Artigo – A prática dos Cartórios de Notas no meio eletrônico: um avanço e modernização pelo e-notariado – Por

A prática dos Cartórios de Notas no meio eletrônico: um avanço e modernização pelo e-notariado

Rodrigo Reis Cyrino1

Igor Emanuel da Silva Gomes2

Acesse o artigo na íntegra clicando aqui

 

RESUMO

Os cartórios estão inseridos no universo digital. A realização de atos notariais e registrais eletrônicos permite fácil acesso aos atos de cidadania para toda a sociedade, com todos os atributos relativos à segurança jurídica, celeridade e fé pública a vários procedimentos desjudicializados, tais como o divórcio, inventário, usucapião, apostilamento, dentre outros. No quesito “meio eletrônico ou digital” o avanço é significativo, com a utilização de diversos mecanismos de tecnologia, capazes de atender a população de forma mais simplificada, célere e segura, com instrumentos de biometria, webcam, certificado eletrônico notarial e agora até videoconferência para a leitura e assinatura dos atos notariais. O provimento 100, do ano de 2020, do Conselho Nacional de Justiça é um divisor de águas, pois criou o e-notariado: plataforma eletrônica que trouxe os cartórios de notas integralmente para a era digital, o que facilitará muito a atuação dos advogados, contadores, engenheiros, arquitetos e outros profissionais e fomentará o desenvolvimento de todo o mercado imobiliário com soluções simplificadas, seguras e com agilidade. O estudo detalhará o avanço e a importância da prática dos atos notariais eletrônicos para toda a sociedade, com o atributo da fé pública.

 

Palavras-chave: Cartório de Notas. Meio eletrônico. Modernização pelo e-notariado.

 

 

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. OS CARTÓRIOS NO BRASIL. 2.1. IMPORTÂNCIA DAS


2
Advogado (Oggioni, Gomes & Ceolin Advogados Associados), graduado em Direito pela FDCI, pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela FGV, Mestrando em Direitos e Garantias Individuais pela FDV, Vice-Presidente e Coordenador do Grupo de Estudos da Comissão de Direito Notarial e Registral da 17ª Subseção da OAB/ES, Secretário Geral-Adjunto da Coordenação Estadual das Relações Brasil-China da OAB/ES, Coordenador e Coautor do livro “Temas de Direito Notarial e Registral” (Sodré-2018), Coautor do livro “Temas de Direito Tributário” (Sodré, 2018), Coautor do livro “Temas de Direito Constitucional” (Lumen Juris, 2020), Autor de diversos artigos, Colunista do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal, Palestrante em Direito Civil Notarial.1 Tabelião de Notas do Cartório do 2º Ofício – Tabelionato de Vitória – ES, Professor de Direito Tributário da Faculdade de Ensino Superior de Linhares (Faceli) e na Pós-Graduação de Direito Tributário da Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Pós-graduado em Direito Privado e Direito Processual Civil, Mestre em Direito, Estado e Cidadania, Diretor do Colégio Notarial – Conselho Federal e Presidente do Colégio Notarial – Seção Espírito Santo, Autor de diversos artigos, Colunista do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal, Coordenador e coautor das obras “Temas de direito notarial e registral”, “Temas de direito tributário” e “Temas de Direito Constitucional” (Lumen Juris, 2020). E-mail: tabeliao.titular@2notasvitoria.com.br.

 

SERVENTIAS NA DESBUROCRATIZAÇÃO E DESJUDICIALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTOS. 2.2. A FÉ PÚBLICA NOTARIAL E A SEGURANÇA JURÍDICA DOS ATOS. 2.3. PREPARO TECNOLÓGICO E DE MODERNIDADE DAS SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. 3. OS CARTÓRIOS DE NOTAS NO MEIO ELETRÔNICO: UMA COMPLETA MODERNIZAÇÃO PELO E-NOTARIADO. 3.1. AS CENTRAIS ELETRÔNICAS NOTARIAIS E REGISTRAIS. 3.2. A PLATAFORMA ELETRÔNICA DO

E-NOTARIADO. 3.2.1. Os conceitos eletrônicos do e-Notariado e os procedimentos para o acesso. 3.2.2. A competência para a prática dos atos notariais eletrônicos. 3.2.3. Instrumentos de acesso aos dados e fiscalização dos atos notariais eletrônicos. 3.2.4. Da matrícula notarial eletrônica – MNE. 3.2.5. O acesso ao sistema. 3.2.6. Os atos notariais eletrônicos. 3.2.7. O e-Notariado como meio de acesso à justiça. 4. CONCLUSÃO. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

 

 

  1. INTRODUÇÃO

  

Os cartórios brasileiros estão digitais e permitem que os atos e documentos de cidadania possam ser lavrados, lidos e assinados eletronicamente da própria casa, escritório ou em qualquer outro local em que esteja o cidadão.

Para utilização de toda a tecnologia notarial e registral basta ter um computador ou até mesmo um smartphone, o que é um grande avanço na desburocratização e simplificação de procedimentos, sem qualquer perda da imprescindível segurança jurídica.

Além disso, a inserção dos cartórios no universo eletrônico ampliou a acessibilidade ao exercício de direitos relacionados à personalidade, igualdade, propriedade, manifestações de última vontade e etc.

Neste contexto, é nítida a evolução e mudança de paradigmas não só para os cartórios, mas para todos os setores da sociedade. O que dizer de uma audiência na Justiça por videoconferência? Ou de um processo judicial eletrônico?

No primeiro capítulo será feita uma abordagem sobre os cartórios no Brasil, sua importância e evolução histórica: da pena à era online e eletrônica. Será demonstrado que o fenômeno dadesjudicialização tem sido uma solução plenamente viável para o cumprimento do princípio da duração razoável do processo (entenda-se processo não só como ações judiciais, mas como procedimentos judiciais ou extrajudiciais para solução de demandas da sociedade). Tal medida já está em pleno vigor no Brasil para outros procedimentos que serão mencionados e a simplificação do procedimento demonstra que o tempo dispendido para a solução das demandas é reduzido sobremaneira sem qualquer prejuízo, o que também traz satisfação aos usuários que comprovam a eficiência dessas providências.

Já no segundo e último capítulo, será feita uma análise dos cartórios no meio digital, com uma abordagem sobre as centrais eletrônicas de fácil acesso ao cidadão e, por fim, à grande novidade trazida pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ: o e-notariado, com uma análise de todas as suas inovações tecnológicas em prol do cidadão.

 

2.  OS CARTÓRIOS NO BRASIL

 

 

  • IMPORTÂNCIA DAS      SERVENTIAS      NA      DESBUROCRATIZAÇÃO     E DESJUDICIALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTOS

 

Desburocratizar é simplificar procedimentos, sem a perda da segurança jurídica nos atos e negócios jurídicos, pois o contrário poderá gerar inúmeros prejuízos para toda a sociedade.

 

De outro lado, desjudicializar é possibilitar a outros agentes, como cooperadores da justiça, a prática e efetivação de soluções jurídicas documentais ou fáticas, com a simplificação de procedimentos, sem prejudicar em nada a segurança jurídica às relações sociais.

 

Francisco José Barbosa Nobre explica:

 

À míngua de um conceito melhor elaborado pela doutrina, podemos definir desjudicialização como “a transferência de atividades que tradicionalmente cabem aos juízes para outros órgãos ou agentes, obtendo, na prática, o alívio da sobrecarga judiciária e a maior brevidade ou simplicidade na efetivação do direito”. A partir desse rascunho conceitual, é possível divisar várias iniciativas legislativas que podem ser a ele associadas3.

 

 

3 NOBRE, Francisco José Barbosa. Manual da usucapião extrajudicial: de acordo com a lei nº 13.465/2017, incluindo comentários ao provimento nº 65/2017 do CNJ. 1 ed. Ananindeua: Itacaiúnas, 2018. p. 49-50.

 

 

Importante esclarecer que a desjudicialização é o mecanismo para possibilitar que determinadas demandas sejam resolvidas facultativamente por outros agentes, em colaboração com o Poder Judiciário, o que não quer dizer que tais demandas serão retiradas por completo da apreciação daquele órgão, mas muito pelo contrário, tais demandas facultativamente poderão continuar ser resolvidas diretamente pelos magistrados ou pelos cooperadores da justiça, como podem ser considerados os notários e registradores, principalmente porque a atuação destes é fiscalizada rigorosamente e periodicamente pelo Judiciário, nos termos do artigo 236, da Constituição Federal de 1988:

 

 

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

 

  • 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário4.

 

 

Ademais, os notários e registradores são profissionais do direito que prestam concurso público para a atividade extrajudicial e são dotados da fé pública na prática dos seus atos, ou seja, as declarações e lavraturas de atos presumem-se que sejam verdadeiras.

 

Isso sem contar que qualquer lapso, erro ou equívoco dos tabeliães e oficiais de cartório na prática de qualquer ato que gerem efetivamente prejuízos, eles responderão por estes danos causados em todas as esferas: penal, civil e administrativa. E mais ainda: o vício poderá ser sanado posteriormente pelo Judiciário.

 

Portanto, desjudicializar é facultar às pessoas solucionarem seus conflitos em outros meios fora da esfera judicial, desde que seja possível. É buscar meios alternativos de solução de conflitos para a busca da justiça social.

 

 

Segundo Norma Jeane Fontenelle Marques:

 

A desjudicialização indica o deslocamento de algumas atividades que eram atribuídas ao poder Judiciário e, portanto, previstas em lei como de sua exclusiva competência, para o âmbito das serventias extrajudiciais, admitindo que estes órgãos possam realizá-las, por

4     BRASIL.      Constituição      da      República      Federativa      do      Brasil     de      1988.      Disponível      em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 07 abr. 2020.

 

meio de procedimentos administrativos. Este processo de transferência de serviços para os cartórios extrajudiciais que antes só poderiam ser feitos pela Justiça (desjudicialização), tem por objetivo trazer celeridade às ações que não envolvem litígio e contribuir para a redução da crescente pressão sobre os tribunais, que estão abarrotados. Para que o instrumento judicial se torne célere, é imperioso concentrar a atividade do Juiz, afastando do Poder Judiciário questões de menor complexidade, nas quais inexistam conflitos entre as partes. Assim, se evitaria a intervenção judicial nas situações em que não se faz necessária. A legislação processual necessita ser adequada a essa realidade.5

 

 

 

E agora toda essa desburocratização ou simplificação de procedimentos ganha outra grande evolução jurídica: a possibilidade da realização dos atos notariais e registrais online por meio de centrais eletrônicas, videoconferências e assinatura eletrônica.

 

  • A FÉ PÚBLICA NOTARIAL E A SEGURANÇA JURÍDICA DOS ATOS

 

 

A fé pública é o atributo que confere presunção de verdade nas informações, declarações e fatos consignados nos documentos públicos, o que traz a segurança jurídica de que os escritos estão de acordo com a vontade das partes ou com a realidade documental do caso concreto.

 

Somada a essa fé pública os agentes públicos investidos nessa função não possuem somente esse “bônus”, mas atraem a responsabilidade civil, administrativa e criminal pela certificação dos atos e fatos jurídicos consignados nos atos por eles lavrados e atuam de forma imparcial.

 

Para esse serviço público relevante e essencial a toda a sociedade, a Constituição Federal de 1988 definiu que os profissionais serão agentes delegados que exercerão uma função pública, também chamados de notários e registradores, e que serão fiscalizados periodicamente pelo Poder Judiciário, que é o responsável efetivar justiça em uma sociedade.

 

Dessa forma, falar em desburocratização e avanços tecnológicos nos atos de cidadania, sem pensar em segurança jurídica, é simplesmente criar uma desordem social, pois muitas fraudes ou golpes podem ser praticados, o que pode trazer prejuízos irreversíveis a toda a sociedade.

 

Imagina um idoso sendo coagido a assinar um testamento tendo como beneficiário um criminoso? Um usucapião extrajudicial sendo lavrado sem qualquer comprovação do tempo e atos de posse?

5 MARQUES, Norma Jeane Fontenelle. A desjudicialização como forma de acesso à justiça. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14638&revista_caderno=21. Acesso em: 09 de abril. 2017.

 

Uma escritura de compra e venda sendo assinada por uma pessoa que não seja a vendedora? A lavratura de uma escritura de inventário com a exclusão de um herdeiro? Um divórcio sem o acordo de uma das partes em relação à partilha dos bens ou dos alimentos?

 

Assim, para a prática dos atos da vida civil, a todo o momento, os cartórios devem verificar cuidadosamente a presença ou não da capacidade jurídica ou a lucidez de uma pessoa para a prática dos atos de vida civil, que é atestada através da aferição da capacidade do indivíduo em entender ou não o que está fazendo, também denominada de capacidade civil. Para os que não a possuírem, a lei civil os denomina de incapazes.

 

Para Maria Helena Diniz:

 

 

A incapacidade é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil, devendo ser sempre encarada estritamente, considerando-se o princípio de que “a capacidade é a regra e a incapacidade a exceção”.

 

[…]

 

O instituto da incapacidade visa proteger os que são portadores de uma doença jurídica apreciável, graduando a forma de proteção que para os absolutamente incapazes (CC, art. 3º) assume a feição de representação, uma vez que estão completamente privados de agir juridicamente, e para os relativamente incapazes (CC, art. 4º) o aspecto de assistência, já que têm o poder de atuar na vida civil, desde que autorizados6.

 

 

É nítido, assim, que esse serviço público é essencial a toda a sociedade e deve ser prestado sempre com vistas a gerar segurança jurídica, seja no meio físico ou digital.

 

Nesse contexto, as serventias extrajudiciais exercem uma função pública de acordo com o artigo 236, da CF/88, sendo tal atividade fiscalizada com rigor pelo Poder Judiciário Estadual e pelo Conselho Nacional de Justiça.

 

O tabelião é o profissional do direito investido no cargo através de concurso público de provas e títulos, sendo verdadeiro cooperador da justiça, pois diariamente pratica vários atos e negócios jurídicos essenciais à vida da sociedade em geral, bem como atua em vários procedimentos desjudicializados, tais como:

 

 

6 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 29 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 1 v. p. 168-170.

 

  1. Procurações públicas para venda de imóveis, INSS, bancos e ;

 

  1. Escrituras públicas de compra e venda de imóveis e ;

 

  1. Separações e divórcios;

 

 

  1. Reconhecimento de assinaturas em documentos particulares;

 

 

  1. Autenticação de documentos apresentados nos originais;
  2. Inventários e partilhas;

 

  1. Usucapião extrajudicial;

 

  1. Apostilamento – legalização de documentos nacionais no estrangeiro, para fins de obtenção de cidadania e muitas outras finalidades;

 

  1. Cartas de sentença extrajudiciais;

 

  1. Homologação de penhor legal.

 

 

 

Os atos notariais praticados pelo oficial do cartório possuem o atributo da fé pública, onde a prática do ato, a capacidade jurídica e a presença das partes presumem-se terem sido verdadeiros.

 

Em suma, os cartórios são responsáveis pela atribuição de segurança jurídica em muitos atos e negócios jurídicos do cidadão. E quanto maior for a segurança jurídica, melhor caminha a vida em sociedade.

 

Para prática do ato notarial e registral, perante o tabelião, o usuário/cidadão deverá se identificar mediante apresentação de documentos emitidos pela Secretaria de Segurança Pública, Detran, Conselhos de Classe (OAB, CREA, CRECI, CRM, etc.) e diversos outros órgãos, desde que estes tenham os dados pessoais e uma fotografia atualizada. E é aqui que pode estar presente o problema, pois na prática diária, as serventias extrajudiciais se deparam com sujeitos falsários ou estelionatários que almejam praticar golpes com a prática criminosa da falsificação de documentos de identificação civil, o que por vezes ocasiona danos morais e materiais às vítimas em transações financeiras, imobiliárias, de veículos, previdenciárias e etc.

 

Em casos de falsificação documental os oficiais de cartórios têm exercido o seu múnus público de conferir segurança jurídica dos atos evitando fraudes, inclusive solicitando prisões em flagrante

 

às autoridades policiais no momento da prática do crime. Além disso, os cartórios constantemente capacitam os seus servidores com cursos de grafotecnia e documentoscopia para apurar possíveis falsidades.

 

Portanto, hoje, a prática de vários crimes com vítimas também na esfera civil, com golpes pela utilização de documentos falsificados, tem sido evitados quase que na íntegra, pois os cartórios diligenciam ao máximo na conferência e na confirmação dos dados dos documentos apresentados diretamente no órgão expedidor ou por outros meios eletrônicos.

 

 

  • PREPARO TECNOLÓGICO    E     DE     MODERNIDADE    DAS     SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS

 

Atualmente os cartórios extrajudiciais são dirigidos por profissionais do direito investidos em concurso público de provas e títulos: os notários e registradores, nos termos do artigo 236, da Constituição Federal.

 

Importante esclarecer que esses profissionais são fiscalizados pelo Poder Judiciário e podem ser considerados como verdadeiros cooperadores de justiça, com a prática de diversos atos e procedimentos de cidadania, relacionados ao direito obrigacional, contratual, das coisas, de família sucessões e muitos outros.

 

Além disso, esses agentes desempenham importante função tributária, pois atuam também na fiscalização e efetivação do recolhimento dos tributos ao Estado, tais como o imposto de transmissão sobre bens imóveis (ITBI), imposto de transmissão causa mortis ou doação (ITCMD), imposto predial territorial urbano (IPTU), imposto territorial rural (ITR), bem como na arrecadação de rendas patrimoniais imobiliárias ao Estado como os foros e laudêmios.

 

E não é só! Toda a estrutura física e de pessoal é custeada por um particular (o próprio Tabelião ou Registrador), sem qualquer ônus financeiro para o Estado e as exigências tecnológicas para prestar um serviço notarial e registral são inúmeras, com a necessidade de: digitalização de todos os atos e documentos, backup em nuvem e servidores, informatização de todas as serventias, disponibilização de serviços online, leitores de biometria, webcam para identificação da pessoa física e realização de videoconferências, certificação digital, assinatura eletrônica, dentre muitas

 

outras tecnologias.

 

 

 

3.     OS CARTÓRIOS DE NOTAS NO MEIO ELETRÔNICO: UMA COMPLETA MODERNIZAÇÃO PELO E-NOTARIADO

 

  • AS CENTRAIS ELETRÔNICAS NOTARIAIS E REGISTRAIS

 

 

Hoje, as informações de todos os atos praticados nos cartórios do Brasil estão disponibilizadas em centrais eletrônicas notariais e registrais e funcionam como um banco de dados digital atualizado diariamente, com registros de nascimento, óbito, casamento, procurações, escrituras públicas, testamentos, registros imobiliários, protestos, registros de pessoas jurídicas, dentre outros atos.

 

O cidadão brasileiro em qualquer lugar do mundo pode solicitar um serviço notarial e registral eletronicamente.

 

Cumpre dizer que a utilização das centrais notariais e de registros também podem valer como uma contrapartida para os mais diversos órgãos públicos, onde também será disponibilizada uma consulta a informações precisas e seguras. Tal prática se revela como uma sinergia entre os cartórios e a Administração Pública. Tais consultas se prestam ao combate à lavagem de dinheiro e à prática do terrorismo, à fiscalização tributária e até mesmo para investigação criminal, dentre outras funções.

 

Atualmente, a atividade extrajudicial brasileira conta com 05 (cinco) centrais de serviços eletrônicos ao cidadão, destinadas a atender as demandas de cada uma das naturezas de cartórios existentes:

 

  • CENSEC (Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados) – foi criada através do Provimento nº 18/2012 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e tem como principal objetivo gerenciar informações sobre a existência de testamentos, procurações e escrituras públicas; combater à corrupção e à lavagem de dinheiro; e dinamizar o acesso do Poder Judiciário à sua base de dados;

 

  • CRC (Central de Informações do Registro Civil Nacional) – foi criada através do Provimento nº 46/2015 do Conselho Nacional de Justiça – Possui a base de dados dos registros de nascimentos, casamentos e óbitos do País; além de interligar os cartórios de registro civil, oferecendo uma série de serviços para a população como a transmissão de certidões entre cartórios;

 

  • CENTRAL DO RTDPJ (Registro de Títulos e Documentos e Pessoa Jurídica) – foi criada através do Provimento nº 48 do CNJ e tem entre suas finalidades facilitar o atendimento aos usuários do serviço extrajudicial e agilizar a formalização de empresas. Em funcionamento nos Estados da Paraíba, São Paulo, Paraná, Pernambuco, Rondônia, Espírito Santo, Pará, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, a Central possui 54.925 usuários cadastrados;

 

  • CENPROT (Central nacional do protesto) – o cartório de protesto possui hoje três centrais eletrônicas de dados: a) central de remessas de arquivos (CRA) – que visa facilitar o processo de cobrança e recuperação de créditos por meio de plataforma de serviços eletrônicos aos usuários apresentantes de títulos; b) consulta nacional de protestos (CNP) – que visa a consulta, de forma gratuita e ilimitada, do registro de protestos por meio do CPF/CNPJ;

 

  • CENTRAL DE REGISTRADORES DE IMÓVEIS – que trata dos cartórios de registros de imóveis e o sistema de registro eletrônico de imóveis (SREI).

 

 

Além disso, para a prática dos atos notariais eletrônicos os cartórios disponibilizam ao cidadão a novel ferramenta digital do e-notariado.

 

 

  • A PLATAFORMA ELETRÔNICA DO E-NOTARIADO

 

 

Para a prática dos atos da vida civil de um cidadão sempre foi necessária a identificação civil do cidadão através de apresentação de documento ou prova testemunhal (artigo 215, do Código Civil), a confirmação da manifestação da vontade através de uma assinatura e, principalmente, a apuração da capacidade jurídica ou a lucidez da pessoa para a realização daquele ato.

 

 

Não é simplesmente lavrar um ato com efeitos jurídicos na esfera civil, empresarial, processual, tributária e outras. Muito mais do que isso é: tornar aquele ato indene de dúvidas e com segurança jurídica.

 

Com a evolução tecnológica, a assinatura eletrônica com certificado digital começou a ser aceita como requisito de efetivação de manifestação de vontade, mas que ainda levanta questionamentos em razão da ausência de vários elementos até então tidos como essenciais, sem os quais poderia haver o comprometimento da segurança jurídica que os atos de cidadania exigem.

 

Nesse sentido, como atestar a capacidade jurídica da pessoa? Ou até mesmo: como é possível ter a certeza se a pessoa que está assinando determinado ato com o certificado digital é realmente a titular daquele certificado?

 

Conforme dito alhures, atestar a identificação civil e a capacidade jurídica de alguém com fé pública é um ato de extrema responsabilidade, que exige profissionais habilitados e imparciais e que estejam submetidos a uma fiscalização do Poder Judiciário.

 

Muito se discutia no passado sobre a imperiosa necessidade de que os atos notariais fossem praticados somente na forma física ou presencial, para que pudesse colher fidedignamente as manifestações de vontade das partes e a colheita das assinaturas a caneta, para que, em caso de dúvidas ou questionamentos, tais documentos pudessem ser periciados com instrumentos de grafotecnia para apurar se aquela assinatura era verdadeira ou não.

 

 

No entanto, a prática de atos eletrônicos com a assinatura eletrônica é uma necessidade imperiosa, mas que precisou ser compatibilizada com outros instrumentos tecnológicos para viabilizar a existência de atos jurídicos seguros para toda a sociedade. E aqui surgiu como solução salutar a criação da plataforma eletrônica denominada “e-notariado”, estabelecida através do provimento nº 100/2020 do CNJ, que pode ser acessada pelo site https://www.e- notariado.org.br/.

 

Portanto, o “e-notariado” é um portal eletrônico que será acessado pelos Cartórios e pelo cidadão,

 

quando for necessária a identificação civil, leitura, manifestação de vontade e assinatura em atos notariais, tais como:

  1. procurações;
  2. escrituras de união estável;
  3. escrituras de reconhecimento de paternidade;
  4. escrituras declaratórias, de autorização de cremação;
  5. escrituras de separação e divórcio;
  6. escrituras de compra e venda;
  7. escrituras de dação em pagamento;
  8. escrituras de permuta;
  9. escrituras de doação;
  10. escrituras de inventário e partilha;
  11. atas notariais que atestem fatos ou a usucapião extrajudicial;
  12. apostilamento;
  13. mediações;
  14. reconhecimentos de firmas e comunicação de venda ao Detran;
  15. autenticações;
  16. testamentos;
  17. atas notariais;
  18. cartas de sentença extrajudiciais;
  19. homologação de penhor legal;
  20. dentre muitos outros atos

 

 

Tal plataforma eletrônica só será acessada se existir um ato notarial a ser lavrado e assinado eletronicamente, o que se dará somente após o cidadão escolher o cartório de sua confiança a realização de um ato notarial que ele precisa.

 

Como primeira etapa, antes de tudo, o cidadão deverá encaminhar eletronicamente ao cartório escolhido, por email ou outro meio eletrônico, toda a documentação necessária para a prática do ato, tais como: identidade, CPF, certidão de casamento, comprovante de endereço e outros a depender do caso concreto.

 

Numa segunda etapa, o cartório fará o ato notarial e encaminhará um link de acesso à plataforma

 

do “e-notariado” para que o cidadão participe de uma videoconferência online para a leitura do ato, atestar a capacidade jurídica da parte e inexistência de qualquer vício da vontade no local, colher a manifestação de vontade e a assinatura eletrônica com certificado digital.

 

Como terceira e última etapa, o ato notarial eletrônico será lavrado e encaminhado à parte, com a mesma validade jurídica do ato notarial físico, sendo esta uma grande evolução no mundo jurídico.

 

Pois bem. Toda essa tecnologia foi uma determinação estabelecida pelo CNJ, através do Provimento nº 100, de 26 de maio de 2020, que dispôs sobre a prática de atos notariais eletrônicos utilizando o sistema e-Notariado, criou a Matrícula Notarial Eletrônica-MNE e dá outras providências.

 

Importante citar que tal normativa consignou vários considerandos importantíssimos, tais como: a prerrogativa do sistema notarial de atribuição de fé pública e a possibilidade de exercício dessa prerrogativa em meio eletrônico; que os atos notariais previstos no Código Civil e na Lei n. 8.935/94, art. 41, poderão ser prestados por meio eletrônico; a necessidade de evitar a concorrência predatória por serviços prestados remotamente que podem ofender a fé pública notarial; o disposto no § 8º do art. 2º-A da Lei n. 12.682/12, que dispõe sobre a elaboração e o arquivamento em meio eletrônico de documentos públicos, com a utilização da certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil); as vantagens advindas da adoção de instrumentos tecnológicos que permitam a preservação das informações prestadas perante os notários; a necessidade de regulamentar a implantação do sistema de atos notariais eletrônicos – e-Notariado, de modo a conferir uniformidade na prática de ato notarial eletrônico em todo o território nacional; a necessidade de se manter a prestação dos serviços extrajudiciais, o fato de que os serviços notariais são essenciais ao exercício da cidadania e que devem ser prestados, de modo eficiente, adequado e contínuo; dentre outros.

 

Nessa esfera, tal norma trouxe grande avanço para a sociedade brasileira ao estabelecer regras gerais sobre a prática de atos notariais eletrônicos em todos os tabelionatos de notas do País.

 

 

 

3.2.1.   Os conceitos eletrônicos do e-Notariado e os procedimentos para o acesso

 

Os artigos 2º e 3º, do provimento 100, enumeraram importantes conceitos eletrônicos que serão utilizados na plataforma do e-notariado:

 

Para fins deste provimento, considera-se:

 

  • – assinatura eletrônica notarizada: qualquer forma de verificação de autoria, integridade e autenticidade de um documento eletrônico realizada por um notário, atribuindo fé pública;

 

  • – certificado digital notarizado: identidade digital de uma pessoa física ou jurídica, identificada presencialmente por um notário a quem se atribui fé pública;

 

  • – assinatura digital: resumo matemático computacionalmente calculado a partir do uso de chave privada e que pode ser verificado com o uso de chave pública, cujo certificado seja conforme a Medida Provisória n. 2.200-2/2001 ou qualquer outra tecnologia autorizada pela lei;

 

  • – biometria: dado ou conjunto de informações biológicas de uma pessoa, que possibilita ao tabelião confirmar a identidade e a sua presença, em ato notarial ou autenticação em ato

 

  • – videoconferência notarial: ato realizado pelo notário para verificação da livre manifestação da vontade das partes em relação ao ato notarial lavrado eletronicamente;

 

  • – ato notarial eletrônico: conjunto de metadados, gravações de declarações de anuência das partes por videoconferência notarial e documento eletrônico, correspondentes a um ato notarial;

 

  • – documento físico: qualquer peça escrita ou impressa em qualquer suporte que ofereça prova ou informação sobre um ato, fato ou negócio, assinada ou não, e emitida na forma que lhe for própria.

 

  • – digitalização ou desmaterialização: processo de reprodução ou conversão de fato, ato, documento, negócio ou coisa, produzidos ou representados originalmente em meio não digital, para o formato digital;

 

  • – papelização ou materialização: processo de reprodução ou conversão de fato, ato, documento, negócio ou coisa, produzidos ou representados originalmente em meio digital, para o formato em papel;

 

  • – documento eletrônico: qualquer arquivo em formato digital que ofereça prova ou informação sobre um ato, fato ou negócio, emitido na forma que lhe for própria, inclusive aquele cuja autoria seja verificável pela

 

  • – documento digitalizado: reprodução digital de documento originalmente em papel ou outro meio físico;

 

  • – documento digital: documento originalmente produzido em meio digital;

 

  • – meio eletrônico: ambiente de armazenamento ou tráfego de informações digitais;

 

  • – transmissão eletrônica: toda forma de comunicação a distância com a utilização de redes de comunicação, tal como os serviços de internet;

 

  • – usuários internos: tabeliães de notas, substitutos, interinos, interventores, escreventes e auxiliares com acesso às funcionalidades internas do sistema de

 

processamento em meio eletrônico;

 

  • – usuários externos: todos os demais usuários, incluídas partes, membros do Poder Judiciário, autoridades, órgãos governamentais e empresariais;

 

  • – CENAD: Central Notarial de Autenticação Digital, que consiste em uma ferramenta para os notários autenticarem os documentos digitais, com base em seus originais, que podem ser em papel ou natos-digitais;

 

  • – cliente do serviço notarial: todo o usuário que comparecer perante um notário como parte direta ou indiretamente interessada em um ato notarial, ainda que por meio de representantes, independentemente de ter sido o notário escolhido pela parte outorgante, outorgada ou por um terceiro;

 

 

 

Art. 3º. São requisitos da prática do ato notarial eletrônico:

 

  • – videoconferência notarial para captação do consentimento das partes sobre os termos do ato jurídico;

 

  • – concordância expressada pela partes com os termos do ato notarial eletrônico; III – assinatura digital pelas partes, exclusivamente através do e-Notariado;

IV – assinatura do Tabelião de Notas com a utilização de certificado digital ICP- Brasil;

 

IV – uso de formatos de documentos de longa duração com assinatura digital;

 

 

Parágrafo único: A gravação da videoconferência notarial deverá conter, no mínimo:

 

  1. a identificação, a demonstração da capacidade e a livre manifestação das partes atestadas pelo tabelião de notas;

 

  1. o consentimento das partes e a concordância com a escritura pública;

 

  1. o objeto e o preço do negócio pactuado;

 

  1. a declaração da data e horário da prática do ato notarial; e

 

  1. a declaração acerca da indicação do livro, da página e do tabelionato onde será lavrado o ato

 

 

 

Tais instrumentos tecnológicos deverão ser utilizados obrigatoriamente para os atos notariais eletrônicos, com vistas à garantir a segurança jurídica, o que poderá ser verificado a qualquer tempo através da videoconferência gravada.

 

E qual é a razão da existência de uma videoconferência obrigatória?

 

Tal recurso tecnológico permitirá assegurar que a pessoa está capaz juridicamente e lúcida, que realmente é ela que está assinando o ato e que a sua manifestação de vontade está sem qualquer vício do consentimento.

 

O artigo 9º do provimento regulamenta todo o acesso à plataforma eletrônica notarial:

 

Art. 9º. O acesso ao e-Notariado será feito com assinatura digital, por certificado digital notarizado, nos termos da MP n. 2.200-2/2001 ou, quando possível, por biometria.

 

  • 1º As autoridades judiciárias e os usuários internos terão acesso às funcionalidades do e-Notariado de acordo com o perfil que lhes for atribuído no sistema.
  • 2º Os usuários externos poderão acessar o e-Notariado mediante cadastro prévio, sem assinatura eletrônica, para conferir a autenticidade de ato em que tenham interesse.
  • 3º Para a assinatura de atos notariais eletrônicos é imprescindível a realização de videoconferência notarial para captação do consentimento das partes sobre os termo do ato jurídico, a concordância com o ato notarial, a utilização da assinatura digital e a assinatura do Tabelião de Notas com o uso de certificado digital, segundo a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP.
  • 4º O notário fornecerá, gratuitamente, aos clientes do serviço notarial certificado digital notarizado, para uso exclusivo e por tempo determinado, na plataforma e- Notariado e demais plataformas autorizadas pelo Colégio Notarial Brasil-CF.
  • 5º Os notários poderão operar na Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP Brasil ou utilizar e oferecer outros meios de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, sob sua fé pública, desde que operados e regulados pelo Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal.

Importante dizer que o e-Notariado só será acessado se tiver algum ato notarial a ser praticado e a serventia extrajudicial encaminhará um link de acesso ao portal eletrônico através do computador, por email ou por aplicativos de conversas eletrônicas. O e-Notariado também poderá ser acessado pelo celular, após o download gratuito do aplicativo.

Os custos financeiros de tal plataforma eletrônica estão sendo suportados exclusivamente pela entidade de classe nacional que representa os tabeliães de notas: o Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal, sem qualquer ônus para o Estado.

3.2.2.   A competência para a prática dos atos notariais eletrônicos

Importante ressaltar que nos termos do artigo 6º do provimento, a competência para a prática dos atos regulados neste Provimento é absoluta e observará a circunscrição territorial em que o tabelião recebeu sua delegação, nos termos do art. 9º da Lei n. 8.935/1994.

O provimento 100 trouxe regras de competência para a prática dos atos notariais eletrônicos.

Em regra a competência para a lavratura do ato é o cartório onde se situar o imóvel ou do domicílio do adquirente, sendo esta estadual e delimitada de acordo com o artigo 19:

Art. 19. Ao tabelião de notas da circunscrição do imóvel ou do domicílio do adquirente compete, de forma remota e com exclusividade, lavrar as escrituras eletronicamente, por meio do e-Notariado, com a realização de videoconferência e assinaturas digitais das partes.

  • 1º Quando houver um ou mais imóveis de diferentes circunscrições no mesmo ato notarial, será competente para a prática de atos remotos o tabelião de quaisquer delas.
  • 2º Estando o imóvel localizado no mesmo estado da federação do domicílio do adquirente, este poderá escolher qualquer tabelionato de notas da unidade federativa para a lavratura do ato.
  • 3º Para os fins deste provimento, entende-se por adquirente, nesta ordem, o comprador, a parte que está adquirindo direito real ou a parte em relação à qual é reconhecido crédito.

Tal norma foi estabelecida para evitar a concorrência desleal e a prática de atos atentatórios à dignidade da função notarial, pois a competência do tabelião de notas está adstrita ao Município para o qual recebeu a delegação, nos termos do artigo 9º, da Lei nº 8935/94 (lei que regulamenta a atividade notarial).

O provimento trouxe ainda a regra do domicílio do requerente para as atas notariais ao estabelecer no artigo 20 que “ao tabelião de notas da circunscrição do fato constatado ou, quando inaplicável este critério, ao tabelião do domicílio do requerente compete lavrar as atas notariais eletrônicas, de forma remota e com exclusividade por meio do e-Notariado, com a realização de videoconferência e assinaturas digitais das partes. Parágrafo único. A lavratura de procuração pública eletrônica caberá ao tabelião do domicílio do outorgante ou do local do imóvel, se for o caso.”

Por fim, ainda sobre a competência e a sua comprovação, o provimento trouxe regra objetiva para fins de controle e fiscalização, que trouxe grande inovação notarial sobre a comprovação do domicílio:

Art. 21. A comprovação do domicílio, em qualquer das hipóteses deste provimento, será realizada:

  • – em se tratando de pessoa jurídica ou ente equiparado: pela verificação da sede da matriz, ou da filial em relação a negócios praticados no local desta, conforme registrado nos órgãos de registro
  • – em se tratando de pessoa física: pela verificação do título de eleitor, ou outro domicílio

Parágrafo único. Na falta de comprovação do domicílio da pessoa física, será observado apenas o local do imóvel, podendo ser estabelecidos convênios com órgãos fiscais para que os notários identifiquem, de forma mais célere e segura, o domicílio das partes.

3.2.3.   Instrumentos de acesso aos dados e fiscalização dos atos notariais eletrônicos

Além disso, o e-Notariado oferece acesso aos dados e às informações constantes de sua base de dados para o juízo competente responsável pela fiscalização da atividade extrajudicial, para as Corregedorias dos Estados e do Distrito Federal e para a Corregedoria Nacional de Justiça. E ainda: os notários, pessoalmente ou por intermédio do e-Notariado, devem fornecer meios tecnológicos para o acesso das informações exclusivamente estatísticas e genéricas à Administração Pública Direta, sendo-lhes vedado o envio e o repasse de dados, salvo disposição legal ou judicial específica.

Nos termos do artigo 11, o sistema e-Notariado contará com módulo de fiscalização e geração de relatórios (correição on-line), para efeito de contínuo acompanhamento, controle e fiscalização pelos juízes responsáveis pela atividade extrajudicial, pelas Corregedorias de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e pela Corregedoria Nacional de Justiça.

3.2.4.   Da matrícula notarial eletrônica – MNE

Grande inovação também foi a criação da matrícula notarial eletrônica – MNE, que servirá como

chave de identificação individualizada, facilitando a unicidade e rastreabilidade da operação eletrônica praticada.

O artigo 12 estabeleceu que:

  • 1º A Matrícula Notarial Eletrônica será constituída de 24 (vinte e quatro) dígitos, organizados em 6 (seis) campos, observada a estrutura CCCCCC.AAAA.MM.DD.NNNNNNNN-DD, assim distribuídos:
  • – o primeiro campo (CCCCCC) será constituído de 6 (seis) dígitos, identificará o Código Nacional de Serventia (CNS), atribuído pelo Conselho Nacional de Justiça, e determinará o tabelionato de notas onde foi lavrado o ato notarial eletrônico;
  • – o segundo campo (AAAA), separado do primeiro por um ponto, será constituído de 4 (quatro) dígitos e indicará o ano em que foi lavrado o ato notarial;
  • – o terceiro campo (MM), separado do segundo por um ponto, será constituído de 2(dois) dígitos e indicará o mês em que foi lavrado o ato notarial;
  • – o quarto campo (DD), separado do terceiro por um ponto, será constituído de 2(dois) dígitos e indicará o dia em que foi lavrado o ato notarial;
  • – o quinto campo (NNNNNNNN), separado do quarto por um ponto, será constituído de 8 (oito) dígitos e conterá o número sequencial do ato notarial de forma crescente ao infinito;
  • – o sexto e último campo (DD), separado do quinto por um hífen, será constituído de 2 (dois) dígitos e conterá os dígitos verificadores, gerados pela aplicação do algoritmo Módulo 97 Base 10, conforme Norma ISO 7064:2003.
  • 2º O número da Matrícula Notarial Eletrônica integra o ato notarial eletrônico, devendo ser indicado em todas as cópias expedidas.
  • 3º Os traslados e certidões conterão, obrigatoriamente, a expressão “Consulte a validade do ato notarial em www.docautentico.com.br/valida”.

3.2.5.   O acesso ao sistema

O e-notarido está disponível para todos os notários brasileiros, e sua estrutura foi edificada sobre uma plataforma na Blockchain, batizada na atividade notarial como notarchain.

Dentro desta plataforma o notário se cadastra e passa a ser reconhecido como autoridade notarial capaz e autorizado a praticar atos utilizando-se das plataformas do sistema.

A Blockchain, também conhecida com o protocolo de confiança, é uma tecnologia de registro distribuído que visa a descentralização como medida de segurança. São bases de registros e dados distribuídos e compartilhados que tem a função de criar um índice global para todas as transações que ocorrem em um determinado mercado. Funciona como um livro-razão, só que de forma pública compartilhada universal que cria consenso e confiança na comunicação direta entre as duas partes.

O termo livro-razão é importado das ciências contábeis. Na contabilidade, o Livro-Razão é um registro de escrituração que tem a finalidade de coletar dados cronológicos de todas as transações registradas no Livro Diário e organizá-las por contas individualizadas. Com o Livro Razão, é possível controlar o movimento de todas as contas contábeis separadamente. Esse controle individual permite apurar saldos e seus resultados (por exemplo, saldo de uma determinada despesa ou da receita de vendas). Dessa forma, o Livro Razão fornece um histórico detalhado de transações e o saldo atual de cada conta do sistema contábil, durante o período selecionado.

A Notarchain (Blockchain) está edificada sobre essa premissa, e funcionada como uma base de dados distribuídos que guarda um registro de transações permanentes e a prova de violação. Por esta razão, o e-notariado é considerando um dos marcos da utilização dos meios informatizados pelos cartórios, visto que se adaptou a uma tecnologia de ponta e também bastante complexa (blockchain).

Pois bem. Para conhecimento e aproveitamento do banco de dados do e-notariado o usuário deverá dominar 02 (duas) ferramentas do sistema, quais sejam: identificação de pessoas e fluxo de assinaturas.

Na aba de identificação de pessoas é possível inserir dados biográficos e biométricos de pessoas, consultar os cadastros de outros tabelionatos e validar com a base do Denatran. A aba fluxo de assinaturas serve para orquestrar todas as assinaturas digitais dos atos notariais.

De toda forma, o início da utilização do sistema pelo notário deve ser precedido da emissão do certificado digital notarial, cujo acesso é:

 

 

A legislação do e-Notariado também é bastante abrangente e completa quanto aos itens de utilização e métodos. Vejamos:

Art. 13. O sistema e-Notariado estará disponível 24 (vinte e quatro) horas por dia, ininterruptamente, ressalvados os períodos de manutenção do sistema.

Parágrafo único. As manutenções programadas do sistema serão sempre informadas com antecedência mínima de 24h (vinte e quatro horas) e realizadas, preferencialmente, entre 0h de sábado e 22h de domingo, ou entre 0h e 6h, dos demais dias da semana.

Art. 14. A consulta aos dados e documentos do sistema e-Notariado estará disponível por meio do link http://www.e- notariado.org.br/consulta.

  • 1º Para a consulta de que trata o caput deste artigo será exigido o cadastro no sistema através do link http://www.e- notariado.org.br/cadastro.
  • 2º O usuário externo que for parte em ato notarial eletrônico ou que necessitar da conferência da autenticidade de um ato notarial será autorizado a acessar o sistema sempre que necessário.
  • 3º O sítio eletrônico do sistema e-Notariado deverá ser acessível somente por meio de conexão segura HTTPS, e os servidores de rede deverão possuir certificados digitais adequados para essa finalidade.

Art. 15. A impressão do ato notarial eletrônico conterá, em destaque, a chave de acesso e QR Code para consulta e verificação da autenticidade do ato notarial na Internet.

3.2.6.   Os atos notariais eletrônicos

Com a edição do Prov. nº 100/2020-CNJ temos que os atos notariais ainda são os mesmos, ou seja, aqueles conhecidos pela Lei Federal nº 8.935/94, quais sejam:

 

Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade: I – lavrar escrituras e procurações, públicas;

II – lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados; III – lavrar atas notariais;

IV – reconhecer firmas; V – autenticar cópias.

 

Todavia, a forma (procedimento) com que esse atos notariais podem ser praticados a partir do Provimento 100 é bem mais moderna e condizente com os tempos atuais. Importante trazer esses argumentos para situar que os atos notariais continuam tendo as mesmas validades jurídicas, ao passo que o provimento trouxe nova vida quanto a forma de assinatura e quanto a forma de identificação das partes, que agora pode ser feita através de meios eletrônicos.

Embora a previsão de atos eletrônicos já existia no ordenamento jurídico (vivenciada por cartórios de protestos de títulos, emissão de certidões de nascimento, emissão de certidões de ônus pelo RI), evidentemente que a pandemia causada pela COVID-19 impulsionou o CNJ à edição de uma norma que comtemplasse uma nova forma de praticar atos notariais sem a impositiva certificação pessoa de documentos, capacidade e assinaturas.

O provimento é de uma complexidade bastante relevante e trata de uma tema bastante sensível na sociedade, pois mexe na estrutura da atividade notarial e registral por que atividade é conhecido como essencial à identificação de pessoas quando da prática de atos, identificação de assinaturas, identificação documental, e essa condição é culturalmente exercida de forma presencial, mormente com assinatura em um papel, na presença de um tabelião e eventualmente testemunhas.

Na medida em que o provimento é promulgado pelo CNJ resta evidenciada uma mudança de cultura geral na sociedade que se expande por outros mercados.

Nos termos do art. 6º da Lei Federal nº 8.935/94, compete ao notário (tabelião) formalizar juridicamente a vontade das partes, intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo e autenticar fatos.

A possibilidade de colheita da expressão da vontade, requisito indispensável á prática de atos notariais, através de sistema informatizado, assinaturas digitais, verificação documental por sistemas, para além de evidenciar uma evolução na atividade notarial e registral, se amolda aos ideais da sociedade moderna e amplia o acesso a justiça.

 

Vejamos os textos legais que tratam sobre o tema:

Art. 16. Os atos notariais eletrônicos reputam-se autênticos e detentores de fé pública, como previsto na legislação processual.

Parágrafo único. O CNB-CF poderá padronizar campos codificados no ato notarial eletrônico ou em seu traslado, para que a informação estruturada seja tratável eletronicamente.

Art. 17. Os atos notariais celebrados por meio eletrônico produzirão os efeitos previstos no ordenamento jurídico quando observarem os requisitos necessários para a sua validade, estabelecidos em lei e neste provimento.

Parágrafo único. As partes comparecentes ao ato notarial eletrônico aceitam a utilização da videoconferência notarial, das assinaturas eletrônicas notariais, da assinatura do tabelião de notas e, se aplicável, biometria recíprocas.

Art. 18. A identificação, o reconhecimento e a qualificação das partes, de forma remota, será feita pela apresentação da via original de identidade eletrônica e pelo conjunto de informações a que o tabelião teve acesso, podendo utilizar-se, em especial, do sistema de identificação do e-Notariado, de documentos digitalizados, cartões de assinatura abertos por outros notários, bases biométricas públicas ou próprias, bem como, a seu critério, de outros instrumentos de segurança.

  • 1º O tabelião de notas poderá consultar o titular da serventia onde a firma da parte interessada esteja depositada, devendo o pedido ser atendido de pronto, por meio do envio de cópia digitalizada do cartão de assinatura e dos documentos via correio eletrônico.
  • 2º O Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal poderá implantar funcionalidade eletrônica para o compartilhamento obrigatório de cartões de firmas entre todos os usuários do e- Notariado.
  • 3º O armazenamento da captura da imagem facial no cadastro das partes dispensa a coleta da respectiva impressão digital quando exigida.

Art. 24. Em todas as escrituras e procurações em que haja substabelecimento ou revogação de outro ato deverá ser devidamente informado o notário, livro e folhas, número de protocolo e data do ato substabelecido ou revogado.

Art. 29. Os atos notariais eletrônicos, cuja autenticidade seja conferida pela internet por meio do e-Notariado, constituem instrumentos públicos para todos os efeitos legais e são eficazes para os registros públicos, instituições financeiras, juntas comerciais, Detrans e para a produção de efeitos jurídicos perante a administração pública e entre particulares.

Art. 30. Fica autorizada a realização de ato notarial híbrido, com uma das partes assinando fisicamente o ato notarial e a outra, a distância, nos termos desse provimento.

Art. 31. É permitido o arquivamento exclusivamente digital de documentos e papéis apresentados aos notários, seguindo as mesmas regras de organização dos documentos físicos.

Art. 32. A comunicação adotada para atendimento a distância deve incluir os números dos telefones da serventia, endereços eletrônicos de e-mail, o uso de plataformas eletrônicas de comunicação e de mensagens instantâneas como WhatsApp, Skype e outras disponíveis para atendimento ao público, devendo ser dada ampla divulgação.

Art. 33. Os dados das partes poderão ser compartilhados somente entre notários e, exclusivamente, para a prática de atos notariais, em estrito cumprimento à Lei n. 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).

Art. 34. Os códigos-fontes do Sistema e-Notariado e respectiva documentação técnica serão mantidos e são de titularidade e propriedade do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal.

Parágrafo único. Ocorrendo a extinção do Colégio Notarial do Brasil

– Conselho Federal, ou a paralisação da prestação dos serviços objeto deste Provimento, sem substituição por associação ou entidade de classe que o assuma em idênticas condições mediante autorização da Corregedoria Nacional de Justiça – CNJ, o sistema e- Notariado e as suas funcionalidades, em sua totalidade, serão transmitidos ao Conselho Nacional de Justiça ou à entidade por ele indicada, com o código-fonte e as informações técnicas necessárias para o acesso e a utilização, bem como para a continuação de seu funcionamento na forma prevista neste Provimento, sem ônus, custos ou despesas para o Poder Público, sem qualquer remuneração por direitos autorais e de propriedade intelectual, a fim de que os atos notariais eletrônicos permaneçam em integral funcionamento.

Art. 35. O e-Notariado será implementado com a publicação deste provimento e, no prazo máximo de 6 meses, naquilo que houver necessidade de cronograma técnico, informado periodicamente à Corregedoria Nacional de Justiça.

Art. 36. Fica vedada a prática de atos notariais eletrônicos ou remotos com recepção de assinaturas eletrônicas a distância sem a utilização do e-Notariado.

 

Art. 37. Nos Tribunais de Justiça em que são exigidos selos de fiscalização, o ato notarial eletrônico deverá ser lavrado com a indicação do selo eletrônico ou físico exigido pelas normas estaduais ou distrital.

Parágrafo único: São considerados nulos os atos eletrônicos lavrados em desconformidade com o disposto no caput deste artigo.

Art. 38. Este Provimento entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas todas as disposições em contrário constantes de normas das Corregedorias-Gerais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal que tratem sobre o mesmo tema ou qualquer outra forma de prática de ato notarial eletrônico, transmissão de consentimento e assinaturas remotas.

3.2.7.   O e-Notariado como meio de acesso à justiça

Notadamente o Prov. nº 100/2020-CNJ traz uma nova forma de se aplicar o direito e não permitir que um revés mundial impacte em absoluto todos os recursos ou formas de acesso à consecução da justiça.

Por essa razão, temos que o e-Notariado pode ser interpretado como mais uma forma de acesso à justiça. Neste particular, o conceito de acesso à justiça que melhor se aplica ao presente caso está centrado na ideia de que a efetividade desse direito fundamental não passa, exclusivamente, pelo exercício formal do direito de ação ou defesa. Essa perspectiva formalista e restritiva deve ser refutada por ser indiferente a inúmeros problemas reais do Sistema de Justiça, que incidem antes, após ou fora do ajuizamento de uma ação.

A efetivação do direito fundamental de acesso à justiça envolve muito mais do que isso. Pressupõe a observância de conjunto de direitos e garantias sem as quais o acesso igualitário e substancial à justiça não se efetiva. Nos dizeres de Mauro Cappelletti e Bryant Garth7:

A expressão ‘acesso à Justiça’ é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível para todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.

O acesso à justiça é, portanto, o “requisito fundamental — o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.8

Por meio dessa definição, percebe-se que a efetivação do direito fundamental de acesso à justiça só é possível se houver uma garantia material, ou seja, uma preocupação em relação a criação de meios para que todos possam receber uma tutela jurisdicional adequada (TUCCI; BEDAQUE; 2002, p. 752-753).

Isso porque o direito de acesso à justiça compreende não apenas a possibilidade de ir ao judiciário instaurar uma demanda, mas sim todo um conjunto de fundamentos do devido processo legal e

8 Ibid. p. 057 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 08.

extrajudicial, tais como a duração razoável do processo, tratamento igualitário e imparcialidade do juiz, funcionamento das estruturas extrajudiciais que devem se curvar às necessidades específicas do cidadão, não se limitando, assim, apenas ao Poder Judiciário, mas englobando todo o Sistema de Justiça, que inclui o Poder Judiciário, as funções essenciais à justiça e os serviços auxiliares da justiça.

A efetividade de um direito, no âmbito do Judiciário, jamais poderia ser expressa como a absoluta igualdade entre as partes litigantes, por uma razão prática inafastável, qual seja: sempre haverá, em algum nível, desequilíbrio de poderes entre partes que se encontrem em situação de conflito.

Como bem destacaram Mauro Cappelletti e Bryant Garth9, a absoluta paridade de armas é uma condição utópica:

A questão é saber até onde avançar na direção de um objetivo utópico e a que custo. Em outras palavras, quantos dos obstáculos ao efetivo acesso à justiça podem e devem ser atacados? A identificação desses obstáculos, consequentemente, é a primeira tarefa a ser cumprida.

Esses questionamentos é bastante positivo quando nos debruçamos sobre os procedimentos extrajudiciais possíveis e oxigenados pelo provimento 100 por que, por vezes, não há conflito de interesse a ser moderado pela figura do juiz, não há lide, há tão somente a convergência de interesses e vontades que precisam da formalização jurídica pelo órgão competente (cartórios) para que sua validade seja inconteste no mundo das coisas. E mesmo diante desses casos, a insubmissão das regras previstas nos atos notariais é corrigível pela via judicial.

Como esse obstáculo à efetivação do acesso igualitário à justiça pode ser atacado? Até onde é possível avançar na direção desse objetivo reconhecidamente utópico? A que custo?

Até a edição do provimento 100, a técnica pura e fria , dissociada dos anseios de acesso a justiça,acabava por isolar o usuário do serviço extrajudicial. Aliás, o fenômeno do distanciamento dos profissionais do direito em relação à realidade foi analisado por Luis Alberto Warat (1994, p. 13- 14) como expressão do “senso comum teórico do jurista”:9 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 15.

De uma maneira geral, a expressão ‘senso comum teórico dos juristas’ designa as condições implícitas de produção, circulação e consumo das verdades nas diferentes práticas de enunciação e escritura do Direito. Trata-se de um neologismo proposto para que se possa contar com um conceito operacional que sirva para mencionar a dimensão ideológica das verdades jurídicas. Nas atividades cotidianas – teóricas, práticas e acadêmicas – os juristas encontram-se fortemente influenciados por uma constelação de representações, imagens, pré-conceitos, crenças, ficções, hábitos de censura enunciativa, metáforas, estereótipos e normas éticas que governam e disciplinam anonimamente seus atos de decisão e enunciação […]. Visões, fetiches, lembranças, ideias dispersas, neutralizações que beiram as fronteiras das palavras antes que elas se tornem audíveis e vivíveis, mas que regulam o discurso, mostram alguns dos componentes-chaves para aproximar-nos da ideia do ‘senso comum teórico dos juristas’.

Diversos princípios reconhecidos pela Constituição Federal de 1988 somente se tornarão efetivos no âmbito do Sistema de Justiça, quando e somente se o Estado promover a garantia de oportunidades de acesso, e neste passo a edição e promulgação do Prov. nº 100/2020-CNJ, como dito alhures, é um divisor de águas a consecução de medidas de acesso a justiça e provisão de atos em prol da sociedade.

Visto isso, é possível afirmar que ter acesso à justiça é obter a solução de sua controvérsia de forma justa10, à medida em que o Estado deve se preocupar em criar condições de acordo com as necessidades de cada indivíduo que busca uma tutela jurisdicional, a fim de que alcancem um patamar de igualdade substancial (HASSE, 2017). Um exemplo de medida de efetivação desse direito é a possibilidade de se lavrar em um cartório de notas a escritura de inventário e partilha, onde todos os herdeiros, capazes e concordes, ajustam os termos da partilha dos bens do espólio (autor da herança). Mais ainda, com a possibilidade da assinatura eletrônica através do e- Notariado a justiça, em sua mais ampla versão de acessibilidade, pode ser exercida em prol da vontade livre e consciente das partes.

Diante do exposto, vê-se que o acesso à justiça, por si só, já demanda do Estado a adoção de ações positivas, tendo em vista que o significado de justiça está relacionado diretamente à ideia de igualdade material.10 GORETTI, Ricardo. Mediação e acesso à justiça. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 67.

4.   CONCLUSÃO

  Já em linhas conclusivas, o que parece evidente e reconhecidamente positivo é que a edição e promulgação do Prov. nº 100/2020-CNJ trouxe infinitas benesses ao exercício de vários direitos pelos usuários do serviço notarial.

Como já foi mencionado, as serventias extrajudiciais lançaram mão de sistemas informatizados para execução de suas atribuições, mas essa utilização foi gradual e lenta, culturalmente resistida tanto pelos Tabeliões quanto pelos usuários do serviço.

A atividade notarial vive um momento de transição que, motivada por um evento negativo (PANDEMIA COVID-19), teve que responder de forma positiva às demandas da sociedade, e a edição do provimento 100 veio em excelente momento, com a possibilidade de verificação de certificação da vontade da parte online, verificação da assinatura digital, verificação documental, adaptação do sistema notarial a uma plataforma Blockchain, tudo em prol da atividade notarial, em prol da facilitação e modernização da prática de atos notariais, é medida que melhor reflete os assentos da sociedade, razão pela qual temos que os movimentos são positivos e não comportam espaço para retração.

 

5.  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 BRASIL.            Código            de             Processo            Civil.             Disponível             em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 03 mai. 2020.

            . Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 07 abr. 2020.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 29 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 1 v.

GORETTI, Ricardo. Gestão Adequada de Conflitos. Do diagnóstico à escolha do método para cada caso concreto. Salvador: JusPodivm, 2019.

            . Mediação e acesso à justiça. Salvador: JusPodivm, 2017.

MARQUES, Norma Jeane Fontenelle. A desjudicialização como forma de acesso à justiça. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura& artigo_id=14638&revista_caderno=21 -Acesso em: 09 de abril. 2017.

NOBRE, Francisco José Barbosa. Manual da usucapião extrajudicial: de acordo com a lei nº 13.465/2017, incluindo comentários ao provimento nº 65/2017 do CNJ. 1 ed. Ananindeua: Itacaiúnas, 2018.

PINHEIRO, Patricia Peck. Direito digital. 5 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.

TEIXEIRA, Tarcisio. Curso de direito e processo eletrônico. 2 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014.

Últimos posts

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *