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Notariado Mundial debate novas soluções de desjudicialização em encontro histórico

Brasília/DF – As novas atribuições do Notariado foram tema da segunda etapa do Simpósio Mundial ocorrido no último dia 09 de novembro, em Brasília/DF. Com uma plateia de quase mil profissionais notariais, entre tabeliães, acadêmicos e autoridades, oriundos de 91 países, o Colégio Notarial do Brasil coordenou a apresentação de 14 nações de suas soluções em prol da desburocratização.

Presidente da Comissão de Assuntos Europeus, a notária italiana Valentina Rubertelli mediou os trabalhos de três subtemas principais do evento: ‘Novas competências’, ‘O papel do notário como agente na evolução da sociedade’ e ‘A colaboração no trabalho entre notários e juízes’. Ao realizar a abertura da sessão, Rubertelli destacou a importância das conquistas dos notariados de cada país onde novas atribuições são regulamentadas. “Cada vez mais o notário deve galgar novos espaços na sociedade, impulsionando o papel da Fé-Pública como força motriz de uma sociedade mais justa e menos burocrática”, disse.

Novas competências e o movimento de desjudicialização mundial


Homero Lopes Obando, presidente da Comissão de Assuntos Americanos subiu ao palco para falar sobre o movimento de desjudicialização no continente Americano e os reflexos das novas atribuições de notários, com destaque ao reconhecimento do tabelião como agente de assessoramento jurídico na América Latina.

“Vemos que a ideia do notário como conselheiro local, principalmente em assuntos relacionados ao Direito de Família, ganha força em nosso continente, assim como já acontece na Europa. Neste sentido creio que as sucessões, os matrimônios, os regimes de bens e partilhas são exemplos de atribuições que se tornarão um padrão de competências regulamentadas em diversos países vizinhos”, disse ao ressaltar que a estrutura familiar das culturas latinas se beneficiam cada vez mais da segurança jurídica que as serventias podem proporcionar.

Peter Stelmaszczyk, presidente do Conselho de Notários da União Europeia, Larissa Oebel, candidata a notária na Alemanha, Adam Toth, presidente da Câmara de Notário da Hungria e Aida Diawara Diagne, presidente da Câmara de Notários do Senegal, integraram o painel de discussões sobre as novas atribuições de notários em temas relacionados às sucessões.

Stelmaszcyk destacou os mais recentes chamamentos de notários alemães em Corte a fim de prover visões técnicas e aconselhamentos em casos de litígios sobre heranças. “O tabelião age como uma voz de imparcialidade juntando os aspectos puramente jurídicos com a relação de confiança que criou naquela sociedade regional. Por isso, o tabelião é chamado a depor sobre as características e relacionamentos dentro de uma comunidade e como tais relacionamentos afetariam a partilha de bens sob litígio”, disse.

Larissa Oebel, ao lado de Peter, destacou que na visão da Câmara de Notários da Alemanha o tabelião deve servir como peça essencial na partilha de bens entre herdeiros quando há a abertura do testamento, provendo sua análise quanto ao conteúdo do documento. “Acreditamos que a Corte deve incluir o notário que realizou o testamento no processo de partilha também. É perfeitamente plausível que o serviço notarial extenda-se à abertura deste testamento”, disse.

Adam Toth, por sua vez, propôs reformular o termo desjudicialização em sua língua natal, já que a palavra fora “intensamente utilizada na época pós Segunda-Guerra Mundial” a fim de minar o Poder Judiciário e enaltecer movimentos antidemocráticos no país. “Não buscamos tomar as responsabilidades de juízes ou advogados, mas sim auxiliar as cortes e desafogar os tribunais. Desta forma, o notariado hungaro tem recebido casos litigiosos de sucessões para encontrar soluções viáveis e satisfatórias para as diferentes partes. O grande desafio fora confiado como experimento da capacidade técnica dos notários em atender situações de adversidade entre clientes”, concluiu.

Aida Diagne encerrou o painel ao destacar o mais recente entendimento do Conselho de Justiça do Senegal que reconhece o notário como agente parceiro nas questões relacionadas à partilha entre herdeiros no País. “A abertura de testamentos, que antes só podia ser realizada perante a presença de um juíz, agora pode ser realizada de forma célere e muitas vezes sem litígio pelo notário, que realizará a mediação entre os herdeiros logo após a apresentação das vontades do falecido, buscando consenso e ordem social”, explicou.

Família
As experiências do Brasil na realização de divórcios extrajudiciais foi destaque no painel “O Casal”, que reuniu também representantes do Brasil, Peru, Eslovênia e Romênia para discorrer sobre matrimônios e uniões estáveis. O diretor do CNB/CF, Hércules da Costa Benício, apresentou os principais aspectos jurídicos que permitem que a dissolução matrimonial e a partilha de bens seja realizada em cartório de notas no Brasil, com destaque a recentes decisões judiciais que permitem o ato mesmo por casais que tenham filhos menores e/ou incapazes.

“O consenso e a inexistência de litígio tornam-se pontos cruciais para os casais que queiram resolver tais pendências diante do notário. A jurisprudência brasileira busca a celeridade e reconhece que a via extrajudicial age como um braço dos tribunais na publicidade das solicitações onde não há litígio”, explicou.

Após a apresentação de Hércules, a convite do CNB/CF, o professor de Direito Civil da USP, José Fernando Simão subiu ao palco em uma intervenção quanto à necessidade da desjudicialização nos países de Notariado Latino. “Um Judiciário excessivamente carregado nos une em nossa ‘latinidade’. O tempo demonstrou que muitas atividades não precisam estar nas mãos deste judiciário e por isso a desjudicialização se faz precisa”, explicou.

Em suas conclusões, Simão citou o binômio da celeridade e segurança como mantras da desjudicialização. “O que é célere, mas não é seguro, torna-se socialmente perigoso. O que é seguro, mas não é célere, torna-se socialmente inútil”, explicou ao destacar que a Lei 11.441, de 2007, atende o binômio da celeridade e segurança e por isso mostra-se um caso de sucesso, na escolha crescente das partes em optar pela via extrajudicial para a realização de divórcios.

Juan Carlos Peralta Castellano, diretor do Conselho de Notários do Peru, falou sobre a possibilidade de casais formalizarem seus matrimônios em serventias de notas no país. “Desde 2022, com o advento da Lei nº 31643, os casais peruanos podem se casar perante o tabelião responsável por sua região. Este é um grande avanço no Direito de Família e garante publicidade ao ato de forma célere, já que utiliza o sistema biométrico já estabelecido no Peru para certificar a identidade das partes e dar autenticidade à vontade do casal”, explicou.

Lorena Isabel Flores Estrada, delegada do Colégio de Advogados e Notários de Guatemala, ressaltou que o Direito de Família deu um “grande suporte a um movimento em prol da desjudicialização na Guatemala, pois foi a partir de uma lei nacional, a qual foi regulamentada a realização de Uniões Estáveis por notários em 1947, que demais atos relacionados a matrimônios e demais questões de patrimônios familiares”, explicou.

Já o Colégio de Notários da Romênia enviou a representante Ana Luisa Chelaru para discorrer sobre a realização de divórcios de casais com menores ou incapazes. Regulamentado por lei federal há dois anos, a possibilidade também depende do acordo entre as partes para que seja efetivada em cartório de notas, mas dispensa qualquer ação prévia dentro do judiciário se os requisitos mínimos forem atendidos. A Notária apontou que, devido os casamentos serem realizados por outra instituição, a realização do divórcio extrajudicial enfrentou “grandes barreiras pelas mudanças de normativas jurídicas no país, mas que uma petição popular em prol da celeridade dos negócios deu início às edições que possibilitaram o divórcio ser realizado por um notário”, concluiu.

Bojan Podgorsek, notário na Eslovênia, também discorreu sobre o divórcio com menores como grande ato de desjudicialização do país e citou os três grandes requisitos para que o ato seja realizado por um tabelião. “Caso haja consenso sobre a partilha da propriedade onde o menor morará, sob a guarda do menor e sobre a manutenção mensal em valores para que este menor viva com conforto, o ato será realizado pelo notário”, explicou.

Pessoas vulneráveis e novas competências
Almudena Castro Girona, notária da Espanha e presidente da Comissão de Direitos Humanos da UINL, foi a responsável por discorrer sobre o papel do tabelião espanhol na garantia de direitos das pessoas vulneráveis no país. Almueda destacou as novas diretrizes do Conselho de Notários Espanhóis junto do Governo Federal que resultaram em medidas de padrão nacional que visam dar publicidade e autenticidade de forma segura às pessoas incapazes. “Um guia de boas práticas e garantias baseado em estudos da ONU foi distribuído por todas as regiões do país para padronizar o atendimento às pessoas incapazes e seus guardiões. Criar uma sistemática segura para o profissional notarial mostrou-se de extrema necessidade, principalmente ao longo da pandemia”, disse.

Para Girona, o caso espanhol serve como um exemplo de uma ação que deve ser tomada por todo o mundo, mas em especial pela Europa, já que sua população envelhecerá nos próximos anos e necessitará cada vez mais do braço extrajudicial para garantir os direitos de incapazes e cidadãos idosos. “Precisamos unificar e treinar tabeliães para reforçarem os cuidados no atendimento de pessoas consideradas vulneráveis, criando mecanismos de segurança ao patrimônio destes cidadãos que dependem de parentes ou outros guardiões”, disse.

Giovani Liotta, membro da Comissão de Direção da UINL, discorreu sobre as ações italianas que visam facilitar as concessões de autorização para lavratura de atos que envolvem menores ou adultos vulneráveis. “Todo e qualquer processo relacionado ao patrimônio com menores ou adultos em situação de vulnerabilidade, seja por doença, mobilidade reduzida ou idade avançada, levava meses para ser resolvido pelos tribunais”, explicou ao ressaltar que partiu dos magistrados envolver o Notariado Italiano em casos nestas circunstâncias a fim de “aliviar a carga de trabalho e dar celeridade nos processos do país junto aos tabeliães, já reconhecidos como profissionais capacitados na garantia de segurança jurídica, assim estendendo-lhes a alçada dos atos com menores ou adultos vulneráveis”, concluiu.

Inaba Kazuo, notário japonês e vice-presidente da UINL para a Comissão de Assuntos Asiáticos UINL, realizou uma intervenção sobre a Curatela Extrajudicial que existe no Japão. O professor acadêmico explicou que a idade média da população foi fator essencial para que um movimento ocorresse no país em busca de segurança jurídica futura. “Com uma média de mais de 13 mil solicitações anuais, a Curatela Extrajudicial é um ato preventivo no Japão. Nele o requerente indica um guardião que se tornará responsável por sua saúde e patrimônio em caso de incapacidade. Um longo documento é redigido pelo tabelião com as indicações da pessoa sobre diferentes pontos de sua vida, especificando suas vontades e criando delimitações e guias para este guardião seguir no futuro”, explicou.

A apresentação também ressaltou que um médico junto de um notário passam a realizar encontros com o requerente em um período de tempo pré-determinado a fim de apontar o exato momento em que a Curatela Extrajudicial passará a vigorar ao guardião da pessoa. “Há um ‘ponto de quebra’ entre a pessoa capaz e incapaz. Apenas o médico de família ao lado do notário poderão emitir este laudo técnico dando início aos poderes concedidos ao guardião da pessoa. Não será a incapacidade física, mas sim puramente mental que indicará este momento”, disse.

Notário, agente chave na evolução da sociedade
A presidente honorária da UINL, Cristina Armella e a professora da Universidade Mundial do Notariado, Christine Morin, formaram o painel “Notário, um ator chave na evolução da sociedade”. Armella discorreu sobre a integração de concepções da Agenda 2030 em relação aos Direitos Humanos nas legislações e jurisprudências da América Latina. A notária argentina destacou que o Notariado “toma um importante papel na execução destes direitos, seja pela realização de uniões homossexuais, pela filiação assistida e na formação de núcleos familiares atípicos”, explicou. Durante sua apresentação, Armella também reforçou que em muitos países o “Poder Público geraria entraves burocráticos na realização destes atos e no atendimento pronto a minorias, mas com a assistência dos tabeliães, a garantia de direitos acontece em passos mais largos do que em países onde apenas o Judiciário age”, disse.

Morin destacou os estudos de caso que surgem ao redor do mundo onde o notário age como guardião da vontade de barrigas de aluguel. Em suas pesquisas, Morin analisou como a coleta de vontade garantiu a constituição de novas famílias por meio da gestação terceirizada mesmo em países onde tal processo não é regulamentado. “Sobressai a publicidade e autenticidade da escolha das partes, casal e barriga de aluguel, pelo processo de gestação. Nestes casos, a filiação por socioafetividade também recai sobre responsabilidade do notário”, concluiu.

Notário e juízes: novas possibilidades de parceria
As possibilidades de parceria entre notários e juízes foi o tema do terceiro painel do Simpósio Mundial de Desjudicialização. Corinne Dessertenne Brossard, diretora do Conselho de Notários da França e Lovro Tomasic, representante da Câmara Federal de Notários da Alemanha, discorreram sobre a mediação notarial em seus respectivos países.

Regulamentados por lei federal, Brossard e Tomasic mostraram como as cortes de seus países repassam casos para a via extrajudicial a fim de desafogar os tribunais. “Avaliado por um juiz, o ato a ser mediado é indicado a um tabelião de sua região. Casos relacionados a Direito de Família, sucessões e partilhas são os principais a serem desviados para os tabelionatos”, disse Corinne. Por sua vez, Lovro explicou que, após indicados, partes reúnem-se no Tabelionato em três encontros distintos, “para leitura das regras e funcionamento da estrutura de mediação, para fala entre advogados e requerentes e, por fim, para a resolução do caso pelo notário”.

Tanto na Alemanha quanto na França, mecanismos de proteção ao notário são tomados e um guia é utilizado para situações consideradas “atípicas”, como o não comparecimento de uma das partes ou total incomplacência entre as mesmas. “A ideia principal é a conciliação. Se não for possível, o tabelião busca os mecanismos de melhor manter a ordem social de forma justa, recorrendo até mesmo a demais atos notariais que possam garantir o melhor entendimento entre os requerentes. Se mesmo assim o mínimo de consenso não for alcançado, o ato retoma o tribunal para decisão final do juíz”, ressaltou Lovro.

Em diagrama sobre o “passo a passo” da mediação em tabelionato, Corinne ressaltou que, após a finalização da mediação, o ato ainda retorna para o juiz, que valida o resultado ou reabre o caso com ressalvas.

O próximo a subir ao palco foi Zhang Kaifang, secretário-geral adjunto da Associação de Notários da China, que exemplificou como os documentos notariais chineses tornaram-se ferramentas de auxílio na execução de decisões judiciais relacionadas a imóveis e partilha de bens em casos de separação e planos de sucessão. “Diversas solicitações de procurações foram realizadas por juízes a fim de transferir poderes entre requerentes na China. Isso possibilitou que processos em diferentes partes do país prosseguissem de forma mais célere”, disse.

Acompanhado de sua tradutora, o notário destacou que os tribunais também iniciaram um movimento de transferência de atos que não envolvem litígio para os cartórios do país. “A cultura chinesa ainda não assimilou todo o potencial do setor extrajudicial. O encaminhamento compulsório de atos sem litígio pelas cortes do país se mostrou um mecanismo essencial para a crescente relevância do Notariado Chinês em sua sociedade”, concluiu.

Conclusões
O secretário-geral da UINL e notário francês, Thierry Vachon, encerrou os trabalhos do Simpósio Mundial de Desjudicialização com a leitura das conclusões do tema. Vachon destacou que o movimento de desjudicialização é inevitável em todo o mundo, mas requer o engajamento dos profissionais notariais para que as normativas jurídicas de cada país passem a contemplar as novas possibilidades para desafogar os tribunais.

“Não estamos falando de reiterar a importância dos juízes, mas de formar uma aliança, uma parceria com o Poder Judiciário a fim de garantir segurança jurídica em nossas sociedades. Não importa o continente, as nações que adotaram o Sistema Latino dependem do Notariado para desaguar seus casos em soluções e conciliações devido sua própria estrutura e funcionamento”, explicou.

Para o secretário, é necessário compartilhar as experiências internacionais e incentivar uma “onda de desjudicialização onde for possível inserir o notário como ferramenta de auxílio da Justiça”. Por fim, agradeceu o Brasil e destacou que as soluções de desjudicialização aos desafios de um país tão plural “são um exemplo a ser seguido”.

Fonte: Assessoria de comunicação CNB/CF