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Presidente do CNB concede entrevista ao portal Testamento Vital

Portal Testamento Vital: Qual a posição do Colégio Notarial do Brasil sobre a licitude das Diretivas Antecipadas de Vontade?

Paulo Roberto Gaiger Ferreira: As DAVs são lícitas, servindo à manifestação de vontade do paciente de submeter-se ou não a terapêuticas médicas quando não mais puder se manifestar no momento da tomada de decisão, por encontrar-se em estado incurável ou terminal. Esse instrumento está expressamente regulamentado pela resolução 1.995/12 do CFM (Conselho Federal de Medicina), além de fundamentar-se nos princípios constitucionais da autonomia e dignidade da pessoa humana (art. 1º, caput e inciso III, e art. 5º, caput e inciso II).

PTV: Você acha necessária a aprovação de uma lei específica sobre as DAV no Brasil? Justifique.

PF: Certamente. O direito à própria morte, o direito a morrer com a dignidade e sem o prolongamento doloroso ou sem qualidade de vida é tão essencial quanto o direito à vida. Uma lei que trate deste tema, tão conflituoso em nossa sociedade, pelos aspectos religiosos, e porque a morte é, hoje, um tabu, algo a se esconder, é indispensável. Os médicos teriam mais segurança para atender a vontade do paciente e este poderia escolher as alternativas terapêuticas após ouvir as informações e opções para o tratamento.

A positivação das DAVs através de lei própria traria efetividade à vontade manifestada pelo paciente, bem como resguardaria a responsabilidade do médico que a seguisse.

PTV: Qual a posição do CNB acerca da resolução CFM 1995/2012?

PF: A resolução sobre as DAVs, chamada de softlaw por ser reservada aos profissionais da medicina, tem grande impacto na vida de todos nós. É, de fato, uma “hardlaw”, pois trata do tema mais fundamental da existência, a vida e o fim dela. Como dissemos acima, ela é um alento para médicos e pacientes, que podem escolher a ortotanásia com tranquilidade. Imaginemos se não a tivéssemos: que angústia teriam os médicos ao orientarem seus pacientes ou ao ouvir deles que a opção era pela morte natural, não dolorosa? O CFM foi altaneiro, soube disciplinar o tratamento médico terminal e, com seu gesto, trouxe alento aos pacientes e o assunto a debate na sociedade.

PTV: Hoje muitos cartórios no Brasil lavram escrituras públicas de Diretivas Antecipadas de Vontade. Quais são os requisitos exigidos pelos Tabelionatos de Notas para um pessoa que deseje lavrar sua DAV?

PF: Os requisitos são os previstos para qualquer escritura pública, descritos no Código Civil, art. 215. Sucintamente, são identificação e capacidade civil, e livre e clara manifestação da vontade. Cumpre esclarecer que os cartórios estão lavrando também, juntamente com as DAVs, os mandatos duradouros; ou seja, instrumentos em que o paciente escolhe pessoa determinada que fará as escolhas médicas e de tratamento a serem realizadas por ele em situação em que não possa mais manifestar sua vontade.

PTV: A Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (CENSEC) possui uma aba para consulta de DAV, mas me parece que apenas a pessoa que lavrou sua DAV consegue ter acesso. É isso mesmo? Como o CENSEC funciona?

PF: A Censec foi criada e disciplina pelo CNJ, provimento 18, de 2012. Todos os atos notariais são para lá comunicados, com um índice elaborado pelo nome, CPF/CNPJ, natureza do ato, valores, dentre outros. Fizemos uma aba especial para a DAV, permitindo a consulta livre para que médicos possam saber da existência do ato. Assim, se o paciente ou seu mandatário alertam acerca da existência da DAV, basta uma simples consulta junto à central pelo médico, ou qualquer interessado, para se verificar acerca da existência da DAV. O cartório em que realizado o ato fornece, então, a certidão integral, de modo que possa ser prontamente utilizado.

PTV: Quando foi a primeira lavratura de escritura pública de DAV no Brasil? Quantas DAV já foram lavradas até hoje? Vocês têm dados estratificados por estados? Quais os estados que possuem mais DAV lavradas?
 

ANO200620072008200920102011201220132014201520162017 
Total geral1949713669852004905596976723653312
 

PTV: Existe um padrão de desejos nas DAV lavradas nos Tabelionatos de Notas no Brasil? Você pode nos contar alguns desejos?

PF: O padrão é o da ortotanásia. As pessoas não querem prolongar o sofrimento e sempre indicam uma pessoa de confiança para tomar as decisões após a perda da consciência. Algumas pessoas fazem declarações afetivas, mas é excepcional; normalmente adotam os termos da minuta, fazem as escolhas terapêuticas e de tratamento que aceitam ou que refutam. Algumas deixam instruções acerca do funeral, destino dos restos mortais ou celebrações religiosas. Importante esclarecer que os pacientes também recebem uma orientação acerca dos aspectos patrimoniais e sucessórios. Na mesma ocasião, podem ser outorgadas procurações públicas para questões empresariais ou testamentos.

PTV: Imaginando que uma pessoa tenha lavrado sua DAV em um Tabelionato de Notas e perca o discernimento. Como seus médicos saberão dos desejos manifestados na DAV?

PF: Temos que divulgar o acesso à nossa Central de Atos Notariais – www.censec.org.br , em que o acesso é livre, justamente para que os médicos saibam imediatamente que existe a DAV. O conteúdo, contudo, somente pode ser acessado por certidão fornecida pelo cartório que lavrou o ato.

PTV: O que uma pessoa deve fazer se uma Tabelionato se recusar a lavrar uma escritura pública de DAV?

PF: Procurar outro tabelião ou reclamar para o Corregedor ou ambos. O Colégio Notarial do Brasil, já há algum tempo, oferece cursos, palestras e debates sobre o tema. Os tabeliães do Brasil estão familiarizados com a matéria e aptos a realizares esses instrumentos.

PTV: Em outros países que já legislaram sobre as DAV e possuem sistema cartorial parecido como o Brasil, como funciona o registro das DAV em cartório?

PF: Sabemos que as centrais, em países europeus, funcionam relativamente bem. O melhor exemplo é o de Portugal.

PTV: Temos notícia de hospitais no Brasil que só aceitam cumprir DAV se as mesmas tiverem sido lavradas em Cartório de Notas. O que você acha disso?

PF: Evidentemente que essa exigência é ilegal, mas compreensível. De fato, enquanto não houver lei disciplinando o tema, a escritura pública, uma vez que consagra a fé pública do tabelião, é instrumento legal, legítimo e autêntico. A escritura pública goza de presunção de legalidade e legitimidade, o que não ocorre com os instrumentos particulares, ainda que tenham firma reconhecida. Desta forma, com a escritura pública em mãos, o hospital tem certeza de que o paciente efetivamente foi identificado pelo cartório e manifestou aquela vontade. Reforço, o CNB não pretende monopólio do instrumento, mesmo porque, as escrituras declaratórias são públicas e há aqueles que preferem o sigilo de suas manifestações de vontade. Entendo, contudo, que a formalização perante notário poderia facilitar a adoção e aceitação pelos médicos e suas entidades, além de permitir a centralização das informações. Se a lei vier a ter este teor, creio que a parceria advogados-notarios será idêntica como nos testamentos: o advogado orienta, instrui e ao final acompanha perante o tabelião para a formalização.

PTV: Fique à vontade para fazer outros comentários que julgar pertinentes.

PF: O Colégio Notarial do Brasil deseja participar ativamente da elaboração de um projeto de lei sobre o tema. Cremos que, diante da experiência de nossos notários com a lavratura de testamentos, que também envolvem o elemento “morte”, e diante da fé pública que, por lei, emana de nossos instrumentos, poderemos contribuir, de modo efetivo, à população.