii) incentivou a prevenção e o engajamento das partes na solução dos conflitos e reforçou os procedimentos de negociação e mediação antes da arbitragem, acelerando a resolução geral das disputas e reduzindo o número de casos que exigiam um árbitro, o que era mais oneroso.
Ambos os lados informaram uma melhoria considerável nas suas relações, passaram-se mais de 11 meses seguidos sem uma única greve e o risco de fechamento da mina dissipou-se. Em setembro de 1980 ocorreu um princípio de greve e outro em janeiro de 1981, mas rapidamente se estabeleceu a etapa de negociação pré-greve e houveram acordos, o que demonstrou que continuavam progredindo e gerando soluções por meio do diálogo.
O exemplo citado, que ocorreu em ambiente extremamente complexo e belicoso, demonstra como é necessária a quebra de paradigma no tratamento de conflitos trabalhistas, substituindo-se a visão adversarial e os métodos heterocompositivos pelo foco na discussão sobre interesses, por meio dos métodos autocompositivos, a negociação e a mediação.
Nos anos seguintes o DSD foi disseminado nos EUA e no mundo, sendo que alguns autores adotaram a denominação Employment Dispute Resolution – EDR, quando buscava-se reestruturar as relações e a dinâmica da resolução dos conflitos trabalhistas. Alguns dados podem ilustrar a eficiência propiciada pelo DSD. A Halliburton, multinacional americana do ramo petrolífero, implementou um novo Sistema de Resolução de Conflitos e reduziu em 80% os custos com litígios. Já a Motorola, do ramo de telecomunicações, alcançou redução de 75% dos custos com litígios durante um período de seis anos. A NCR, da área de tecnologia, e que posteriormente foi adquirida pela AT&T, alcançou redução de 50% nos custos com litígios e reduziu seu estoque de processos judiciais de 263 no ano de 1984 para apenas 28 processos em 1993.
Recentemente o Tribunal Superior do Trabalho, de forma pioneira e corajosa, promoveu um seminário sobre Dispute System Design, que contou com a participação de um dos maiores especialistas do tema no mundo, o Professor Robert Bordone.
Esse importante e simbólico passo demonstra qual pode ser o papel da Justiça do Trabalho no contexto brasileiro, superando a inércia e o conformismo com a avalanche de processos, e consolidando uma nova uma etapa de inovação, construção de consenso e cooperação com trabalhadores, empresários e sindicatos.
Espera-se que as posições inflamadas e diametralmente opostas dos trabalhadores e dos empresários em relação a reforma trabalhista sejam repactuadas sob um novo paradigma alicerçado especialmente nas seguintes premissas: i) foco na discussão de interesses, ii) adoção de medidas voltadas a prevenção de litígios; iii) incentivo a estruturação de Sistemas de Resolução de Conflitos privados; iv) priorização dos métodos autocompositivos como a negociação e mediações, e quando necessário a arbitragem; v) participação ativa, incentivo e supervisão da Justiça do Trabalho na implementação de Sistemas de Resolução de Conflitos.
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MORGAN, Cecilia H. Employment Dispute Resolution Processes 2004, 11 Tex. Wesleyan L. Rev. 31, 44 (2004).
Justiça em Números 2017.Conselho Nacional de Justiça, 2017.
ROGERS, Nancy H.; BORDONE, Robert C.; SANDER, Frank E.A.; McEWEN, Craig A. Designing Systems and Processes for Managing Disputes. New York: Wolters Kluwer Law & Business, 2013.
URY, William, BRETT Jeanne M., GOLDBERG, Stephen B. Getting Disputes Resolved, 2009.
Eduardo Machado Dias – Advogado. Professor do Instituto de Direito Público.
Fonte: Jota